Especialistas explicam sobre os riscos da divulgação desenfreada de conteúdos sobre saúde mental
Por Lara Pellegrini
O acesso a informações por meio da internet trouxe diversos benefícios e conhecimentos sobre assuntos pouco divulgados anteriormente. Essa facilidade tem contribuído para que o estigma acerca da saúde mental seja quebrado e que esse assunto seja abordado com normalidade entre a população.
Entretanto, o compartilhamento dessas informações tem gerado um cenário complexo, em que muitas pessoas estão identificando-se com transtornos mentais sem antes passar pela avaliação de um profissional.
O autodiagnóstico é o ato de identificar uma condição médica em si mesmo, geralmente com a ajuda de pesquisas na internet, dicionários médicos, livros, entre outros.
Segundo o IPPr (Instituto de Psiquiatria do Paraná), “quando uma pessoa identifica sintomas e assume que tem um determinado transtorno por conta disso sem o auxílio de um profissional, ela pode adotar medidas perigosas que colocam em risco sua saúde, como a automedicação ou até mesmo a invalidação de diagnósticos dados por médicos e psicólogos”.
Ainda de acordo com o IPPr, pessoas podem buscar um autodiagnóstico para encontrar respostas para suas próprias angústias, pela dificuldade de acesso à saúde mental, necessidade de pertencimento e busca por dicas.
Com a constante busca por engajamento na internet, os conteúdos sobre saúde mental podem ser tirados de contexto para despertar a atenção dos usuários, além de muitas vezes serem produzidos por pessoas que não têm formação na área da saúde.
Diante desse cenário, especialistas em saúde mental alertam para os riscos do autodiagnóstico por meio das redes.
Em entrevista para a UNINASSAU (Centro Universitário Maurício de Nassau), o psicólogo e docente do curso de Psicologia, Allan Ricarte, explica que, ao se deparar com conteúdos sobre doenças mentais, é fundamental compreender que se trata de informações generalistas, muitas vezes elaboradas para chamar atenção, gerar curtidas e causar burburinho.
“A ansiedade, por exemplo, se manifesta em todos, mas nem sempre de um modo disfuncional. Processos como tristeza e irritabilidade em alguns momentos estão, muitas vezes, relacionados a situações cotidianas que costumam nos tirar do lugar de bem-estar completo”, declara.
Dentre os transtornos mentais que têm chamado a atenção em conteúdos na internet, o TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) tem se destacado.
Em entrevista ao portal Drauzio, o Dr. Caio Gibaile, médico pela Universidade de Brasília (UNB) e psiquiatra com subespecialidade em psiquiatria forense, comenta que, “no cenário atual, marcado por um ritmo acelerado de vida com mais demandas pessoais e profissionais e uma intensa comparação social potencializada pelas redes sociais, muitos se sentem pressionados a atingir padrões elevados de performance com muita rapidez”.
Devido a essa circunstância, o profissional da saúde comenta que “quando as pessoas percebem dificuldades ou meras diferenças em seu desempenho comparado ao que observam ao seu redor, elas passam a buscar motivos que justifiquem a suposta improdutividade que estaria impedindo de funcionar no seu melhor desempenho”.
Além disso, o uso de Inteligências Artificiais também vem tornando-se recorrente no dia a dia da sociedade. Um artigo publicado na Harvard Business Review destaca que terapia, autoconhecimento e organização da vida pessoal estão entre as principais motivações para a utilização da inteligência artificial generativa.
Entretanto, Gabriela Inthurn, professora e coordenadora do curso de psicologia da UNIASSELVI (Centro Universitário Leonardo da Vinci) de Guaramirim, explicou ao Estado de Minas que “o uso das IAs pode contribuir para a desinformação em saúde mental, visto que a maioria delas utiliza dados disponíveis, mas ainda sem um filtro muito claro do que é ou não verdadeiro, e se é aplicável à realidade e necessidade da pessoa ou situação”.
A professora ressalta que “já existem casos em que a inteligência artificial, quando usada no contexto clínico, acabou ‘ajudando’ a pessoa com sugestões sobre suicídio e automutilação”.
De acordo com o Instituto de Psiquiatria do Paraná, enquanto doenças do corpo podem ser identificadas por exames laboratoriais e de imagem, os transtornos mentais são identificados pelo reconhecimento de sintomas que se apresentam de forma significativa por um determinado período e resultam em sofrimento significativo.
O neurologista Ivar Brand, em entrevista ao Vida Simples, explica que o autodiagnóstico por meio de testes online ou pela identificação com sintomas mencionados em redes sociais envolve diversos riscos.
“A maior parte dos testes utiliza questionários com respostas dicotômicas do tipo ‘sim’ ou ‘não’. Isso não reflete a realidade e a complexidade das condições neuropsiquiátricas, que são sempre multidimensionais”, alerta.
Normalmente, esses testes englobam condições que, de certa forma, foram “banalizadas”, como TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) e TEA (Transtorno do Espectro Autista). Mas também ocorre com ansiedade, depressão, transtorno bipolar e outros quadros psicológicos.
Segundo Brandi, um dos maiores desafios e preocupações em relação ao crescimento de casos de autodiagnóstico é a automedicação e medicalização excessiva.

“A medicalização excessiva aumenta o risco de se tratar condições que não são transtornos e fazem parte da inconstância da vida humana. Todos nós experimentaremos momentos de tristeza, luto e ansiedade que não necessariamente demandam intervenção medicamentosa”, explica o médico.
Os profissionais da área enxergam a educação digital como um dos pilares principais no combate à desinformação e a diagnósticos errôneos por meio de conteúdos da internet.
“Outra estratégia é a conscientização sobre emoções, sentimentos e pensamentos desde a escola. A psicoeducação nesse tema ajuda as pessoas a reconhecerem e entenderem suas emoções e sentimentos, muitas vezes evitando autodiagnósticos de situações que são do cotidiano. Tristeza, hiperfoco, vontade de chorar e dificuldade de atenção, por exemplo, fazem parte do nosso dia a dia e não são um diagnóstico de forma isolada”, explica Gabriela Inthurn.
Em um mundo inundado de informações, a busca por respostas deve ser equilibrada com a orientação de profissionais de saúde mental qualificados, garantindo um diagnóstico correto e um tratamento adequado para aqueles que enfrentam desafios relacionados a doenças mentais e outros transtornos psiquiátricos.
