Uma discussão sobre o acesso precoce das crianças nas redes sociais e suas consequências.

Por Maria Luisa Hardt

A tecnologia mudou a forma com que a sociedade age em relação à comunicação nos meios sociais e nas perspectivas pessoais, também influenciando positivamente na praticidade que as pessoas têm para poderem se comunicar e obter informações. Já as crianças foram impactadas com uma tecnologia que interfere diretamente no desenvolvimento cognitivo e social, apresentando consequências para um crescimento saudável.

Os conteúdos consumidos na infância podem ter diversas abordagens quando apresentados para as crianças, e as consequências podem prejudicar o processo de educação e crescimento pessoal. As telas podem ser vantajosas, pois elas ajudam na conexão, a conversar com quem está distante e no âmbito infantil, podem apresentar alguns desenhos e jogos educativos para consumo das crianças, porém elas excedem a capacidade de representação dos indivíduos,  as mídias trazem uma sensação de bombardeamento pela quantidade de informações e isso pode cair na esfera do traumático, explica a psicóloga Ariela Lanfranchi.

A psicóloga, formada em psicologia pela Unesp (Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho”), com mestrado em psicologia do desenvolvimento, fundamenta suas perspectivas em relação à problemática: “As telas afetam o desenvolvimento das crianças pensando que é um ambiente que não gera frustração. A criança nasce de um núcleo familiar e nos primeiros momentos da vida o contato é maior com a mãe ou com esse cuidador principal. E depois vai ampliando para família, para escola, para amigos, e assim vai se introduzindo a diferença, a frustração, o ‘não’ no desenvolvimento que é tão importante. O que acontece nas telas é que não tem isso.”

Ariela Lanfranchi | Foto: Arquivo pessoal

Ariela explica que atualmente as crianças consomem mais vídeos no Youtube, no TikTok e no Instagram e essa mudança para conteúdos mais acelerados gera ansiedade nos jovens. Já que antigamente os programas de televisão eram mais lentos, com uma diferença de ritmo comparado com os de hoje em dia. Essa diferença pode afetar o desenvolvimento da paciência e tolerância no foco, pois o uso excessivo das telas substituiu atividades e brincadeiras que traziam um olhar que observava o tempo das coisas, agregando a tolerância em relação às diferenças do outro.

O uso de telas na infância pode ter diversas consequências no desenvolvimento cognitivo para os menores de idade. “Patologias como ansiedade, pânico, depressão, porque ela não consegue simbolizar questões psicossomáticas do narcisismo, que é essa questão de se enxergar no outro. A falta de frustração pelos vídeos que acontecem um depois do outro e a questão da tela azul, que impacta no sono, então desde a infância a criança já pode vir a ter uma questão com insônia por estar o tempo todo na tela, ela para de ter uma regulação interna própria e isso fica em função da tela”, relata a especialista.

De acordo com a psicóloga, as recomendações para o uso de tela é que haja pausa entre os conteúdos e a presença de um adulto que vai conversar com a criança sobre esse consumo. É necessário que o adulto e outras crianças participem dialogando sobre o que foi aquilo que se viu, ter essa troca com alguém que esteja ali fiscalizando o uso. Isso é importante, para que a criança varie entre conteúdos rápidos e mais tranquilos, mas também que ela possa ler, brincar na natureza, brincar com os amigos, mexer com coisas na cozinha, é o equilíbrio entre a tela e a vida real.

Como orientação, ela complementa: “Quanto mais novo, menor o tempo de tela. O ideal é que a criança passe a ter um contato com a tela depois dos 3 anos de idade, mas vir a ter rede social própria, a gente fala ali depois de uns 16 anos, até lá o uso de redes sociais pode ser muito nocivo.”

Vinicius Longue, psicólogo clínico e terapeuta cognitivo comportamental, introduz uma nova perspectiva para o problema, reforçando o caráter dos conteúdos apresentados. “O tempo de tela é algo muito importante, mas a gente precisa associar a outro critério, tempo e qualidade de conteúdo. Então se a gente pensar em recomendações, uma avaliação de um responsável, de um cuidador sobre o conteúdo, porque a gama de conteúdos está perigosíssima. Tem conteúdos que realmente não só atrapalham o desenvolvimento, como também fornecem noções irreais de emoções, sentimentos e sensações. Então, a curadoria desse conteúdo é algo fundamental”, esclarece Vinicius.

Vinicius Longue | Foto: Arquivo pessoal

O profissional informa que existem muitas chances da criança criar um vício em telas, por ainda estar desenvolvendo a capacidade de lidar com frustração, de lidar com limites. “As telas e a tecnologia são um aliado e tanto, não são os nossos inimigos, mas são desenhados para reter. São desenhados com muitas cores, com muitos estímulos, o que ativa sistema dopaminérgico, o sistema de recompensa do nosso sistema límbico e o que é ainda mais difícil, ou seja, o uso da tela influencia num vício químico, numa produção química do nosso corpo que tanto o adulto, mas principalmente a criança pode sim se viciar se não tiver um uso moderado e controlado”, acrescenta.

Segundo o psicólogo, alguns conteúdos são feitos priorizando a retenção da atenção dos jovens do que em uma narrativa em si, são conteúdos rápidos que não demandam um raciocínio complexo. Portanto, os meios de entretenimento atuais tendem a oferecer menos proximidade com a realidade, já que a vida real não funciona da forma em que aparece nos programas, com essa velocidade e cores vibrantes, e isso fornece uma noção de vida distorcida e perigosa para o desenvolvimento infantil.

As telas oferecem uma relação deturpada com a paciência e a atenção devido ao sistema de recompensa que elas trazem, apresentando consequências no crescimento. Vinicius informa alguns sinais que as crianças podem apresentar quando a relação com esses conteúdos está sendo prejudicial: “Atrasos de linguagem, atrasos de expressões, aí é sempre recomendado levar para um profissional avaliar. Mas no geral, o que a gente pode notar no dia a dia é irritabilidade, é o foco, a atenção e uma ideia de que as coisas não são boas, nada é agradável.”

Em contrapartida o psicólogo argumenta: “Existem sim conteúdos novos sendo feitos de uma forma muito criativa, de uma forma muito construtiva e que agregam, mas como tudo que é feito em grande escala, tem muita coisa boa e muita coisa ruim, então é necessário olhar com muita calma.”

Como recomendação para os pais, Ariela e Vinicius enfatizam a importância da mediação dos responsáveis no contato das crianças com as telas. É importante verificar os tipos de conteúdos consumidos, analisando o ritmo e a linguagem, priorizando narrativas mais calmas e reflexivas, em prol do desenvolvimento da inteligência emocional na infância . “A mediação simbólica e imagética é algo fundamental”, encerra Vinicius.

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