Cursinhos populares buscam tornar o ensino superior mais acessível para estudantes de escola pública
Por Maria Eduarda Almeida
O universitário Lorenzo dos Santos vive, hoje, o trajeto que Eduarda Leme, 18 anos, sonha em seguir. Apesar de não se conhecerem, compartilham de histórias parecidas. Lorenzo concluiu o ensino médio no ano passado, na rede pública de Bauru. Eduarda se formará esse ano, na rede de Iacanga. Lorenzo sonhava com a aprovação em jornalismo em uma universidade pública e, em 2025, completa seu primeiro ano na Unesp (Universidade Estadual Paulista). Eduarda almeja cursar medicina, também gratuitamente, e, todas as noites, viaja 50 quilômetros até a USP (Universidade de São Paulo), campus de Bauru, para aprender com os professores voluntários do Sapiens. Lorenzo foi aluno do cursinho Ferradura, na Unesp, em 2024.
Ainda que em pontos diferentes da trajetória, ambos concordam que a frequência em um cursinho popular foi um divisor de águas para suas expectativas de acesso à universidade pública.
Democratização do ingresso
As instituições de ensino superior público estão há duas décadas implantando ações afirmativas com o objetivo de transformar o perfil de acesso à universidade. Em 2003, a UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) tornou-se pioneira na implementação de cotas de recorte socioeconômico e racial.
Em 2012, a Lei nº 14.723 sancionou a obrigatoriedade da reserva de 50% das vagas de instituições federais de ensino superior para estudantes pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio ou fundamental em escola pública. A alteração mais recente da lei afirma que o candidato que preencher algum dos requisitos concorrerá também às vagas do sistema universal.
De acordo com informações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), cerca de 1,1 milhão de estudantes ingressaram no ensino superior através desta lei na primeira década de sua efetivação, de 2012 a 2021. Apesar do enorme avanço, o vestibular ainda é, para muitos estudantes da rede pública, um obstáculo na conquista do espaço no ensino superior.
Ao reconhecer os percalços do ingresso no ensino superior público, a USP e a UNESP Bauru oferecem gratuitamente os preparatórios de vestibular. São projetos de extensão abertos à comunidade.
“Tem muitos cursinhos da UNESP, eles são um braço importante da universidade, até porque são uma porta de entrada para as pessoas. Mas, além disso, é uma relação da universidade com a comunidade de Bauru. Então, a gente cria uma conexão muito maior”, afirma a professora Priscila Leonel, coordenadora docente do preparatório Principia.
Cada uma das três faculdades do campus da Unesp Bauru mantém um cursinho: o Principia, da FAAC(Faculdade de Arquitetura, Artes Visuais, Comunicação e Design); Ferradura, da FC(Faculdade de Ciências) e Primeiro de Maio, da FEB(Faculdade de Engenharia).
De aluno a professor
Ex-aluno do Ferradura, Lorenzo dos Santos, é, atualmente, professor de inglês do cursinho. Em entrevista, relatou que sua aprovação no vestibular e até mesmo a escolha do curso de graduação foram influenciadas pelas aulas e contato com o ambiente universitário.
“ Essas conversas que nós tínhamos com os professores a respeito das nossas possibilidades foram cruciais para definir o que nós queremos e como alcançar.”
Camila Souza, coordenadora pedagógica do Principia, explica que os professores voluntários têm como objetivo desmistificar a universidade para os vestibulandos:
“No cursinho, não estamos aqui só para fazer com que os estudantes passem no vestibular. A gente quer capacitar eles a ocupar o espaço acadêmico e demonstrar como é importante eles, alunos de escola pública, ocuparem a universidade pública”.
A vice-diretora da FAAC, Tarcila Lima, define o cursinho como uma ferramenta de democratização da universidade. Ela estima que 5 a 10% de unespianos sejam provenientes do Principia.
O Ministério da Educação (MEC) reconhece a importância desse tipo de iniciativa, por isso criou a Rede Nacional de Cursinhos Populares (CPOP). O projeto tem como objetivo dar suporte técnico e financeiro aos pré-vestibulares comunitários. No último ano, 384 cursinhos foram beneficiados com bolsas, incluindo o Principia que, com este investimento, pôde reformar sua sede e comprar novos materiais pedagógicos.
Os preparatórios populares de Bauru dão preferência a estudantes da rede pública ou bolsistas em escolas privadas, por compreender a inviabilidade de frequentar aulas pagas. Atualmente, os quatro cursinhos somam mais de 200 alunos, com aulas nos períodos vespertino e noturno, de segunda a sexta.
Eduarda Leme, estudante do Sapiens, explica a sensação de interagir com pessoas de seu curso dos sonhos:
“Só de estar aqui já é uma motivação e tanto pra continuar, é muito mágico ter eles, estudantes de medicina, dando aula pra mim. É um contato muito horizontal, faz a gente sentir que é possível”.
A aluna também relata melhora na escola desde que começou a frequentar às aulas e se sente mais confiante para encarar os vestibulares.
“Como a escola não dá conta de ensinar todos os conteúdos, aqui tem sido uma mão na roda, porque é tudo muito mais rápido. Se eu não entender, eu pergunto ou pesquiso. Coisas que eram impossíveis de fazer, agora com dificuldade eu já consigo.”
O efeito do voluntariado
Os alunos aprendem o conteúdo do vestibular, mas ter a experiência de estar do outro lado da sala de aula também gera muito aprendizado para os universitários.
“Foi uma transformação de vida poder contribuir com o ensino público de Bauru e mostrar para ele novos caminhos, porque muitas vezes os nossos sonhos são limitados por não sabermos todas as possibilidades que existem”, conta Ana Júlia Magalhães, estudante do quarto ano de medicina na USP e coordenadora discente do Sapiens.
Além de coordenadora do Principia, Camila Souza está no último ano de licenciatura em Artes Visuais. Ela destaca a importância do projeto para sua trajetória:
“Quando eu falo sobre a importância deles ocuparem a faculdade, lembro da importância da minha ocupação. É lindo ver onde eu já estive através deles e valorizar onde estou agora, também por causa deles”.
