Por Samara Meneses

Associação nordestina de conservação ambiental é destaque na preservação litorânea desde 1994

A degradação dos sistemas aquáticos é um problema global agravante, com impactos significativos nas comunidades locais que dependem desses recursos. À medida que esses ecossistemas sofrem alterações e perdas, as implicações se estendem muito além das questões ambientais, afetando profundamente o cotidiano local.

A Aquasis – Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos – no nordeste brasileiro, acredita que o estímulo do pensamento crítico das comunidades litorâneas e dos tomadores de decisão, contribui diretamente nas ações de conservação. Isso inclui fatores que impactam diretamente na mitigação dos desequilíbrios climáticos.

Projeto Aves Migratórias | Foto via Instagram

A Associação surgiu em 1994, a partir da criação de um grupo de estudos de cetáceos (GECC), formado por alunos e professores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Sua base está em três pilares fundamentais: Monitoramento & Pesquisa, Políticas Públicas para Conservação & Advocacy e Educação Socioambiental.

Como monitoramento, o Projeto Aves Migratórias da Aquasis faz parte do Projeto de Longa Duração Costa Semi-Árida do CNPQ, cujo objetivo é estudar como a semiaridez e as alterações climáticas afetam os sistemas socioecológicos costeiros, desde os microorganismo aos seres humanos.

Além de avaliar os abalos na cadeia ecológica de aves costeiras, os monitoramentos na zona litorânea do Ceará são realizados diante de uma escala temporal, que permite a análise constante das desordens climáticas.

Impactos nas comunidades locais

De acordo com Gabriela Ramires, membro da Aquasis, as consequências das degradações ambientais são sentidas mutuamente entre as comunidades humanas e os ambientes aquáticos, afetando diretamente as alterações de seus recursos.

Gabriela cita como exemplo a intensidade da distribuição de espécies invasoras, como o coral-sol ou peixe leão, que podem diminuir a biodiversidade local e causar riscos à saúde humana.

O peixe-leão coloca espécies nativas em risco | Foto: Pete G/Flickr

“Outra questão que nos envolve é a gravidade da liberação de dejetos das fazendas de camarão nos manguezais, contaminando substratos, bivalves e moluscos. Esses são consumidos tanto pelas aves quanto pelas comunidades costeiras, fonte de renda das mulheres marisqueiras”, explica.

Criação de camarão no Rio Grande do Norte | Imagem: Avener Prado/Folhapress

Dentre os impactos significativos nas comunidades que dependem desses ambientes, esses são alguns dos principais efeitos:

1.Segurança Alimentar: Quando os ecossistemas aquáticos sofrem degradação devido à poluição, sobrepesca, aumento da temperatura da água e outros fatores, as populações de peixes e outros recursos marinhos diminuem, afetando a segurança alimentar das comunidades locais.

2. Impacto econômico: A degradação dos ecossistemas aquáticos reduz, consequentemente, as oportunidades de pesca, resultando na perda de empregos e na diminuição da renda para as comunidades locais.

3. Cultura: Em muitas culturas, os ecossistemas aquáticos desempenham um papel fundamental em práticas culturais e tradições. A degradação desses ambientes pode resultar na perda de conhecimentos tradicionais, rituais e valores culturais associados à pesca e à vida junto à água.

4. Ameaças à Saúde: A poluição da água e a degradação dos ecossistemas aquáticos podem representar riscos para a saúde, tornando a água inadequada para o consumo humano e possibilitando a transmissão de doenças.

5. Deslocamento: Em algumas áreas, a degradação pode forçar as comunidades locais a se deslocarem em busca de melhores condições de vida. Isso pode levar a conflitos por recursos escassos e acentuar a pressão sobre os ecossistemas em outras áreas.

6. Desastres Climáticos: A degradação dos ecossistemas aquáticos pode agravar os impactos das mudanças climáticas, tornando as comunidades costeiras mais vulneráveis a eventos climáticos extremos, como tempestades e inundações.

Desafios

Ainda de acordo com a especialista, existem diversos fatores a se preocupar durante a monitoração do comportamento desses biossistemas. Espécies que já apresentam uma queda populacional constante, estão cada vez mais expostas a novos perigos e agravantes.

“Os trânsitos de veículos nas praias fazem com que essas espécies sofram ainda mais, se estressando ao ponto de abandonar seus ninhos e filhotes.Temos fotos de ninhos que estão entre dois trilhos de pneus na areia da praia. É muito impactante ver um registro desse”, afirma Gabriela.

Outro fator preocupante envolve as mudanças de matrizes energéticas, como as usinas eólicas, que se não forem planejadas e distribuídas de maneira responsável podem resultar diretamente na morte de animais e na destruição de vegetação nativa.

“Nós estamos muito preocupados com essas propostas de usinas eólicas espalhadas por toda a costa do Nordeste, muitos locais importantes da Costa Sul e pontualmente no sudeste. Esses interesses não estão, aparentemente, em um crescimento sustentável”, explica Gabriela.

Imagem: ABEEólica/Divulgação

Em entrevista para a BBC Brasil, o pesquisador Felipe Melo, do Departamento de Botânica da UFPE, afirma que a região Nordeste é responsável por 86% da produção de energia eólica do Brasil, com destaque para a Caatinga, que abriga 78% de todas as turbinas instaladas no país.

“É muito bom, é muito importante a gente ter essa transição energética, mas ela precisa ser socialmente e ecologicamente justa”, pontua a representante da Aquasis.

Políticas Governamentais

Para enfrentar os desafios da degradação ambiental desses ecossistemas, é de suma importância o planejamento de políticas públicas, indicadores e dimensionamentos responsáveis.

Enquanto organização, a Aquasis acredita na necessidade de revisão e fortalecimento das vigilâncias ambientais. “Nós trabalhamos ativamente pela mudança de atitude, tanto de comunidades costeiras quanto dos tomadores de decisão na gestão urbana”, destaca a especialista.

Recentemente, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, destacou a importância do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente – no fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente e na transição ecológica da economia brasileira. “A partir dele, com a devida segurança jurídica, o grupo de trabalho poderá se debruçar e fazer os aprimoramentos e as atualizações”,afirmou.

Ministra Marina Silva – Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Após ter suas atividades encerradas em 2021, o Conselho foi retomado em 1° de janeiro de 2023, pelo presidente Luiz Inácio da Silva, reunindo representantes do governo federal, dos estados, municípios e de diferentes segmentos da sociedade.

Educação e vigilância socioambiental

A Aquasis acredita que envolver ativamente as comunidades locais é um dos pilares para a preservação ecológica. Através da ação de instrumentos de participação popular e conselhos gestores de conservação, a equipe realiza campanhas de sensibilização a fim de garantir licenças à empreendimentos que realmente se atenham ao uso sustentável de recursos.

“Diante de um licenciamento ambiental de um posto de gasolina em uma lagoa intermitente, não só votamos para o indeferimento da licença como discorremos sobre a importância ecológica da lagoa para um município do litoral do semiárido”, explica Gabriela.

Estas lagoas são essenciais para o abastecimento de água, já que a região não possui um rio para a captação, dependendo de aquíferos, que tem sua recarga comprometida quando empreendimentos são construídos em áreas de recarga.

Lagoa Santa Maria, em Pão de Açúcar, praticamente desapareceu. Segundo levantamento, era 10 vezes maior há 30 anos | Foto: Neison Freire / Fundaj

Sabendo que ainda existem muitas dúvidas quanto à participação ativa na conservação ambiental, o projeto mantém a postura de incentivo dos mecanismos de participação social de gestão pública.

Existem Conselhos e Comitês estaduais/federais destinados à proteção ambiental, onde a população pode representar diretamente a realidade de suas comunidades. A especialista do projeto destaca que: “Os municípios precisam ter conselhos de defesa do meio ambiente. As pessoas, muitas vezes, não sabem quais assuntos são tratados. É preciso, primeiramente, saber o que está acontecendo e procurar meios de participar”.

O que esperar do futuro?

Ainda de acordo com Gabriela, diante do atual estado de ebulição global, a Aquasis mantém esperanças quanto à participação mais ativa da população na cobrança de medidas públicas vigilantes para a preservação e o bem estar das zonas costeiras. Avaliando, por exemplo, a quantidade de água outorgada para grandes produtores sem fiscalização adequada.

Projeto Aves Migratórias/ Foto via Instagram

“As melhorias, os avanços tecnológicos no reuso e reciclagem da água, vão no outro lado dessa balança, pendendo para um futuro mais positivo para a humanidade e para outras espécies que coabitam o nosso Mundo Azul”, finaliza.

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