Em Cartas para minha avó, Djamila Ribeiro conta sua trajetória de vida e militância no movimento negro e feminista

Por Amanda de Oliveira

Reflexões da autora sobre a sua vida, que não teve tempo de partilhar com sua avó. Foto: Amazon/ Divulgação.

O livro é quase uma autobiografia. Escrito sob a forma de cartas, Djamila Ribeiro apresenta à sua avó a neta que ela se tornou e todos os enfrentamentos que teve ao longo de sua vida. Traz suas vivências, de resistência ao racismo, afirmação da negritude e conquistas como escritora consagrada.

Ao ler Cartas para minha avó, entendemos o porquê da figura escolhida ser a avó, importantíssima em sua formação, pois era ela que ensinava mesmo sem saber que estava ensinando, com quem Djamila tem muitas memórias afetivas. Dona Antônia faleceu antes de ver a neta com tanto prestígio nacional e internacional, mas certamente ficaria orgulhosa.

A questão da ancestralidade, de saber de onde veio, com quem aprendeu cada coisa, é fundamental para todos, mas para pessoas negras, isso vem de um lugar diferente. Trata-se de conhecer sua história, que há anos vem sendo apagada. Djamila recupera cada lembrança: “Isso herdei de você, vó”, escreve.

Certa vez, ouvi de um professor de literatura que famílias negras são sempre representadas com algum desfalque e com grandes problemas, criando um grave estereótipo. O olhar para essas famílias torna-se de “piedade” ou, pior, de “expectativa atendida” (quando há reveses). Isso não acontece quando pessoas negras contam suas próprias histórias, como é o caso de Djamila. A escritora relata que passou por algumas dificuldades financeiras quando criança e vivenciou a separação dos pais, mas não apresenta somente esse lado, em seus relatos conta também o quanto a família é unida, que o pai sempre esteve presente e, na juventude, criou um laço de cumplicidade muito forte com a mãe.

Neste livro, Djamila apresenta quatro gerações: a própria, a de sua avó, sua mãe e sua filha. Djamila reconhece e admira todos os feitos de gerações anteriores e passa à sua filha todos os ensinamentos, podemos ver o que Djamila herdou de cada uma (de sua mãe e avó) e a emancipação conquistada a cada geração. A autora segue a caminhada de sua avó como uma mulher negra, trazendo sempre como referência, mas ocupa espaços diferentes, que talvez nem puderam ser sonhados por ela.

O livro foi publicado em 2021, pela editora Companhia das Letras. A escritora, Djamila Ribeiro, é filósofa, ativista do feminismo negro e professora da PUC-SP. Seu livro Pequeno Manual Antirracista foi o mais vendido na Amazon, em 2020, e recebeu o mais importante prêmio da literatura nacional, o Jabuti (2020). Djamila cada vez mais conquista espaços e visibilidade, como merece, outro prêmio que ganhou foi o BET Global Good Award, premiação internacional dedicada à valorização e prestígio da cultura negra.

Em suas obras, a autora aborda a questão racial vivida por uma mulher no Brasil, assim apresenta um discurso interseccional, social e politicamente marcado. Seus textos são escritos a partir da sua vivência (e ancestralidade), fazem denúncias, desconstróem estereótipos “do que é ser negro”, ressignificam simbologias contra políticas de embranquecimento pré-estabelecidos e são porta-vozes de todo um coletivo. 

Sua literatura é afro-feminina, composta por “vozes literárias que vislumbrem emancipação e resistência”, como bem elucida a escritora Ana Rita Santiago da Silva. Rompe com a submissão e o silenciamento, na denúncia das opressões enfrentadas pelas mulheres, num ato de empoderamento, liberdade e autoafirmação. De forma revolucionária, reescreve “o que é ser uma mulher negra no mundo”, a partir das vivências (individuais e coletivas, atuais e ancestrais), com novos sentidos.

A primeira vez que li Djamila foi em 2020, quando era bolsista de um projeto de escritoras negras. Foi lendo Djamila (e tantas outras escritoras negras) que passei a me afirmar como mulher negra. O livro Quem tem medo do feminismo negro (2018) traz alguns relatos da vida de Djamila que facilmente se confundiriam com os escritos no meu diário. E Cartas para minha avó é mais um livro em que me sinto fortemente representada e com esperança de, assim como Djamila, ser um orgulho para gerações anteriores e futuras. 

Cartas para minha avó

Djamila Ribeiro 

Ed. Companhia das Letras

Preço: Kindle- R$ 16,79

Físico- R$ 20,99

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