Como a pressão social, a comparação constante e a busca por aceitação transformam o FOMO (Fear os missing out) em um gatilho de ansiedade.
Por Rebeca Mattos
Em uma realidade em que a rotina está fortemente entrelaçada a telas e notificações, jovens e adolescentes vivenciam uma experiência que ultrapassa o entretenimento no meio digital. Em um contexto em que tudo acontece ao mesmo tempo e as informações não param, a sensação de estar desatualizado sobre algo se mostra como um comportamento constante e cada vez mais presente. Ao rolar o feed, as redes sociais destacam festas, encontros e conquistas que podem desencadear gatilhos de ansiedade, comparação e depressão em quem está visualizando tudo do outro lado da tela.
O FOMO, sigla do inglês Fear of Missing Out, traduzido como “medo de ficar de fora”, é uma resposta emocional comum no meio digital atualmente. Embora não seja novo, ganhou maior visibilidade com o crescimento das redes sociais, que passaram a funcionar como um tipo de vitrine de experiências, conquistas e estilos de vida.
“É uma ansiedade social que é causada, e gera um mal estar muito grande, vinculada a experiências e informações vinculadas às redes sociais. Esse sentimento se intensifica cada vez mais que as pessoas usam as redes sociais. As pessoas começam a desenvolver sofrimentos emocionais, de ansiedade, depressão, a própria autoexclusão, chegando até em nível de pensamentos de morte, de se sentir menor, e isso vai se tornando tão grande que vira um medo patológico”, destaca a psicóloga Ana Paula de Camargo, atuante na saúde pública da cidade de Dois Córregos há 23 anos.

Comparação que gera ansiedade
A exposição de vidas perfeitas, viagens, amizades e relacionamentos, e corpos considerados ideais, são fatores que levam jovens e adolescentes à comparação uns com os outros. Em fotos e vídeos, tudo parece mais interessante e prazeroso do que o momento real. Nessa perspectiva, é desenvolvido o desejo de acompanhar tudo de maneira simultânea, mesmo que signifique que suas próprias vontades e sentimentos sejam ignorados.
“Eu não gosto da sensação de ficar longe do celular, preciso saber que to conectada a ele, não consigo ficar sem saber mais nada sobre alguém e não acompanhar as notícias que estão circulando”, aponta a estudante do ensino médio, Amanda Dias.
A comparação constante faz com que muitos passem a enxergar a própria rotina como insuficiente e monótona. A sensação de que todos vivem algo mais emocionante cria um ciclo de inferioridade e autocrítica constante, podendo gerar impactos diretos na autoestima, humor e relacionamentos com as pessoas ao redor. “Eu tenho pacientes que não tem um amigo fora das redes sociais, as únicas pessoas que alguns desses pacientes conhecem é a família”, comenta Ana Paula.
A conexão em excesso
O FOMO pode se desenvolver através da dificuldade de se desconectar das redes. Muitos dos que sofrem com esse medo permanecem online por horas ininterruptas durante a madrugada, para acompanhar atualizações, interagir com outras pessoas ou apenas navegar na internet. Essa prática afeta diretamente o sono e a regulamentação do organismo no geral, impactando o humor e o comportamento ao longo do dia.
Em conversa, a psicóloga Ana Paula enfatiza como tal comportamento interfere em hábitos considerados básicos, como na vida acadêmica e profissional: “As pessoas ficam tão focadas nas redes sociais que acabam se distraindo constantemente de tudo em sua realidade, elas perdem suas prioridades, perdem sua produtividade, não conseguem voltar o olhar nem ao desempenho acadêmico, nem a produtividade no ambiente de trabalho”.
Com destaque no ambiente escolar, os efeitos se mostram muito evidentes. Com a conexão até altas horas da noite, a concentração dos alunos sofre impactos diretos, já que sua rotina é afetada pela falta de horas de sono, “Afeta demais meu sono e os meus estudos, porque eu acabo dormindo tarde olhando as redes sociais e acordando cedo pra ir pra escola depois”, explica Amanda.
Constante busca por validação
Atualmente, a validação não acontece somente nas escolas ou em meio a uma roda de amigos, mas se faz presente nas redes sociais por meios de visualizações, curtidas, comentários e compartilhamentos de postagens, que são vistos como algo fundamental ao tratar-se de reconhecimento e relevância no meio em que essas pessoas estão inseridas. Ao publicar uma foto ou vídeo, os jovens e adolescentes criam a expectativa de como aquilo será visto por quem os acompanha, algo que muitas vezes gera ansiedade e angústia, afetando diretamente sua autoestima.
Esse tipo de comportamento acaba impulsionando o uso do celular, já que uma vez que algo foi compartilhado ou publicado, há o impulso constante de checar quem viu, curtiu ou comentou, criando uma dependência com base no retorno online, ou a falta dele.
“A pessoa faz o possível e o impossível pra estar engajada nas redes sociais, né? Quando não está, não ganha um like, quando não tem compartilhamento, mudam o jeito de ser, por dentro e por fora, para serem aceitas socialmente e passam uma imagem através das redes sociais, que muitas vezes não condiz com a realidade. As pessoas encenam, vestem personas que elas não são”, ressalta a profissional da saúde.
Importância do uso saudável
Acerca das dificuldades e danos causados pelo FOMO e, consequentemente, o uso desmoderado da internet e aparelhos eletrônicos, a especialista entrevistada explica que na CID-11, sigla para Classificação Internacional de Doenças, já existem categorias que reconhecem transtornos mentais relacionados ao uso excessivo de tecnologias digitais. Segundo ela, há casos em que o envolvimento intenso e prolongado com as redes sociais provoca alterações de personalidade e até mesmo pensamentos dissociativos, resultado do tempo prolongado nesse meio virtual.
Apesar das dificuldades acerca desse medo e de como tem se tornado popular nos últimos anos, é possível desenvolver uma relação mais equilibrada com a tecnologia e seus recursos. Desativar notificações, limitar o tempo de uso do celular, priorizar atividades como exercícios físicos, passeios e um tempo sem telas, são primordiais para evitar passar pelo FOMO e possibilitam o indivíduo a viver verdadeiramente o momento.
“É muito importante a gente sempre estar refletindo sobre como a rede social é algo importante, que nos coloca em contato com o mundo, mas o quanto existem os exageros e buscar nosso equilíbrio quanto a isso”, como pontua a psicóloga.
Compreender que não é necessário ou possível acompanhar tudo o que ocorre ao seu redor o tempo todo é essencial para contemplação de uma vida mais leve e de qualidade para muitos jovens e adolescentes, destacando assim, a importância de priorizar o presente e impor limites, protegendo sua saúde mental e física.
