Durante a Semana do Hip Hop de Bauru, as grafiteiras Mari Monteiro e Gaúcha contam sobre suas trajetórias na cena
Por André Aguiar

A 13ª Semana do Hip Hop de Bauru aconteceu durante os dias 07 e 13 de novembro e proporcionou diversas atividades voltadas à cultura hip hop na cidade. Entre os eventos, que iam de batalhas de rima à desfiles de moda, houve o “Cada CEP Uma Tag”, um ajuntamento de profissionais e iniciantes no graffiti para elaborar um mural coletivo no bairro Nobuji Nagasawa, localizado na zona leste de Bauru. O encontro foi marcado por trocas de experiências entre grafiteiros e manteve um ambiente colaborativo durante a manhã e a tarde do domingo (09).
“A Semana do Hip Hop de Bauru é um dos maiores eventos 100% gratuitos voltados à cultura hip hop da América Latina”, diz Nunk, produtor cultural identificado pelo nome artístico e membro da comissão organizadora deste ano. Ele explica que a Semana integra a legislação municipal há 12 anos. “A prefeitura tem como direito de acesso à cultura que a gente realize a Semana do Hip Hop todos os anos, no mês de novembro, de acordo com a lei. É uma junção dos cinco elementos do hip hop durante dez dias de forma intensiva. Ir nas escolas, ir nas quebradas, fazer show nos bairros. É mais uma festividade de algo que a gente já faz o ano inteiro”, complementa.
“A galera fala que o hip hop é muito marginal, como se a gente fosse vândalo mesmo, estivesse para tumultuar no espaço, quebrar alguma coisa, mas o hip hop é educação”, reflete Azulla, nome artístico da multiartista também membro da comissão da Semana. “[O hip hop] veio de um movimento de realmente tirar as pessoas da violência, tirar as pessoas de dentro de gangue e fortalecer uma ideia de crescimento, algo que você pode fazer da sua vida, você pode trampar com isso”.
No “Cada CEP Uma Tag”, os grafiteiros começaram pintando uma ilha como plano de fundo do muro localizado na rua Virgínia Degasperi Pereira, no bairro Nobuji Nagasawa. O cenário litorâneo foi, aos poucos, ganhando novas cores e formas, com o olhar específico de cada artista que deixava seu toque no mural. Pingos de tinta, escadas e caixas com sprays ocupavam a calçada enquanto os artistas alternavam as alturas de onde coloriam o espaço. Entre os criadores presentes, estavam Mari Monteiro e Gaúcha, duas artistas já consolidadas na cena e que vivem da sua carreira no graffiti, mas enxergam sua arte a partir de lugares totalmente diferentes.

Mari Monteiro nasceu em Ibitinga e mora em Bauru desde os 14 anos de idade. Após transitar por outros elementos da cultura hip hop, encontrou seu lugar no graffiti, arte que a levou por todo o Brasil e internacionalmente. “Fico brincando que eu sou o Chico Bento quando vou para os lugares”, diz sorrindo. “Por mais que [Bauru] seja uma cidade grande do interior, ainda assim é uma cidade do interior. É uma realização incrível pensar que moro ali no Tangarás, de repente eu estava na Colômbia, em Cuba. Eu não sei se por outro caminho eu conseguiria alcançar esses lugares”.
Mari começou trilhando uma rota mais solitária no graffiti, na qual aos poucos foi aperfeiçoando seu trabalho e conhecendo outros profissionais até se tornar a referência de alcance que ela é hoje. “Em um momento em que eu não tive tanto acolhimento, eu era um pouco mais, vamos dizer, corajosa. Então eu ia pra rua sozinha mesmo, pintar terrenos abandonados. E aí foi o processo de amadurecimento. Quanto mais você vai fazendo algo, melhor você vai ficando. Fui conhecendo outros artistas, viajando pra fora da cidade de Bauru, pintando aqui na região, até ir a outros estados e países também”, conta.
Apesar de também trabalhar com desenhos, como o tentáculo de polvo que a artista pintou para o mural do “Cada CEP Uma Tag”, o principal estilo de graffiti de Mari é o caligraffiti, uma fusão de caligrafia e o elemento do hip hop. “Eu tenho um estilo que é pouco conhecido no mundo, não tanto assim dentro do Brasil, que se chama caligraffiti, é uma mistura de caligrafia com graffiti”, explica. “Faço letras estilizadas, que lembram um pouquinho letras árabes, letras da tatuagem, e eu faço uma brincadeira com o consciente das pessoas que ficam decifrando”.
Quem vê uma pintura de caligraffiti na rua pode ficar confuso e não entender de imediato o que aquilo significa, mas Mari esclarece que essa é justamente a intenção: “Assim como quando a gente é criança, para e observa os desenhos nas nuvens, o pessoal adulto para no meu trabalho e começa a procurar palavras e coisas escritas. É uma parada de você resgatar o imaginário através das letras, e eu faço esse resgate. Quando a gente é adulto, a gente mal olha pro céu. A gente tá tanto com a cara no celular, olhando sempre pra frente, então é um modo de fazer a pessoa parar e despertar esse olhar curioso, essa imaginação criativa também”.

Gaúcha, como o nome artístico sugere, veio de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e enfrenta um desafio diferente do que se vê por aí: o de ser mãe e grafiteira. Durante o “Cada CEP Uma Tag”, seu filho Baruc, de três anos, corria entre as latas de spray e interagia com todos os outros artistas presentes. Gaúcha comenta como é trabalhar neste ambiente e cumprir tantas funções simultaneamente: “É um desafio dobrado, porque a maternidade já é um trabalho, então tem que conciliar. Eu já grafitava antes de ter ele, faz dez anos que eu faço graffiti. Grafitei grávida, e depois que ele nasceu eu comecei a levar ele junto também. Não tem como dividir as duas realidades, é um aprendizado. Com ele junto, a arte tem outro ritmo”.
A grafiteira percebe também o impacto da maternidade nas temáticas de seu trabalho, como seu conteúdo ganhou mais intencionalidade e propósito depois de se tornar mãe. “A diferença é que até as abordagens dentro da minha arte mudaram”, diz. “Comecei a abordar questões maternas, retratar mães. Sempre que eu posso levar isso pra dentro do graffiti eu levo. Coisas que antes eu não me preocupava, não via. São os recortes de corpos femininos, a negritude, pessoas racializadas, também elementos da natureza, mas principalmente as mulheres mesmo, o empoderamento feminino no mundo”.
Na ilha do “Cada CEP Uma Tag”, Gaúcha insere uma figura feminina similar a uma sereia, contrastando azul ciano e tons mais rosados. Para a artista, estar neste espaço já é, por si só, disruptivo. É um ato de resistência que expande as possibilidades da realidade materna na periferia. “É uma resistência, poder estar nesse ambiente e estar com uma criança, quebra os espaços que a mãe pode ocupar. Todo lugar é um ambiente pra estar com a mãe, é a sociedade que precisa se adequar”, reflete a grafiteira.

As artistas comentam o que o graffiti significa para elas. Para Mari Monteiro, é uma paixão a longo prazo: “É algo que mudou a minha vida, que eu não pretendo parar tão cedo. Eu quero estar muito velhinha e estar pintando sempre”, afirma. Para Gaúcha, é a sua contribuição no mundo: “O graffiti me completa muito. É o meu diálogo social, minha participação social. Acho que cada um tem uma ferramenta, assim, de participar pra uma sociedade melhor, um futuro melhor, uma mensagem, né?”. No “Cada CEP Uma Tag”, o graffiti é essa ferramenta educativa, capaz de transformar destinos e trazer propósito para o jovem periférico.
Imagem destacada: FMC Comunicações
