Em meio à crise do setor editorial, renasce o comércio de livros fora dos shoppings

Por Carolyna Bazanini

Estantes da Livraria Cabeceira, em São Paulo. Os títulos escolhidos para compor o catálogo são personalizados e se destacam da lista de mais vendidos. (Reprodução: Carolyna Bazanini)

Apesar do fechamento de grandes livrarias nos últimos anos, a exemplo das Livrarias Saraiva e Cultura, o mercado de livros vem crescendo no país. Segundo a Associação Nacional de Livrarias (ANL), por volta de cem lojas foram abertas no Brasil entre abril de 2021 e novembro de 2022, sendo que hoje há cerca de 2.700.

Com isso, mesmo diante dos constantes desafios enfrentados por esse setor, recentemente presenciamos o aumento das livrarias de bairro em contraste com a falência das grandes cadeias.

Com a recuperação judicial dessas lojas, abriu-se uma “janela de oportunidade” para comércios menores, como afirmou Adauto Leva, dono da Livraria Cabeceira. “Eu não estou concorrendo com a Amazon, isso seria inviável e não é a nossa pretensão. Concorro com tempo de entretenimento, com o restaurante ou o teatro que alguém decide ir no fim de semana”, afirma Leva.

Criada por Adauto e a irmã Fabíola Nabuco, em maio de 2022, a loja, localizada no bairro de Vila Romana em São Paulo, está prestes a celebrar seu primeiro aniversário e veio ao mundo visando ser um ponto de encontro entre quem escreve e quem lê.

Fachada da Livraria Cabeceira, em São Paulo. O espaço idealizado por Adauto Leva é um oásis literário localizado na Vila Romana. (Reprodução: Carolyna Bazanini)

Esses espaços, além de vender livros, costumam disponibilizar também um local para debates literários com a promoção de encontros com os autores e palestrantes.

“Estou interessado em vender a vivência. É como comparar um restaurante e uma lanchonete. A Amazon é uma vitrine, ela funciona por logística. Quando você compra em uma livraria de bairro o livro vêm somado com um atendimento individualizado”, explica.

Assim, as livrarias deixam de ser um espaço comercial e apostam na familiaridade e acolhimento dos leitores, dando uma atenção maior ao acervo e focando em proporcionar uma boa experiência aos visitantes.

Para isso, apostam em uma curadoria especial, trazendo livros que estão fora do radar público para um leitor que está disposto a se arriscar e conhecer títulos com os quais não teria contato.

Essa aposta vem surtindo efeito e faz com que esses ambientes cresçam em detrimento da impessoalidade das compras virtuais e em grandes cadeias. “Nós percebemos essa demanda no pós-pandemia. As pessoas passaram a priorizar o contato e as trocas que disponibilizamos. Acredito que isso que seja nosso diferencial, o afeto por trás”.

O plano inicial da Cabeceira era abrir as portas no começo de 2020, mas com o isolamento tiveram que adiar a inauguração, que aconteceu dois anos mais tarde. “O período de pandemia foi muito importante para conseguirmos nos estabilizar e ter um planejamento cuidadoso nesse sentido. Conseguimos estabelecer as prioridades e ao longo desse ano fomos incluindo outros projetos”, explica Adauto.

Uma dessas propostas é a Segunda Leitura, que promove a recompra dos livros vendidos previamente, desde que em perfeito estado, e sua revenda com 40% de desconto, além de fornecer 10% ao cliente na compra de outro título. A ideia é fazer o exemplar circular mais e deixar de ocupar espaço na casa dos leitores.

Além disso, são promovidas diversas palestras com autores e pessoas relacionadas ao setor de forma gratuita e aberta ao público. “Para nosso aniversário estamos inaugurando um Clube de Leitura no mês de maio com o livro Pandora, da Ana Paula Pacheco”. A proposta inicial é torná-lo mensal, contando com a mediação dos autores para a promoção de um debate sobre a obra.

Exemplares do livro Pandora, da autora Ana Paula Pacheco, disponíveis na Livraria Cabeceia. (Reprodução: Carolyna Bazanini)

Esses complementos fazem com que o público fique com uma boa impressão do local e queira voltar a frequentá-lo, angariando cliente filiados que ajudam no mantimento e na expansão dessas livrarias, indicando-as a conhecidos. “É um trabalho contínuo, sempre estamos querendo trazer melhorias, mas temos que saber mesclar ousadia com planejamento”.

Atualmente, o próximo objetivo dos donos é a construção de um café, que pretendem abrir em breve, e, posteriormente, a criação de um site. “Queremos possibilitar o acesso às pessoas de outras cidades, mas ainda estamos pensando em como estruturar isso e em como trazer parte da experiência presencial para o ambiente virtual”.

Hoje, a Cabeceira é um comércio de vizinhança. Cerca de 90% dos clientes são do bairro e 7 em cada 10 chegam a pé, segundo Adauto, e ao longo desse tempo a livraria passou por diversas reestruturações aspirando atingir a maior quantidade de pessoas possíveis.

“Acredito que o principal desafio foi descobrir as preferências do bairro. Tivemos que fazer algumas correções de rota ao longo desse tempo visando atingir a demanda do público. Um exemplo foi a introdução de títulos religiosos ao catálogo”.

A beleza desses comércios é que muitas pessoas entram a passeio com a intenção de folhear alguns livros com pouca pretensão e ao gostarem da estória levam o exemplar para casa, sendo mais um lugar de encontro do que de procura.

Com isso, mesmo diante das dificuldades para a abertura de espaços voltados ao universo literário no país, a volta das livrarias de rua, que estamos observando, é como uma brisa de ar fresco e retoma a esperança de que esse setor possa continuar a crescer e se estabilizar.

3 comentários em “Livrarias retornam às ruas

  1. Adorei muito amiga!! É realmente totalmente diferente comprarmos um livro na internet e em uma livraria física e eu que estou tentando entrar nessa rotina de ler é muito mais gostoso pegar ali o livro na mão, conversar com uma pessoa ao meu lado sobre os livros, etc etc…tá muito incrível amiga, muitos parabéns! ❤

    Curtir

Deixe um comentário