Após 5 anos sem lançamentos, a banda demonstra em seu novo álbum que o nu metal e o calor ardente ainda correm em suas veias
Por Giovanna da Silva Araújo
A sexta-feira do dia 22 de agosto de 2025 foi marcada por um dos lançamentos mais aguardados no universo do nu metal. Private Music, o 10º álbum de estúdio de Deftones chega aos ouvidos do público surpreendendo positivamente não por sua inovação, mas sim pela falta dela. Arctic Monkeys, Cage The Elephant e Bring Me The Horizon são exemplos de bandas que dividem espaço no espectro do rock contemporâneo junto de Deftones e, em algum momento de sua discografia, migraram para outros estilos e testaram novas sonoridades – o que não garante necessariamente um aperfeiçoamento artístico. É notável e até previsível que bandas que estão na indústria há muito tempo tendem a passar por mudanças sonoras ou visuais (independente do gênero), mas felizmente Deftones não cedeu a esse destino.
Apesar de Private Music não ser exatamente uma continuação de Ohms (álbum anterior, lançado em 2020), o novo disco fortalece a coesão estética da banda, apresentando a essência do nu metal nos riffs estridentes e nos vocais ousados de Chino Moreno, mas com uma melancolia e desejo envolventes característicos de seu estilo. Navegar por cada faixa que oscila entre brutalidade e complexidade emocional se torna algo como sentir cada fenda do corpo ser invadida pela pressão da água ao mesmo tempo em que absorve o calor ao mergulhar em um oceano quente.
Com produção de Nick Raskulinecz, mesmo produtor de Koi No Yokan (2012) e Diamond Eyes (2010), o novo álbum bebe das fontes sonoras desses trabalhos anteriores, porém em uma versão amadurecida e refinada. Enquanto Ohms dialoga mais diretamente com os traços estéticos presentes em Around the Fur (1997) e White Pony (2000), em Private Music faixas como i think about you all the time e metal dream partilham do mesmo erotismo e atmosfera onírica presentes em Sextape e Entombed dos álbuns de 2010 e 2012, respectivamente. Essa equivalência entre álbuns é manifestada não apenas sonoramente, mas também nos temas líricos ambivalentes de desejo e introspecção; temas que, ao longo dos últimos trabalhos da banda, se consolidaram como sua identidade.
Ainda que em Private Music haja a abordagem desses temas na tracklist, outras temáticas que contemplam a espiritualidade e existencialismo aparecem com uma densidade até então não muito explorada em outros projetos de Deftones. À medida em que o título do álbum expressa intimidade e subjetividade, a capa e os demais elementos visuais da nova Era revelam essa outra face do conceito proposto ao trazer uma cobra albina, que simboliza transformação e renovação em contraste com um fundo verde vibrante, refletindo a dicotomia entre tensão e sutileza trabalhada ao decorrer do disco. Os visualizers de cada música configuram ambientações intimistas, melancólicas e com uma atmosfera onde o caos que invade o mundo ao redor serve como uma extensão da angústia e reflexão interiores, além do uso muito bem articulado de recursos visuais como glitch e filtros negativos, sugerindo surrealismo e instabilidade.

Capa do álbum Private Music (2025)
Os elementos sonoros também contribuem na construção da identidade do álbum, que excedem as guitarras rasgadas, baterias agressivas e baixos profundos que formam a base instrumental típica do nu metal de Deftones. Desde Saturday Night Wrist (2006), a banda tem incorporado elementos como camadas de guitarra etéreas e vocais dinâmicos e expressivos que alternam entre timbres profundos e pausados e passagens mais altas, ágeis e penetrantes (muito explorados e admiravelmente executados em departing the body); somados à texturas mais sinuosas e imersivas que dão profundidade ao mergulho emocional que cada música busca proporcionar ao ouvinte. Uma exclusividade estilística de Private Music é o uso de recursos sonoros que remetem à estética 8-bit e ao glitch que, como já mencionado, se manifestam nos visualizers. Embora em Ohms tenha acontecido uma tentativa inicial de recorrer à aplicação desses efeitos, foi neste álbum que a abordagem se cristalizou plenamente – e com sucesso –, como em ecdysis, terceira música da tracklist.
A faixa de encerramento departing the body se destaca ao potencializar toda a proposta do álbum. Ela sintetiza, de maneira experimental e exitosa, diversos desses elementos estéticos explorados ao longo da obra. Com um início nebuloso marcado pelos vocais graves de Moreno — raros em sua discografia —, que dialogam com a guitarra arrastada e por recursos sonoros que evocam o surrealismo através de ruídos distorcidos, a composição expande-se gradualmente em uma ambiência imersiva e intensa. Departing the body se desdobra em uma experiência que entrelaça momentos de brutalidade e passagens que remetem a um devaneio melancólico e flutuante.
Após vinte anos de banda, Deftones consolida uma coleção de 10 álbuns em 2025 com Private Music, culminando em uma discografia coesa e consistente que reafirma sua identidade enquanto uma banda de nu metal, sem se ater rigorosamente às convenções do gênero. Com uma estética visceral articulada em torno de temáticas como transcendência, espiritualidade, existencialismo e melancolia, além do toque erótico, o novo disco se estabelece como um exemplar paradigmático da essência artística da banda, incorporando sutilmente – ou não – traços de trabalhos anteriores, porém em uma versão mais lapidada e madura. Ao ouvir Deftones, espera-se uma imersão sonora em uma atmosfera mais profunda e complexa para além das guitarras distorcidas e dos vocais intensos comumente encontrados em outras bandas do gênero e, indubitavelmente, é exatamente isso que Private Music entrega.
