Criada em 1995, a veracidade da urna eletrônica virou um dos maiores alvos de desinformação por partidos políticos e grupos extremistas, desde sua criação, e se intensifica a cada eleição.

Por Isabella Santana da Silva

O artigo 19 da Lei nº 9.100/1995 dispõe que o sistema eletrônico das urnas assegura o sigilo do voto e a sua inviolabilidade. No entanto, 30 anos depois da mudança para a contagem automatizada, a credibilidade e a segurança do aparelho ainda é foco de questionamentos e suposições.

Nas últimas eleições gerais, grupos e partidos políticos de extrema direita utilizaram essa desconfiança dos brasileiros para compartilhar desinformações e criar discursos conspiratórios em meios de comunicação online, como o Whatsapp.

Segundo o professor do curso de graduação de Direito da Unesp de Franca e coordenador do programa de pós-graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas, Agnaldo de Sousa Barbosa, esse fenômeno tem um porquê.

“Esse grupo político considera que as forças econômicas-políticas são hegemônicas. Para eles, criaram esse sistema eleitoral, contra eles, e não têm materialidade na apuração dos votos. Nessa perspectiva, tem muito menos a ver com as urnas e muito mais com uma busca pela desinformação”, diz.

Agnaldo de Sousa Barbosa (Foto: acervo pessoal)

De acordo com dados levantados para esta reportagem, de 16 participantes, 81,3% já ouviram falar algo ruim sobre as urnas eletrônicas. Nas respostas obtidas, por escrito, sobre o que escutaram, os discursos se encontravam quase sempre em “dizem ser facilmente manipulável e fraudulenta”.

Dentre eles, 18,8% não confiam que ela seja realmente eficiente e cerca de 25% preferem a volta do voto impresso por considerarem mais seguro.

Gráfico 1 – Impressões sobre a precisão sobre a urna eletrônica
Gráfico 2 – Confiabilidade na urna
Gráfico 3 – Preferência no método de contagem

No entanto, a adoção do sistema com o aparelho eletrônico veio como uma resposta às constantes fraudes eleitorais com o voto no papel.

CRIAÇÃO DA URNA ELETRÔNICA

Nos primeiros anos da República não havia cédula oficial. As formas de votação na época eram principalmente depositar algum papel com o nome do candidato, em uma urna de madeira, ou declarar sua escolha em voz alta, sem qualquer discrição. Em 1932, com a criação da Justiça Eleitoral, o sigilo foi definido. Outros avanços também foram marcados na criação do Código Eleitoral, como o voto feminino e a previsão da utilização de máquinas na contagem de votos.

A estimativa das máquinas na contagem foi mais demorada de ser realizada do que as outras pela dificuldade de encontrar um aparelho acessível e resistente, que fosse facilmente transportável para regiões distantes e que assegurasse o sigilo do voto. Porém, as fraudes recorrentes com o voto impresso, como urna grávida ou emprenhada, voto formiguinha e mapismo, aceleraram esse processo.

Segundo o professor do Programa de Mestrado em Direito da Sociedade da Informação e do Curso de Graduação em Direito da FMU-SP, Irineu Francisco Barreto Junior, a demora também era um problema constante.

“Havia uma quantidade muito grande de fraudes, não só na apuração. Votos falsos, votos desviados, urnas que eram anuladas. Sumia um voto, tinha que anular uma urna. Com isso, o sistema eletrônico veio para dar celeridade. Em poucas horas temos um resultado, além de dar segurança ao processo eleitoral”, afirma.

Irineu Francisco Barreto Junior (Foto: acervo pessoal)

Resultado de uma colaboração entre um grupo de especialistas em Informática, Eletrônica e Comunicações da Justiça Eleitoral, as Forças Armadas, o Ministério da Ciência e Tecnologia e do Ministério das Comunicações, as urnas eletrônicas foram inseridas pela primeira vez na eleição de 1996. Cerca de 57 cidades no país usaram o aparelho inédito.

No ano 2000, tornou-se oficialmente utilizada no Brasil inteiro.

DESINFORMAÇÃO E HIPERPARTIDARISMO

“Não querem informatizar as apurações. Sabe o que vai acontecer? Os militares terão 30 mil votos, e só serão computados 3.000”, defendeu Jair Messias Bolsonaro em um evento de militares, no ano de 1993, o argumento de que as urnas eletrônicas seriam mais precisas.

Em julho de 2021, Jair Bolsonaro fez uma live questionando a veracidade das urnas eletrônicas. Propôs a volta do sistema impresso e afirmou que se fosse derrotado na Câmara dos Deputados nunca mais tocaria no assunto. Entretanto, mesmo perdendo, voltou a falar sobre isso.

Segundo um levantamento feito pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), entre 2019 a 2022, Jair Bolsonaro fez 183 afirmações falsas sobre as urnas, cerca de uma a cada oito dias de governo.

Durante as eleições de 2018, um vídeo circulava pela internet sobre a urna eletrônica. Nele, o eleitor teclava o 1 e automaticamente aparecia o 3, supostamente beneficiando o candidato Fernando Haddad, do PT.

Entretanto, segundo investigações da Polícia federal, a urna em questão estava com um problema físico em um dos botões, e não na parte do software. Ela também completava automaticamente o 3 em várias situações, não apenas depois de apertar o número 1.

No entanto, com a velocidade da disseminação de informações, muitas pessoas acreditaram que a falácia de urna adulterada era real, principalmente quando Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, compartilhou o vídeo em suas redes.

“Não são meras mentiras. É uma estratégia de comunicação política bastante sofisticada. Planejada desde a sua gênese, impulsionada a partir de uma cadeia de comandos, até que depois ela começa a se espalhar de forma orgânica”, afirma o professor Irineu Barreto.

O termo desinformação refere-se a tentativas de confundir ou manipular pessoas por meio de transmissão de informações desonestas. Ela usa do que está acontecendo para criar narrativas enganosas.

Segundo o professor Agnaldo de Sousa Barbosa, o algoritmo ajuda na propagação da desinformação nas redes sociais por divulgar o que tem mais engajamento, que muita das vezes são conteúdos sensacionalistas.

“Numa sociedade capitalista onde o consumo determina as formas de apropriação dos bens disponíveis é segregadora, não seria o algoritmo que não seria segregador. A intenção do algoritmo é aumentar o número de visualizações e o número de visualização é que vai se projetar nos investimentos de propaganda, marketing e publicidade’, afirma Agnaldo.

GRANDE MÍDIA E INTERNET

A formação de jornalistas tem como dever a divulgação da informação correta, devendo ser cumprido independentemente de sua linha política. Entretanto, com a facilidade de divulgação oferecida pelas redes sociais, não-jornalistas e notícias hiperpartidarias são divulgadas sem a necessidade de comprometimento com a verdade.

“Em uma das leituras de Karl Marx ele afirma que a imprensa é a porta-voz da classe dominante, que é a burguesia. Só que na época de Marx, informação era algo que só podia ser acessado por grupos muito específicos, porque ela era muito cara. Hoje cada indivíduo tem uma redação no seu bolso, que é um celular”, afirma o professor Agnaldo.

Com novas formas de divulgar informações, e consequentemente desinformações, grandes jornais começaram a criar agências de checagem. Desde Aos Fatos até Sleeping Giants Brasil, as agências servem para checar e desmentir fake news que são amplamente divulgadas.

Para Barreto, além de desmistificar, elas também vieram para defesa própria.

“A empresa profissional precisa da sua reputação. Quando tudo é desinformação, ela também perde. Quando a grande imprensa se levanta contra a desinformação, é mais uma estratégia de negócios do que política mesmo”, explica Barreto.

Em tempos eleitorais, as agências de checagem trabalham em dobro. O desejo pelo retrocesso e adoção do voto impresso por partidos de extrema direita resulta em desinformação, para convencer mais eleitores.

“A questão das urnas eletrônicas vai muito além da própria urna em si, ela está dentro de valores de contestação. Daquilo que foi política e do que vem sendo a política democrática. Quando a gente olha para essa para essa negação da validade das urnas, é uma negação da própria ideia do coletivo, da construção conjunta de valores”, diz Barbosa.

ALTERNATIVAS E SOLUÇÕES

As urnas eletrônicas são, hoje em dia, o sistema mais confiável para as necessidades do Brasil.

Testes e verificações são feitas pelo Tribunal Superior Eleitoral, antes das eleições chegarem. Entretanto, os esforços de provar a credibilidade não desmistificam a ideia de que a urna eletrônica é fraudulenta para a população.

Para Agnaldo, só existem duas formas de mudar a visão dos brasileiros.

“Existem duas maneiras. Uma maneira pela violência política, pela força. E outra de resultado a longo prazo, que é educação. Não existe outro meio senão ganhando novamente a confiança pelo conhecimento, pela informação. Porque outra forma de se conseguir isso é pela força. E quem está do lado da política da força? O autoritarismo e o fascismo”, finaliza.

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