O que guardam as mentes daqueles que, mesmo vivendo nas ruas, não se sentem livres?

Por Malu Oliveira

Eles passam frio, fome e não tem moradia. Sofrem com agressões e discriminações diárias. Aos olhos do preconceito, são invisíveis e atrapalham o desenvolvimento da cidade. Mas para eles, que o tempo todo buscam meios de sobrevivência, todos os dias é uma nova batalha. São histórias por trás de estatísticas e seres pensantes por trás da árdua procura por um lar.

Foto por Jorge Araujo/FotosPublicas

Pessoas em situação de rua presenciam a violência de diversas formas. “Vi muita gente morrer”, afirma Maurício Padovan (50), depois de um ano em vulnerabilidade. Essa realidade pode ser consequência de diversos fatores, entre eles o desemprego, traumas familiares, perda de parentes, e o vício em drogas.

Para quem passa por essa vivência é muito comum ter sua própria identidade perdida. Ao abordar Maurício, ele topou fazer a entrevista, mas acanhado, me disse: “moça, eu não tenho muita história não”. A visão é fruto do preconceito daqueles que não enxergam humanidade nos indivíduos que estão em situação de rua e minimizam suas trajetórias.

Todos tem uma história. Foi o que respondi antes de sentar para conversar com Maurício, que por longos minutos me falou sobre seu passado e presente, e o que antes era timidez, depois da prosa se tornou entusiasmo.

O vendedor de balas explicou que teve seu passado corrompido após ser condenado por um homicídio. Segundo ele, o crime se deu porque matou um homem que violentou sexualmente uma garota. Ele reconhece a gravidade de seu ato, que teve consequências: “fiquei na cadeia por anos”.

Depois de pagar a sua sentença, voltou para casa, mas seu casamento já não era o mesmo. Um trauma familiar o fez largar tudo e ir para as ruas. Como resultado de sua vida cheia de contratempos, ele conta que esteve na cracolândia, passou por um vício e chegou até mesmo a roubar.

Arquivo Pessoal. – Mauricio, sentado no banco da praça.

Na cracolândia, passou por uma dependência química e esse foi o momento que mais o marcou: ele chegou a usar 3 gramas de crack por dia. “Eu era só o osso! Você olhava pra mim e falava: ‘aquele cara tá de lado ou de frente?” Maurício conta que viu homens, mulheres e crianças em um “beco sem saída” e presenciou mortes de culpados e inocentes.

Com toda a violência, percebeu que não era o que ele queria e saiu do mundo das drogas, pois está há meses limpo de seu vício.

Como ele me diz que nunca gostou de pedir dinheiro sem dar nada em troca, agora sobrevive vendendo balas nas praças da cidade, e isso o mantém distraído de seus pensamentos turbulentos. “Você vai deixar uma pedrinha mandar em você?”, reflete após falar de seus erros e desavenças.

Ele tem o desejo de mudar de vida. Ainda esse ano, pretende regularizar seus documentos e, por ora, vai continuar vendendo balas até ter sua carteira assinada. Enquanto sua realidade não muda, emocionado, ele diz: “tô sobrevivendo, né moça? não tenho outra opção”.

Para quem convive com a escassez, a fome deixa de ser apenas por comida. Essas pessoas querem ser vistas e estão famintas por uma pitada de alegria. É comum não olhar fora da bolha de privilégios, mas quando se trata de pessoas reais, antes de fazer um pré-julgamento, é importante sair da zona confortável e considerar a criação do outro.

Histórias e vidas como a de Maurício circulam por aí o tempo todo embaixo dos viadutos, bancos de praças públicas e em cima de caixas de papelão, tentando existir e nutrir seus sonhos – quando ainda os tem. Escute. Enxergue.

A liberdade para pessoas em situação de rua é ambígua; livres nas calçadas, mas presas em suas mentes. As revoluções começam nas ruas, então seja revolucionário.

3 comentários em ““Tô sobrevivendo, né moça? não tenho outra opção”

  1. Matéria importantíssima que traz à tona nossa realidade diária, pulamos moradores de rua sem mesmo pensar que cada um deles tem uma história de vida e o motivo que o levou até ali na maioria das vezes não é justo. Texto riquíssimo para reflexão do nosso papel enquanto cidadãos.

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