JULIANA ALLEVATO

O sentimento de patriotismo, adormecido por muitos, deixado de lado por outros, pareceu ser trazido de volta no momento em que, de bicicleta, um jogador brasileiro fez um dos gols mais lindos já vistos em copas do mundo. 

O Brasil, ideologicamente dividido nos últimos  anos, novamente se uniu para comemorar os gols da vitória na primeira fase do campeonato, que garantiu uma vaga para as oitavas. Como bem já pontuado  pela literatura brasileira, Nelson Rodrigues chama a esse fenômeno de “pátria das chuteiras”, visto que só o futebol tem essa capacidade de união dos brasileiros. 

Esse resgate da nacionalidade que a copa traz é acompanhado pela tentativa de recuperação da  “amarelinha”, a camiseta verde e amarela oficial da CBF(Confederação Brasileira de Futebol), que foi abandonada por uma parcela da população brasileira.

Isso porque, já em 2013, ela passou a ser usada por manifestantes alinhados à direita, que foram às ruas revogar o Impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Na sequência, atos antidemocráticos, como ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal) e pedidos de intervenção militar, por exemplo, foram usados com a camiseta da CBF. Em 2018, com a ascensão do bolsonarismo, as cores verde e amarela se consolidaram de vez como símbolo desse apoio.

A problemática por trás disso se dá pelo fato de que, quando um símbolo nacional é incorporado  com a finalidade de representar apenas um grupo político, há um esvaziamento da identidade nacional, o que por si só se mostra contraditório, já que sua construção é pensada na aproximação e fortalecimento dos cidadãos. 

De acordo com o sociólogo e professor na rede de ensino Anglo vestibulares, Rene Araújo, “os símbolos são fundamentais nesse processo, pois servem para criar vínculos, formar o grupo e produzir sentimento de pertencimento. Assim, bandeiras, hinos, cores, brasões, ritmos, festas, cantos e etc. contribuem para a formação identitária de um povo”.

Neste ano, a Nike, patrocinadora oficial da copa do mundo, lançou uma campanha com uma mensagem que incentivava os brasileiros a vestirem novamente as cores da seleção:”veste a garra” fazia uma alusão à luta cotidiana das pessoas para atingirem seus objetivos.

O design foi pensado para quebrar o estigma associado ao verde e amarelo que o governo Bolsonaro trouxe, com uma mistura de vários elementos que remetem à brasilidade, como intervenções gráficas da onça-pintada, por exemplo, um símbolo que representa a ferocidade e garra de uma nação, reforçando ainda mais a mensagem que a marca quis passar.

Outra estratégia usada pela Nike em sua campanha foi a representatividade. Para isso, o grupo LGBTQIAP+, cantores de funk e de Rapp, mulheres do esporte, etc, estiveram presentes. 

A presença do rapper Djonga na campanha, inclusive, chamou atenção. Com uma postura ativa em suas redes sociais e shows, Djonga sempre declarou oposição ao presidente Bolsonaro. Sua aparição marca uma nova era na vestimenta. 

Apesar desse movimento, há brasileiros que ainda não se sentem totalmente confortáveis com essa ideia. Para o torcedor Felipe Alves, as cores azul, branco, e mesmo o preto, serão sua escolha deste ano. “Sempre gostei de usar a camiseta verde e amarela nos jogos, mas esse ano ainda não consigo, pelo fato de, infelizmente, estar associado a um governo que não compactuo com nada”.

Já Ananda Lais, que não usava a camiseta verde e amarela desde 2018, esse ano resolveu dar uma chance. Ela conta ainda que houve um receio de sua parte. ” Tive medo de usar, porque tomaram a camisa da nação para fins políticos, os quais eu não faço parte, mas, não achei justo tomarem a bandeira da nação para esse fim, e por isso eu criei coragem para usar”. 

Para Rene, não usar a camiseta verde e amarela é, justamente, entregar esse símbolo nacional à direita. “Entendo que o sequestro dos símbolos nacionais fortalece a extrema direita, e o combate a esse grupo também passa por retomarmos os nossos símbolos”.

Ele ainda complementa que a copa é a oportunidade perfeita para essa recuperação. “A copa é uma oportunidade de retomar um símbolo nacional (a camisa) que foi sequestrado por um grupo. Porque é o momento em que, geralmente, as pessoas utilizavam a amarelinha. Ou seja, é a situação em que tradicionalmente enfeitamos as ruas, estendemos bandeiras e usamos a camisa da seleção”.

Com a derrota do Brasil para a Croácia, nas quartas de final, muitos brasileiros voltaram a se sentirem desmotivados a usarem o verde e amarelo, mas há quem ache que esse movimento deve continuar para que não se corra o risco de uma nova associação política. 

Esse é o caso da Silvana, que diz que pretende continuar usando a camiseta do Brasil. “Mesmo depois da derrota, eu acho que a gente não tem que ter vergonha de usar as cores da nossa bandeira. Ganhando ou perdendo, essa é a hora de recuperar nosso símbolo”.

Rene analisa que a disputa pelos símbolos nacionais deve durar mais tempo: “considero fundamental que esses extremistas não se apropriem desses símbolos, pelo peso e pela participação que eles têm na identidade nacional. É importante tirar esses elementos desses grupos”.

8 comentários em “Com Copa do Mundo, brasileiro volta a querer usar amarelinha?

  1. Texto muito bem elaborado, com reflexões muito pertinentes e oportunas. É importante pontuar – como o fez o artigo – que a paixão nacional pelo futebol pode devolver ao povo brasileiro a amarelinha, como símbolo de unidade de nossa Nação e não instrumento de divisão política.

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  2. O futebol é patrimônio da humanidade e em especial aos brasileiros. Como tudo, sempre está em disputa. Lembrando que tivemos o uso da ditadura militar deste símbolo, contrastando com a seleção de 1982, capitaneada por Dr. Sócrates, que na época liderava um movimento que fez história, como talvez o maior movimento político liderado por jogadores de futebol.
    Parabéns pelo artigo!

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  3. Muito bom o artigo! Concordo com o Rene e com a Suzana. Não podemos deixar que os fanáticos se apossem dos símbolos nacionais que pertencem a todos. Vamos perseverar no uso da amarelinha e desassociar dos loucos extremistas! Parabéns pelo texto, Juliana! 🇧🇷🇧🇷🇧🇷

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  4. Excelente leitura e contextualização. Não é a primeira vez que o futebol, paixão nacional, intervém a favor do espaço democrático. A amarelinha é nossa. O País é nosso: do povo que veste a camisa democrática do Brasil e respeita suas instituições.

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  5. Mesmo com a tristeza de ver a seleção brasileira sendo eliminada tão precocemente do Mundial de futebol, concordo com a matéria, houve o resgate de nosso símbolo e na alegria que foi o mais importante. Parabéns pela matéria.

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