Entre contratos milionários e escândalos de corrupção, as bets estão cada vez mais presentes no futebol brasileiro

Por Guilherme Barbeito

Para muitas pessoas, a camisa do time de coração é a peça mais importante da identidade do clube; há quem a chame de sagrada, de manto ou até de segunda pele. Se até os anos 1980 era proibida a inclusão de patrocínios nos uniformes, hoje não há clube no futebol brasileiro que não exiba marcas em sua vestimenta.

Os patrocínios do futebol brasileiro ajudam a contar a história da nossa economia. No período pós-ditadura, em um mercado inseguro, a Coca-Cola, uma multinacional consolidada, patrocinou dez grandes times nacionais de uma só vez. Nos anos 90, com a abertura econômica, surgiram patrocinadores de diferentes setores, como o alimentício, com a Parmalat no Palmeiras e a Batavo no Corinthians; o transporte aéreo, com a TAM no São Paulo e no Atlético-MG; e as montadoras, com a Hyundai no Fluminense e a Chevrolet na dupla Gre-Nal.

Durante os primeiros mandatos do presidente Lula, com o surgimento de novas tecnologias e a ascensão do consumo da classe média, empresas como LG, Samsung e Panasonic estamparam suas marcas nas camisas de futebol. Entre 2010 e 2014, com a crise de 2008 trazendo incertezas ao mercado internacional, empresas nacionais como BMG e Caixa dominaram o cenário, aproveitando para fortalecer suas marcas no mercado interno.

No contexto atual do país, com o aumento do desemprego e do trabalho informal, muitos brasileiros buscam maneiras de complementar a renda. Uma consequência disso é o aumento exponencial de apostas nas chamadas bets, que já ocupam grande parte dos espaços publicitários do futebol nacional.

A relação do Brasil com as apostas vem de longa data. O costume chegou com os portugueses, por meio do carteado, seguido pelas corridas de cavalos, o jogo do bicho e, no século XX, a criação da Loteria Federal e a era dos cassinos, que movimentavam muito dinheiro em jogos e apresentações.

Além disso, somos um país apaixonado por esportes, especialmente o futebol. São dezenas de milhões de pessoas que acompanham diariamente a modalidade no Brasil e, consequentemente, conhecem as marcas que são anunciadas durante as partidas.

Assim, quando o ex-presidente Michel Temer assinou, em 2018, o decreto que permitia o funcionamento das casas de apostas esportivas, ainda sem qualquer tipo de regulação, abriu-se um mercado com grande potencial de aderência do público.

Pouco depois da liberação, o mercado publicitário do futebol foi rapidamente tomado pelas bets, e o “show do intervalo” já trazia ídolos como Ronaldo Fenômeno, Denílson Show, Rivaldo e Marcelo promovendo essas empresas na televisão.

Em 2019, na primeira temporada com a presença das bets, oito empresas do ramo apareceram nas camisas de treze times da Série A. No entanto, apenas a parceria entre MarjoSports e Goiás era considerada máster (principal patrocinador do clube, com maior destaque na camiseta), enquanto as demais surgiam em áreas menores, em menor evidência, em times como Flamengo, Cruzeiro e Botafogo.

O tempo passou, e, hoje, 15 dos 20 times da primeira divisão têm como patrocinador máster uma casa de apostas. Segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo, são cerca de 600 milhões de reais investidos nesse tipo de ativo no futebol brasileiro.

Essa dominação se dá principalmente pelos valores astronômicos oferecidos por essas bets aos clubes. Para se ter noção, o Flamengo recebia cerca de 45 milhões por ano do banco digital BRB pelo patrocínio máster em 2023. Já neste ano, a PixBet paga cerca de 105 milhões ao clube carioca pelo mesmo ativo.

O Flamengo hoje detém o maior patrocínio do futebol brasileiro. Foto: Andrés Rot/Getty Images

Ademais, a publicidade não se restringe aos uniformes do clube ou aos intervalos comerciais. Um dos modelos de negócio que está em alta é a compra de naming rights, isto é, o direito de expor a sua marca em um nome já existente.

Em 2024, as séries A e B do Brasileirão, além da Copa do Brasil, carregam a marca Betano em seus nomes. Entre os estádios, a empresa ‘Casa de Apostas’ tem o naming rights da Arena Fonte Nova, em Salvador, e da Arena das Dunas, em Natal. Ambos esses estádios sediaram a Copa do Mundo em 2014.

Para Danilo Lavieri, colunista de esporte do UOL que acompanha o tema, a falta de amadurecimento do cenário justifica em parte esse fenômeno. “Ainda é um mercado com pouca regulamentação e que traz uma quantidade de dinheiro enorme, muitas vezes com origem sob suspeita, como é o caso da Esportes da Sorte”, afirmou em entrevista ao Jornal Contexto.

A empresa citada patrocina o Corinthians desde junho, após a rescisão com a Vai de Bet devido a um suposto esquema de corrupção ser divulgado na mídia. A Esportes da Sorte paga cerca de 100 milhões de reais por ano para estampar os uniformes do Timão no futebol masculino, feminino, futsal e basquete.

Além disso, houve um aporte de 57 milhões de reais para cobrir os salários e custos da contratação do atacante holandês Memphis Depay, destaque no futebol europeu nos últimos anos, que chegou ao Corinthians com o status de ‘superstar’.

Leonardo Novaes, assessor de imprensa da Esportes da Sorte e de outros negócios do ramo, destacou a importância da chegada do holandês ao futebol brasileiro. “Uma das ações mais legais que eu realizei enquanto assessor de bets aconteceu quando distribuímos faixas de cabelo (acessório característico de Depay) para os torcedores na Neo Química Arena. Fizemos até mesmo uma ativação com um sósia dele e foi um baita sucesso”, conta.

Memphis Depay fazendo a sua tradicional comemoração – Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians

A Esportes da Sorte, contudo, é investigada por suposta lavagem de dinheiro relacionada ao jogo do bicho no estado de Pernambuco. A investigação resultou em mandados de prisão, e a empresa teve sua autorização para operar suspensa em setembro, mas a recuperou em outubro.

Em nota divulgada em setembro pela assessoria de imprensa, a empresa se defendeu das acusações. “A Esportes da Sorte informa que ainda não teve acesso à decisão judicial que autorizou busca e apreensão em sua sede. Contudo, ressalta que, desde março de 2023, tem prestado todos os esclarecimentos necessários nos autos do inquérito policial em curso, através de diversas petições e documentos apresentados pelo escritório Rigueira, Amorim, Caribé e Leitão – Advocacia Criminal. As atividades de aposta de cotas fixas da empresa cumprem rigorosamente a Lei n.º 13.756/2018 e a Lei 14.790/2023, com excelência jurídico-regulatória, acompanhamento de auditoria independente e sistema de compliance. A operação policial será impugnada perante o Juízo competente, demonstrando-se que houve interpretação precipitada e equivocada dos fatos apurados, sem qualquer análise ou consideração dos argumentos já apresentados. Tanto é assim que a autoridade policial não apreendeu qualquer objeto, documento ou equipamento na sede da empresa. A Esportes da Sorte, como sempre esteve, permanece à disposição das autoridades”.

Casos como esse e a falta de segurança no mercado fizeram com que o Palmeiras hesitasse em fechar com uma empresa de apostas para o patrocínio máster em 2025, uma vez que a Crefisa, parceira do clube desde 2015, não renovará o contrato ao final deste ano.

Inclusive, o clube ainda não cumpriu o desejo da Puma, sua fornecedora de materiais esportivos, de anunciar as marcas que estamparão a camisa alviverde em 2025. A empresa alemã gostaria que a decisão fosse tomada até o mês de outubro.

Apesar disso, a presidente Leila Pereira deve ceder e fechar com a SportingBet. Segundo Lavieri, a mandatária da esquipe paulista entende que a empresa inglesa com quase 20 anos de história transmite a segurança que o clube deseja em seu patrocinador.

De qualquer forma, o negócio ainda não foi fechado, pois as partes negociam um pacote de medidas ‘anti-calote’, que garantiriam que o Palmeiras não seja lesado como outros clubes foram em suas relações com bets.

Leila Pereira é uma das defensoras da regulamentação das bets. Foto: Cesar Greco/Palmeiras

A regulação para esses patrocínios é uma das pautas mais importantes nesse grande recorte que é o mercado de apostas. Hoje em dia, algumas medidas garantem que as bets destaquem a importância do jogo responsável em todas as suas propagandas televisivas.

Além disso, não é mais permitido esse tipo de publicidade em jogos das categorias de base, que geralmente são formadas por atletas menores de idade.

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) promoverá em São Paulo, no dia 26 de novembro, uma conferência entre os cartolas do futebol brasileiro que discutirá a invasão das bets no cenário atual.

O evento contará com a presença de Régis Dudena, secretário de apostas do Ministério da Fazenda, e do advogado Pietro Lorenzoni para um debate sobre apostas, além de Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, o ministro do Esporte André Fufuca e os técnicos das seleções brasileiras Dorival Júnior e Arthur Elias. Representantes dos clubes, como Julio Casares (São Paulo), Leila Pereira (Palmeiras), Rodolfo Landim (Flamengo) e CEOs das SAFs de Fortaleza, Bahia, Botafogo, Cruzeiro, Red Bull Bragantino e Vasco também participarão para discutir a sustentabilidade financeira e a gestão estratégica no futebol.

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