De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, fatores como escolaridade, idade e raça impactam diretamente na forma com a qual o réu é interpretado na abordagem
Por Daniel Souza
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão reavaliando o artigo 28 da Lei de Drogas desde março deste ano. Entre os argumentos apresentados na discussão referente à sua má aplicação, o uso da raça para definir se o portador da droga é usuário ou traficante recebeu a atenção dos juristas.
Sancionada em 2006, durante o segundo mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, ela surgiu como uma alternativa para o combate ao tráfico e a questões relacionadas à saúde pública. No entanto, sua sanção acarretou em uma guerra violenta em que a população negra e periférica ficou entre a polícia e o tráfico.
Os ministros até então estão considerando apenas o porte da cannabis para uso pessoal, excluindo assim outras drogas.
Durante seu voto, realizado no dia 2 de agosto, o ministro Alexandre de Moraes deixou claro entender que a lei não é aplicada a todos da mesma forma, mesmo em casos semelhantes. Para ele, fatores como escolaridade, idade e raça impactam diretamente na forma com a qual o réu é interpretado na abordagem, sendo considerado ou não usuário.
O ministro do STF também cita estudo realizado em parceria com Marcelo Guedes Nunes, diretor-presidente da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) em que segundo a mediana, uma pessoa branca, ao ser enquadrada, precisa ter 80% a mais da quantidade de drogas que uma pessoa negra (parda ou preta) para que seja considerada traficante.

Colocando na ponta do lápis, se existisse uma métrica não oficial de 25 gramas por pessoa para que fosse considerada usuária, brancos só seriam considerados traficantes portando mais de 45 gramas de cannabis. Dessa forma, o estudo indica que a abordagem e a definição de quem é ou não usuário é realizada considerando a raça, evidenciando uma conduta racista daqueles que aplicam a lei.
Com uma atuação focada na lei de drogas, o advogado Michael Dantas, diretor da Reforma (Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas) comenta que as substâncias estão em todos os lugares. No entanto, a abordagem é diferente.
“Em lugares super ricos ninguém bate, ninguém fica abordando as pessoas na entrada. Ao mesmo tempo, a gente tem os fluxos, que são os grandes bailões, as festas de funk. Quando se fala da criminalização, se fala desses lugares porque ‘ah, lá tem uso de drogas, lá tem venda de drogas’, todos os outros espaços tem tudo isso, só que quem está nesses lugares são as pessoas que estão dentro desse grupo, que é o grupo alvo dessa guerra”.
Pesquisa indica desigualdades
Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senad/MJSP) sobre mais de 5 mil processos de ações criminais relacionadas ao tráfico de droga, realizados em 2019, exemplifica o quadro de desigualdade vivenciado pelo perfil médio dos réus.
O relatório sobre os processos indica uma disparidade referente a gênero, raça, idade e grau de escolaridade, sendo 81% homens; 71,26% tem 30 anos ou menos; 65,7 são negros e 68,4 não chegaram a cursar o ensino médio.
A reavaliação é essencial para que a lei seja aprimorada e aplicada corretamente a todos os cidadãos brasileiros, além de gerar discussões sobre as desigualdades vivenciadas pela população.
