Aos 45 anos, espaço é palco de histórias dos amantes do gênero musical

Por Gustavo Vieira

Em 20 de novembro de 1980, o Armazén Bar foi inaugurado. Quarenta e cinco anos depois, o espaço continua a cultivar a mesma identidade, como revela a foto amarelada do álbum de lembranças de Paulo Penatti, 74, idealizador e fundador do estabelecimento, tirada no final daquela década.

A casa grande, em estilo contemporâneo e telhado de beirais largos, mantém o mesmo endereço, no final da rua Quintino Bocaiúva.  Virou ponto de encontro para aqueles que têm o rock como paixão comum. Na fotografia antiga, os muros da casa estão pichados com nomes das bandas locais que expressaram suas congratulações ao bar no seu aniversário daquele ano. Voodoo, Super Liga Kathólica, e 48 Horas são alguns dos conjuntos pintados junto ao “Parabéns, Arma!”, escrito no centro da fachada.

Fachada do Armazén no final dos anos 1980 / Foto: Arquivo pessoal

Ao longo de quase cinco décadas, o bar conquistou a cena do rock bauruense. Juntamente à música, o lugar se tornou um espaço de convivência singular para seus frequentadores. Duas gerações já passaram pelo Armazén. Agora, elas abrem o caminho para uma nova, e o local de roqueiros não se dá por antiquado.

Encontro de gerações

Catarina Zanott, 19, é a terceira geração de sua família a frequentar o Armazén. Seus pais e avós vão ao bar desde os anos 1980 e lhe passaram a tradição. A primeira vez que visitou o local,  relembra, foi aos treze anos, com uma condição: não beber nada escondido. 

Naquela noite tocava a High Voltage, banda cover de AC/DC. A jovem diz que o modo como o som reverberava nas paredes pretas esfumaçadas do bar, enquanto estava ao pé do palco ouvindo as guitarras distorcidas, foi o que a fisgou para ser uma cliente assídua. Nunca mais deixou de ir.

Nas palavras de Zanott, foi no “Arma” onde ela aprendeu a “virar gente”. Com sua infância e adolescência lá vividas, a jovem revela que o estabelecimento teve papel formador na sua personalidade. “O Armazén me deu a minha cultura. Aqui é praticamente minha casa, minha segunda família, foi aqui que descobri como lidar com as pessoas, com ideias”, ela diz. 

Já o engenheiro Luís Hunzecher, 32, conta que quase todo fim de semana vai ao local, sem saber a agenda da noite, apenas com o intuito de jogar fora os problemas do dia-a-dia nas mesas rústicas do estabelecimento. O bar é o lugar que Luís vai para, como ele diz, “olhar as pessoas e viver um pouco”. 

Aos 24 anos, Hunzecher conheceu o Armazén quando foi prestigiar o show da banda Audio Hearts, em que um amigo é baterista. Ele rememora que o bar estava cheio, os presentes sabiam as músicas de cor e destaca como sentiu o ambiente aconchegante e acolhedor, sensação que ainda perdura. Ao refletir anos depois, Luís diz que o bar é onde as pessoas se transformam. 

“Acho que aqui as pessoas se mostram de verdade. Esse amigo era o cara da área de qualidade da empresa, eu do planejamento. Ver a pessoa que está com você todos os dias fazendo outra coisa, tocando, dando show, se divertindo, é algo muito especial” , afirma. 

Sidney Iapichini tem 51 anos.  Aos 16, foi ao Armazén pela primeira vez. Na época, era guitarrista de uma banda de garagem que mantinha com amigos do bairro. Em uma tarde depois do ensaio, em frente à casa do vocalista, foram abordados por um homem que perguntou: “vocês sabem onde é que tem uma banda por aqui?”. Os quatro jovens se olharam e responderam: “a gente é uma banda”, relembra.  

O homem era funcionário do Armazén. A banda Voodoo iria tocar naquela noite, mas cancelou o show de última hora. Paulo, dono do bar, morava perto do local de ensaio dos garotos e os ouvia tocar. Pediu ao seu funcionário que fosse até o bairro, procurá-los e convidá-los para tocar nesse mesmo dia. “Era o sonho de consumo de qualquer banda na época”, conta Iapichini.

Hoje, Sidney trabalha como luthier e guitarrista. Sua paixão pela música passa pelo estabelecimento, ele diz. Ao longo dos 35 anos desde sua primeira ida, nunca perdeu o hábito de frequentar. Agora ele vai acompanhado dos filhos Rafael, 22, e Manuela, 18, que partilham do gosto do pai pelo espaço e pela música. 

Para Catarina, o bar se renova organicamente. O estabelecimento retém as pessoas de modo com que elas sempre o frequentem, e compartilhem o costume com  aqueles que vêm mais tarde, como os filhos, no caso de Sidney. “É comum ver o filho de um cara que toca aqui desde 1980 tocando em uma banda em 2025. É algo que naturalmente acontece”, diz. 

O lugar também se adapta aos estilos de rock que surgem, o que atrai o público mais jovem, observa Luís. Há finais de semana em que na sexta-feira toca rock oitentista, e no sábado é a vez de banda cover de System Of a Down e músicas do estilo dos anos 2000, fazendo a casa lotar de dois nichos diferentes. “Um dia está cheio de ‘velhos’ e no outro só tem ‘crianças’”, ele comenta, bem humorado.

O papel da juventude

O público universitário foi essencial para a construção do tradicional bar de rock. Paulo Penatti conta que a escolha da casa foi estrategicamente pensada, pois, nos anos 80, a região da rua Quintino Bocaiúva era repleta de repúblicas estudantis. “O local era perfeito”,  afirma.

No começo do negócio, Penatti divulgava o espaço nos diretórios acadêmicos das universidades bauruenses. O boca a boca deu resultado. O estabelecimento rapidamente passou de ser frequentado apenas por amigos para um novo público que partilhava os sentimentos de rebeldia e inconformismo.

Na edição de 1 de dezembro de 1989 do Jornal da Cidade de Bauru, em reportagem sobre o lugar, os integrantes da banda 48 Horas afirmam que o Armazén “foi o primeiro bar a valorizar a moçada”. Ainda no texto, o jornal descreve o Templo do Rock bauruense como polêmico, revolucionário e albergue de uma juventude irreverente e marginal.

A reportagem, em escrita informal com direito a gírias de “bicho grilo”, ganhou o título “Silencia a Praça do Armazén”. Naquele momento, o dono do bar estava certo de fechar o estabelecimento. Houve forte mobilização dos músicos, clientes e abaixo-assinado contra a decisão. 

No mesmo dia da publicação, Paulo relembra que a casa lotou de modo que teve que voltar atrás. “Deu no que deu”, diz. O bar continua ativo após quarenta e cinco anos sem abrir mão de sua identidade, agora como patrimônio cultural do município, com a presença do velho e do novo público.

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