Projeto Fluxo Digno busca combater a precariedade menstrual para além da distribuição de absorventes

Por Isabela Paulino Assis

Muitas mulheres ainda buscam pela garantia da dignidade menstrual, que é negligenciada para a grande maioria. No último dia 28 de maio, foi celebrado o Dia Internacional da Dignidade Menstrual. O dia foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para relembrar a importância do acesso à higiene menstrual e do combate à pobreza menstrual.

A Organização ainda ressalta que além de acesso aos itens básicos de higiene menstrual, é preciso que as mulheres tenham mais informações e sejam educadas sobre a menstruação. Segundo o relatório Livre para Menstruar, do movimento Girls Up, cerca de 60 milhões de mulheres e meninas menstruam no país. E 7,5 milhões de meninas menstruam nas escolas brasileiras.

Com a ideia de auxiliar essas mulheres e ampliar o conhecimento sobre o assunto, surgiu o projeto Fluxo Digno. O projeto é formado por Bianca Miquelutti, Isabela Nascimento, Munique Bassoli e Larissa Nascimento, todas de Taquaritinga. A integrante Isabela diz que a ideia surgiu com o curso Nova Primavera, que algumas integrantes realizaram em 2021, que pretendia incentivar os trabalhos de base.

“Você tinha que identificar uma carência, ou seja, uma coisa que não tinha na cidade e atuar em cima disso. Então, a gente viu que tinha questões de alimento, de animal, de saúde, de assistência, ainda que carente. Só que não tinha um olhar para a saúde da mulher, na questão da pobreza menstrual”, declara Isabela.

Ela ainda afirma que o grupo começou “sem apoio nenhum, sem verba, foi tudo arrecadação de trabalho voluntário”. Apesar de ter a lei que garanta o acesso a absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade, muitas ainda desconhecem e não usufruem desse direito. Os projetos sociais em combate à precariedade menstrual tentam suprir as necessidades dessas pessoas que menstruam, já que o governo ainda falha nesse suporte.

Como destacado pela ONU, as mulheres precisam ter mais conhecimento sobre o período menstrual e quais seus direitos de dignidade. Questionada sobre qual o maior problema sobre a pobreza menstrual, Munique diz que “o pior é a falta de informação mesmo. Porque as meninas, as mulheres, elas não sabem como funciona o ciclo, é tudo meio restrito, meio tabu”.

Larissa explica que, “quando a gente chegava para dar a palestra ou falava que ia abordar esse assunto, já tinha gente ‘torcendo o nariz’ ou elas ficavam meio assustadas”. Todas as integrantes reforçam que para além da falta dos itens básicos para o período menstrual, há muita desinformação sobre a pobreza menstrual e o ciclo menstrual.

O projeto atua na cidade de Taquaritinga, interior de São Paulo, e já entregaram quase 200 kits completos, que incluía absorventes, sabonetes, desodorante e pasta de dente, e mais de 2.000 absorventes para a população feminina da cidade.

Para além da distribuição de absorventes, Larissa afirma que é preciso “a parte da conscientização para além das entregas, a parte delas entenderem que não tem nada de errado com a menstruação em si e também com o precisar pedir, precisar falar que não tem e que está precisando”.

Para Larissa, é preciso “entender que elas têm direito de exigir isso enquanto uma política pública, porque é uma questão de saúde pública”.

As participantes do Fluxo Digno buscam conciliar a entrega de absorventes com uma roda de conversa ou palestra para que as mulheres entendam mais sobre o assunto e conheçam seus direitos. “A gente fazia questão de quando a gente ia fazer entrega em algum lugar, fazer também uma roda de conversa,” afirma Larissa.

Apesar da criação de inúmeros grupos para abordar a pobreza menstrual, ainda há muito receio e um tabu sobre o tema. Além de oferecer os absorventes descartáveis, o projeto apresentou os absorventes alternativos, como coletor, disco, calcinha menstrual e absorventes reutilizáveis. Ainda puderam sortear em algumas rodas de conversa os absorventes reutilizáveis de pano, mas encontraram muito receio das mulheres presentes. “Tem muitas que nunca tinham ouvido falar sobre esse tema de uma maneira mais aberta”, afirma Isabela.

Entretanto, por sempre ouvirem sobre a menstruação de forma velada e cheia de tabus, isso se tornou um ponto comum entre elas. “Quando você começa a comentar os tabus, como ‘não pode lavar a cabeça’, todas elas se envolviam, porque a maioria já tinha escutado alguma coisa que quando você está menstruada você não pode fazer”, diz Munique Bassoli. Falar sobre esses tabus proporcionou maior identificação com o tema, trouxe essas mulheres para a discussão e deixou elas mais seguras para falar abertamente sobre menstruação, segundo as integrantes do grupo.

Ainda que muitas mulheres precisassem desse suporte para o período menstrual, elas questionavam as participantes do projeto se não haveria entrega de cestas básicas ou brinquedos. Tal questionamento evidencia que muitas vezes a mulher foi deixada de lado nas discussões de políticas públicas, deixada de lado na sociedade brasileira e isso acarretou em um desconhecimento do que é o seu bem-estar. “Para a mulher ninguém nunca olhou. Elas sentiram um misto de ‘estou acanhada com esse assunto, mas também estou me sentindo cuidada’”, comenta Isabela.

Larissa ainda reforça a importância de abranger os homens nesse diálogo, “porque eles vão ser pais, são maridos, e eles precisam saber lidar, saber como funciona”. A participante Isabela diz que “a gente tem que levar em conta que tem muitos pais que às vezes tem que fazer papel de mãe. Então eles tem que ajudar uma menina na menstruação, dar uma orientação”. Além de que muitos tabus e piadas sobre o período menstrual vêm dos homens e do pensamento machista.

A entrega de absorventes é a política mais efetiva para as mulheres em vulnerabilidade, porém é extremamente necessária a informação sobre o tema para que tenham consciência dos problemas sociais que isso engloba. “O CRAS, que é um órgão público, o que foca é ensinar as meninas quando elas já estão grávidas, tem muito pré-natal. Mas cadê o trabalho de prevenção? Por exemplo, uma palestra sobre como funciona o seu ciclo para que você não engravide contra sua vontade”, comenta Isabela.

A dignidade menstrual “envolve saneamento, ter acesso, não só ao absorvente, tem que ter o sabonete, tem que ter água, a toalha. Uma condição favorável de moradia também”, declara Isabela Nascimento. No relatório Livre para Menstruar mostra que 1,5 milhão de brasileiras vivem em residências sem banheiro e 17% das meninas de até 19 anos não têm acesso à rede geral de distribuição de água.

Questionadas sobre o porquê elas acreditam que os governos são tão resistentes para aplicar políticas públicas que garantam a saúde da mulher, elas afirmam que é porque as maiores lideranças políticas são homens e continuam num sistema patriarcal. “As políticas públicas são feitas por homens e para homens”, diz Larissa. As pequenas mudanças acerca desse assunto no âmbito político deve-se à “briga de parlamentares mulheres”, afirma Isabela.

“Se fosse um problema masculino, a menstruação não ia ser um problema. Tudo estaria resolvido”, conclui Munique Bassoli.

Dignidade menstrual e a saúde da mulher

A precariedade menstrual é uma questão de saúde pública e de políticas públicas. A ginecologista Bethania Maia, que é especialista em saúde da mulher, explica que “durante a menstruação, a mulher está sim mais suscetível a infecções. O colo do útero está entreaberto e a própria flora se altera mais facilmente”.

Dessa maneira, a falta de acesso aos itens de higiene menstrual podem acarretar infecções, que pode em alguns casos levar à infertilidade, crescimento de bactérias e desregular a flora. Mas, além disso, a médica ressalta que “a pobreza menstrual pode gerar danos emocionais. Como baixa autoestima, vergonha de estar menstruada, sentimento de sujeira durante esse período”.

O cuidado íntimo deve ser feito independente de estar ou não no período menstrual, explica a doutora Bethania. “Possibilita maior conhecimento do corpo, desenvolvimento da sexualidade saudável e da autoestima da mulher”, declara a especialista.

As dicas da ginecologista Bethania Maia para mulheres em situação de pobreza menstrual e vulnerabilidade:

  • Uso de toalhas de tecidos macios, que devem ser trocadas a cada 2-3 horas, bem lavadas e secas;
  • Ir até um posto de saúde público e consultar sempre o ginecologista.
  • Entrar em contato com ONGs e projetos que abordem o tema e distribuam absorventes descartáveis ou ecológicos;
  • Buscar os absorventes nos postos de saúde, caso esteja sendo fornecido.

Um comentário em “Pobreza menstrual é questão de saúde pública

Deixar mensagem para Fabiana Almeida Cancelar resposta