Buracos e desníveis fazem parte da paisagem urbana e colocam pedestres em risco.

Por Ana Julia de Souza

Às 20 horas de uma quinta-feira, na rua Marcia Andalo Mendes de Carvalho, no bairro Jardim Rosa Branca, Alexandre Chicalle Filho, 75 anos, caminhava para sua casa.  Quando menos esperava, tropeçou por causa de uma  calçada quebrada. O tombo lhe rendeu horas de observação no hospital e um alerta sobre como o simples ato de caminhar pode ser perigoso em Bauru: buracos, desníveis e calçadas tomadas por obstáculos fazem parte da paisagem urbana e colocam em risco quem depende dos próprios passos para se locomover. 

Os exemplos se multiplicam, como na quadra  11 da rua Dr. José Ranieri, no Jardim Maramba, onde há calçadas inclinadas,  rachaduras e pedras soltas. Já na região da Vila Falcão, há quarteirões onde a calçada  sequer existe: os moradores caminham pelo acostamento, dividindo espaço com bicicletas, motos e carros.

A situação da rua Dr. José Ranieri reforça a dificuldade de mobilidade a pé (Foto: Ana Julia de Souza)

Uma comerciante de 60 anos, que preferiu não se identificar, relata a dificuldade de caminhar na quadra 19 da avenida Nações Unidas. “Você fica desviando, se não desviar, cai dentro do buraco”, diz. O improviso dos pedestres em trajetos pela rua aumenta os riscos de acidentes,  especialmente de idosos e pessoas com deficiência. Alexandre relata que a falta de manutenção o faz se sentir inseguro a ponto de, em diversas ocasiões, ter evitado sair de casa.

Uma cidade feita para carros

O Plano de Mobilidade Urbana de Bauru, aprovado em 2019, prevê diretrizes para pedestres e ciclistas, mas não estabelece critérios claros  de reforma, manutenção ou padronização das calçadas. 

O Plano estabelece que “toda intervenção urbana deve priorizar a circulação segura de pedestres e ciclistas, garantindo infraestrutura adequada e contínua para esses modais”. O documento reforça a importância de integrar políticas de transporte, uso do solo e acessibilidade, além de indicar que órgãos públicos devem atuar de forma coordenada para efetivar essas diretrizes. Entre os objetivos estão a criação de rotas seguras, a padronização de calçadas e rampas, e a promoção da mobilidade ativa como prioridade no planejamento urbano.

Na prática, a implementação do plano esbarra em lacunas de fiscalização e manutenção. Trechos de calçadas seguem irregulares ou simplesmente inexistem, e a responsabilidade muitas vezes recai sobre os proprietários dos imóveis, sem acompanhamento sistemático do poder público. Alexandre, que já sofreu uma queda na Rua Márcia Andalo, relata que improvisar caminhos pelo asfalto tornou-se rotina, evidenciando a distância entre o planejamento previsto no documento e a mobilidade segura exigida no dia a dia da população.

O urbanista e professor da UNESP Estevam Otero diz que um dos problemas enfrentados em Bauru é a falta de um modelo urbano voltado aos pedestres e não automóveis. Desde o século XX, a cidade foi construída pensando na circulação sobre rodas. A alternativa, segundo o docente, seria realizar uma nova articulação na infraestrutura que diminua as distâncias, ocupar e adensar áreas centrais. Além de viabilizar  uma cidade onde  a lógica de mobilidade seja centrada nos deslocamentos a pé e nas bicicletas.

A infraestrutura da cidade, pensada para o deslocamento de carros,  gera maior consumo de combustível, o que contribui para problemas ambientais, aumento da poluição, emissão de gases do efeito estufa.  

O improviso de pedestres em trajetos pela rua aumenta os riscos de acidentes (Foto: Ana Julia de Souza)

Já existem cidades no cenário internacional, que adotam metodologias mais consolidadas de desenvolvimento urbano, como o Desenvolvimento Orientado ao Transporte (DOT). No Brasil, esse modelo ainda é raro em municípios de porte médio como Bauru, mas Curitiba aparece como exemplo bem-sucedido por ter planejado sua expansão a partir do transporte coletivo desde meados do século XX. Para o urbanista Estevam, cidades que não passaram por esse processo tendem a consolidar trajetórias de mobilidade cada vez piores. “Seguindo nessa toada, o que a gente vai ter num futuro a médio prazo é uma cidade muito pior em termos de mobilidade”, afirma.

Criado  para acompanhar, discutir e propor diretrizes para o transporte e a circulação na cidade, o Conselho Municipal de Mobilidade (CMM) reúne representantes do poder público e da sociedade civil em composição paritária. O órgão funciona como um espaço de diálogo permanente sobre problemas e possíveis soluções para a mobilidade urbana de Bauru, tanto no transporte coletivo quanto na mobilidade ativa, que envolve pedestres e ciclistas. O conselho atua como instância de participação social, recebendo demandas e encaminhando recomendações a secretarias e gestores. Reúne representantes do poder público e da sociedade civil, mas atua apenas como órgão consultivo. Mesmo assim, recebe reclamações constantes: falta de manutenção, desníveis, postes e vegetação no meio das calçadas, além da ocupação irregular por mesas, cadeiras ou materiais de obra. 

Sem um mapeamento completo dos pontos críticos e sem levantamentos recentes da Prefeitura, o conselho trabalha com registros pontuais de moradores e observações dos próprios membros. As normas da Secretaria de Planejamento (SEPLAN) orientam apenas novas obras — na avaliação da secretária de infraestrutura Pérola Zanotto, o município não possui um programa estruturado para fiscalizar ou adequar a infraestrutura antiga.

O CMM mantém diálogo com os Conselhos do Idoso e da Pessoa com Deficiência, mas a avaliação é de que a cidade ainda não compreendeu que mobilidade deve priorizar a escala humana. “A mobilidade só avança quando os moradores participam de audiências e conselhos, levando suas demandas”, resume o presidente do conselho, Erik Mulato.

Segundo Mulato, as calçadas em Bauru são apenas mal conservadas, mas mal construídas, o que torna o trajeto inacessível para quem tem mobilidade reduzida.

Investimentos

Segundo a Secretaria de Infraestrutura (SEINFRA), cerca de R$6 milhões foram destinados à construção de calçadas e rampas de acessibilidade, resultando em 24 mil metros de novas calçadas e mil rampas pela cidade. Mesmo assim, a secretária Pérola Zanotto admite que cerca de 40 bairros ainda carecem de acessibilidade adequada.

A gestão atribui parte do problema à legislação que responsabiliza os proprietários pela construção e manutenção das calçadas. O engenheiro e coordenador de fiscalização Bruno Minozzi afirma que o município notifica e multa trechos irregulares, mas que a equipe atual da antiga Secretaria de Planejamento (SEPLAN) não consegue atender toda a demanda.

As rotas acessíveis definidas nos últimos anos foram firmadas junto ao Ministério Público, priorizando escolas, unidades de saúde e eixos como a avenida Duque de Caxias, avenida Getúlio Vargas, área central e a avenida Rosa Malandrino Mondelli. Pérola cita ainda adaptações em prédios públicos e a ampliação do transporte para pessoas com mobilidade reduzida.

Sobre um novo plano de mobilidade, a secretária afirma não ter informações. Segundo o presidente do CMM, o órgão desconhece iniciativas recentes voltadas à melhoria da mobilidade urbana. Pérola acrescenta que o Plano Diretor do município está em revisão e deve voltar a tratar do tema.

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