Integrantes da Spider Label afirmam que tiveram letras barradas em projeto da ONG Abrace e relatam censura em eventos públicos, Prefeitura nega participação na curadoria e diz ser contra qualquer forma de censura.
Por: Gustavo Palhares

Zona norte de Bauru, um estúdio improvisado, microfone, computador, caixa de som, cama e sofá, um lar que respira o Hip-Hop, três vozes se misturam, um se senta na cama, outro no computador e espera, enquanto o terceiro, Damásio, acende seu tabaco e antes mesmo de qualquer pergunta, ele fala “Pô, é óbvio que o sistema tem que ser criticado, tá ligado, a gente sempre ta ali, querendo o melhor pro povo todo. Mas ai, pô, você quer só descontrair, só fazer uma vibe, você não pode”. O primeiro manifesto de um grupo que por resistência decidiu não estar presente na semana do Hip-Hop Origens.
Organizado pela prefeitura de Bauru, o evento aconteceu entre os dias 15 e 19 de outubro, contando com todas as principais frentes que envolvem o mundo do hip-hop, rap, break, grafite, dj e oficinas. Contou com grandes nomes como o grupo Realidade Cruel e Afro X mas deixou de lado nomes da própria cidade principalmente do trap, estilo que nasce nos Estados Unidos, porém vem para o Brasil em 2016 com nomes como o de Raffa Moreira.
O grupo nasceu no início de 2024 juntando artistas independentes de todas as idades, desde jovens promessas a veteranos, todos com uma paixão quase indescritível pelo rap. Sonham em viver da arte, porém mesmo ainda tendo que trabalhar como CLT, se recusam a ceder ao que descrevem como uma censura da Prefeitura. “Se eu tiver que deixar de fazer isso por causa da prefeitura, eu já vou deixar de ser eu mesmo”.
Em 2024, logo quando fundam a Spider Label, ganham sua primeira grande oportunidade, participar de um evento organizado pela ONG Abrace e a prefeitura, que buscava dar visibilidade para novos talentos da cidade. Neste momento, perceberam que sua paixão e a realidade não convergem. Ganharam o primeiro evento e foram para a final, porém logo foram avisados por um dos jurados, que pediu que tirassem diversas partes de suas letras “como se apagassem quem a gente é.” Neste momento, perceberam que não eram bem vindos em eventos públicos.
E, enquanto a cena oficial parece girar em torno do mesmo, o que acontece dentro do pequeno estúdio da zona norte, mostra um movimento completamente diferente. Ali, ninguém está preocupado em repetir o molde que foi forçado a eles. Eles fazem o som que vivem agora, com suas dores, mas também com seus sonhos e ambições. “A gente não precisa cantar só sofrimento”, diz Damásio, “eu não quero viver isso mais”, conclui.
A posição deles contrasta diretamente com a versão apresentada pela Secretaria de Cultura.
Em nota enviada, afirmam que não produziram nem a semana do Hip Hop Origens, nem o evento da ONG Abrace, limitando-se à “condução financeira” da verba de emenda. “O texto reforça que a Prefeitura é totalmente contra qualquer tipo de censura ou cerceamento da liberdade de expressão” e que qualquer denúncia formal ligada ao projeto será avaliada na prestação de contas.
É esse desejo de respirar a liberdade que sustenta a gravadora. Na Spider Label, cada um carrega uma vivência completamente diferente: um menor de 16 anos que virou promessa, outro que nasceu rimando na ZN, o RT, que tem mais de uma década de caminhada no hip-hop clássico. Todos se reúnem ali, para decidir juntos cada passo. “Pra trabalhar em grupo, tem que ter tato”, dizem, “cada um tem uma criação, uma cabeça. A gente só anda porque anda junto”.
RT é o elo com o clássico. Vindo de batalhas de rima, já participou da Semana do Hip-Hop em anos anteriores e foi um dos primeiros a levar o trap para dentro do formato tradicional. “Na época, ele colocou beat de trap na batalha e os caras torceram o nariz”, afirma a produtora. Agora ele volta como participação especial na segunda semana do hip-hop, que aconteceu uma semana após a Origens. O grupo planeja observar como o público reage ao trap dentro de um evento majoritariamente boom bap. “É meio que um teste pra gente”.
Apesar do suposto bloqueio institucional, a cidade dá alguns sinais de que está mudando. Eventos independentes como o Trap7, ou Kimbala, têm puxado mais gente todos os meses. Nos últimos shows, os artistas contam que viram rostos desconhecidos cantando suas músicas do início ao fim. “É gente que a gente nunca viu, mano. E tão lá, vivendo o bagulho”.

Atualmente, a participação de gêneros como o trap em eventos públicos da cidade é limitada. A programação oficial segue priorizando vertentes clássicas do hip-hop, mas grupos como a Spider Label têm encontrado espaço principalmente em eventos independentes organizados por produtores locais. “Se tiver apoio, o trap de Bauru explode. Se não tiver, a gente faz sozinho”, afirmam.
Segundo os integrantes, a falta de inserção em editais e programações públicas não impede a continuidade dos projetos. O grupo segue gravando, lançando músicas e até organizando os próprios shows, “é onde eu consigo ser eu mesmo”, diz Damásio. “É onde consigo falar do que vivo, do que quero, do que sonho”.
No estúdio montado na zona norte de Bauru, o grupo mantém a rotina de gravações, composição e preparo para os próximos shows independentes. O espaço também serve como ponto de encontro para planejar lançamentos e colaborações com outros artistas da cidade. Sobre os próximos passos, eles resumem: “a gente vai continuar fazendo. Se abrir espaço, a gente entra, se não abrir, a gente segue do nosso jeito”.

