Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero e jornalista da comunidade LGBTQIA+, falam sobre as lacunas existentes nas políticas públicas das cidades interioranas. 

Por: Maria Eduarda Lopes

Em outubro, a 4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, ocorreu na cidade de Brasília, reunindo cerca de 1.500 participantes.  A conferência reuniu o poder público e a sociedade civil para discutir e avaliar as ações governamentais, especialmente após um longo período sem eventos dessa magnitude. O evento buscou definir as diretrizes para políticas públicas de enfrentamento à violência, promoção da cidadania e institucionalização dos direitos dessa comunidade no país.

Embora celebrado como um avanço político e simbólico, existe uma lacuna entre o debate social realizado na conferência e a realidade vivida no país. Nas cidades do interior paulista a estrutura institucional se mostra frágil e as pautas de diversidade raramente alcançam uma prioridade na política.

Conforme divulgado  pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística), o percentual de municípios sem estrutura específica para gerir políticas na área de direitos humanos aumentou de 55,4% em 2019 para 65,9% em 2023. Esse número confirma a carência que existe nos municípios do interior ao garantir os direitos que estão previstos pela Constituição de maneira eficaz.

Este cenário se mostra presente em cidades do Centro-Oeste Paulista, como Jaú.  Embora não haja um órgão público municipal exclusivo e específico, como uma secretaria ou conselho municipal voltado apenas para a comunidade LGBTQIA+, a Prefeitura de Jaú, por meio da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, realiza ações e palestras relacionadas à diversidade sexual e direitos humanos. Muitas vezes, essas ações são realizadas em parceria com a OAB, com a sua Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero, sendo esses os únicos meios que garantem e discutem pautas de diversidade no município, a nível público. 

Em entrevista,  Aline Virginia Camargo, advogada e Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-Jaú, relata sobre as dificuldades da aplicação das políticas públicas nessa localidade.

Aline Virginia Camargo (Foto: Arquivo Pessoal)

“Viver no interior costuma intensificar vulnerabilidades por fatores culturais, sociais e estruturais, por que há um conservadorismo cultural mais forte. No interior há menor acesso às políticas públicas e serviços especializados, principalmente para as pessoas trans e travestis. A proteção institucional também é mais frágil, faltam delegacias especializadas, a rede de ensino não é preparada, há um maior isolamento e  mais vigilância comunitária. As capitais, muito embora tenham seus problemas, oferecem mais alternativas, acolhimento, anonimato e políticas específicas”, diz.

De acordo com a pesquisa de doutorado  “Homossexualidade e cidades pequenas: a experiência de homens gays em cidades pequenas” realizada por Lucas Henrique de Souza, no curso de Ciências Sociais da Unesp, existe uma ausência teórica sobre o tema de sexualidades dissidentes em contextos de cidades pequenas, e que este espaço é pensado politicamente como heterossexual.

Aline ressalta a existência das legislações que atuam no âmbito nacional que protegem os  direitos das pessoas LGBTQIA+. Como o Artigo 5º da Constituição Federal, que sanciona que todos são iguais em dignidade e direitos, proibindo discriminação por qualquer motivo, o que inclui a orientação sexual e identidade de gênero das pessoas. Existem outras garantias legais como: o direito à identidade de gênero, direito à saúde integral, união estável e casamento homoafetivo, proibição de terapias de reversão sexual, adoção por casais homoafetivos, dentre outros.

“Apesar dos avanços significativos, ainda há lacunas, pois, a maioria dos direitos conquistados que foram citados anteriormente decorrem da jurisprudência dos tribunais, portarias e decretos que podem ser modificados ao longo do tempo. Sendo assim, entendo que a população LGBT ainda continua vulnerável em termos legais. Fora a necessidade de legislação específica sobre a criminalização da LGBTfobia e proteção dos direitos desta população. Faltam políticas públicas permanentes de combate à violência LGBT”, explica a advogada sobre a dificuldade de implementar as conquistas que a comunidade teve ao longo dos anos no cotidiano.

Ela reforça que embora a lei seja a mesma para todo território nacional, as cidades do interior sofrem mais, pois possuem uma estrutura limitada, menor capacitação, menor fiscalização, menos políticas públicas e influência das relações sociais sobre as decisões. Nas capitais o sistema é mais técnico, especializado e acessível.

A falta de estrutura para atender as necessidades dessa comunidade reflete no dia a dia daqueles que precisam dessas proteções jurídicas. É nesse vácuo deixado pelo poder público, que outras medidas se tornam necessárias, com a procura de melhorar as perspectivas desse cenário, e tornar a busca pelos direitos da comunidade LGBTQIA+ acessível e eficaz.

É nesse contexto que surge a atuação da jornalista bauruense, Ana Beatriz Oliveira Faveri, cuja trajetória busca dar voz à comunidade, publicando informações focadas a essas pessoas, mesmo diante do descuido estrutural que marca o interior paulista.

Ana Beatriz Oliveira Faveri (Foto: Arquivo Pessoal)

“Em um contexto geral, eu acredito que, sim, ainda somos muito negligenciados, tanto por conta da sociedade e autoridades conservadoras, quanto pela própria comunidade LGBT, que muitas vezes não consegue encontrar uma forma e um método de transmitir toda a informação que é necessária para o restante da comunidade e para a população também. Porque quando a gente fala sobre educação, educação social, a gente precisa compreender o contexto do terceiro e fazer com que a nossa realidade seja entendida por ele’, explica Ana Beatriz.

Ao falar de sua experiência como disseminadora de informações direcionadas à população sobre feitos e conquistas da comunidade LGBTQIA+, ela explica: “A gente precisa encontrar métodos de transmitir essa informação para que o receptor consiga entender ela 100%. Sem ter nenhum ruído, sem ter desvio nenhum”.

A jornalista afirma sobre as dificuldades decorrentes da falta de legislações efetivas e participação do poder público ,e como elas influenciam em seu trabalho. “Se a comunidade LGBT+, não está incluída nessas políticas públicas, é muito difícil de você produzir algum material jornalístico voltado a elas. São poucos os que a gente consegue encontrar que são solícitos e abertos a conversar com a gente. Então, eu acho que quando um grupo não está incluído nas pautas políticas, é muito difícil”, diz. 

Ao ser questionada sobre a ausência de uma sensibilização por parte da população e das autoridades com essa população no interior, ela afirma que existe um lapso na conscientização de temas que buscam qualidade de vida e direitos básicos. “Eu faço parte da comunidade, então tem isso de a gente ter e ocupar um lugar de voz e transmitir as informações necessárias para que a comunidade se informe e viva de maneira plena. Mas tem essa falta de informação, tanto por parte da população quanto das autoridades, porque as cidades do interior são muito conservadoras”, alega.

O jornalismo, especialmente quando conduzido por pessoas que integram a comunidade, desempenha um papel fundamental na construção de uma narrativa pública que inclua vozes negligenciadas. Comunicadores LGBTQIA+ ajudam a traduzir para o público as lacunas institucionais, como a carência de secretarias, delegacias especializadas ou políticas locais de acolhimento e proteção. Diversos municípios no interior do país vivem situações semelhantes à de Jaú, reforçando a urgência de que os direitos constitucionais sejam acompanhados de políticas públicas efetivas que garantam sua aplicabilidade.

Deixe um comentário