Um conceito essencial nas políticas públicas para o combate das desigualdades socioambientais
Por Sofia Turtelli
A luta pela Adaptação Climática Antirracista é uma oportunidade para que populações vulneráveis possam alcançar o direito de dignidade à vida e a um futuro sustentável. Para isso, as políticas públicas devem considerar as especificidades dessas populações e incluí-las no debate.
Adaptação Climática Antirracista consiste, de maneira objetiva, no enfrentamento das desigualdades raciais, de gênero, geracionais, sociais, regionais e territoriais. O objetivo é buscado a partir de um conjunto de políticas interseccionais e intersetoriais. Essas políticas devem proteger vidas vulnerabilizadas, promover o bem-viver e conservar os biomas, reduzindo os impactos extremos da crise climática para essas populações, com medidas estruturais e emergenciais.
O termo Racismo Ambiental é utilizado para falar sobre o processo de discriminação que populações periferizadas ou compostas de minorias sofrem com a degradação ambiental. Ele evidencia, então, que os impactos sobre a crise climática não se dão de forma igual entre a população.
Paula Pereira Cavalini, estudante de psicologia na UNESP e militante do coletivo ecossocialista Afronte, afirma que desastres ambientais “atingem de forma profundamente desigual as periferias urbanas, onde a presença cotidiana do Estado é mínima e onde vivem majoritariamente populações negras, pobres e indígenas”.

A luta pela adaptação antirracista parte desse reconhecimento, de que populações historicamente marginalizadas são mais afetadas por impactos ambientais. Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua realizada pelo IBGE em 2022, 82 milhões de brasileiros vivem em áreas de alto risco climático.
Felipe Cruz é professor de geografia formado pela UNESP. Passou por contextos urbanos e rurais em sua profissão, deu aula em diversos cursinhos populares, escolas municipais e estaduais, como a Fundação Casa e o EJA. Ele traz outro termo para a discussão, o de injustiça ambiental. Afirma que nas ações esse conceito se evidencia, já que são poucas pessoas, grandes empresas e certos governos que carregam a maior responsabilidade sobre a crise climática. “Reconhecer isso e trazer essa consciência à tona é um passo essencial nessa luta por justiça climática e social”, diz o professor.
As adaptações climáticas tratam de ajustes nos sistemas ecológicos, sociais ou econômicos. Esses ajustes surgem como respostas para eventos climáticos previstos ou já ocorridos e seus efeitos e impactos.
Paula afirma que a adaptação climática deve abordar, primeiramente, a infraestrutura e o planejamento urbano. “Adaptar as cidades não apenas para resistir aos eventos extremos, mas para garantir que bairros historicamente negligenciados recebam prioridade no acesso a saneamento, energia, habitação segura, sistemas de alerta e mobilidade”, diz ela.
O avanço na adaptação depende de políticas governamentais, mas também da participação de organizações. Essas podem ser nacionais, regionais e internacionais e dos setores público e privado, além de universidades e da sociedade civil.
Paula afirma que as universidades são espaços de extrema importância para a luta pela adptação antirracista. “Assim, sua participação se dá pelo fortalecimento da ciência, pela crítica ao projeto capitalista de destruição ambiental e pelo apoio à mobilização social organizada”, diz ela.
Felipe menciona que a luta deve ser levada ao governo como uma demanda amplamente necessária. “Para que isso aconteça, é preciso esclarecer essa questão e apresentá-la como uma necessidade básica para a manutenção da sociedade”, afirma.
O professor também destaca a importância das escolas para conscientizar e discutir pautas climáticas e antirracistas. Ele fala sobre o fortalecimento das escolas, da educação pública, da formação dos professores, e das condições de sala de aula para uma melhora no desenvolvimento de um mundo mais justo.

Ações e projetos já existentes
Em 2024 em Recife ocorreu o lançamento da Rede por Adaptação Climática Antirracista. O projeto foi criado por 57 organizações de 15 estados. O grupo realiza articulações para trazer o Congresso Nacional e o Poder Executivo federal para a luta. Além de auxiliarem para levar conhecimento às populações vulneráveis.
A Rede atua desde 2023, a primeira ação publicada foi a divulgação de uma carta manifesto defendendo a Adptação Climática Antirracista. O texto citou mais de 500 mortes decorrentes de chuvas em 2022, elucidando as consequências do racismo ambiental.
Duas frentes compõem as ações da Rede, uma trabalha a conexão entre movimentos relacionados à temática e conversa com possíveis financiadores; outra trabalha em nível federal a incidência de políticas públicas sobre o tema.
O grupo monitora as Secretarias do Ministério do Meio Ambiente e da Integração e Desenvolvimento Regional. Além disso, fiscaliza a implementação do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas, o PNA. Felipe fala sobre a importância da construção de uma cultura de fiscalização, “o papel da fiscalização é de tamanha importância, é uma atitude cidadã”.
Iniciativas Comunitárias também lutam pela causa. Alguns exemplos são o Ibura Mais Cultura, o Espaço Girls Solidário, o Caranguejo Tabaiares Resiste, o Fórum de Suape e outras. “Quando o Estado falha, organizações comunitárias acabam assumindo funções vitais”, diz Paula.
Relação com o governo
No dia quatro de junho de 2024, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei (PL) 4129/2021. Ele institui diretrizes para planos de Adaptação Climática. A Casa, porém, retirou os critérios de raça, etnia, gênero e deficiência. Assim, excluiu a obrigatoriedade dos entes de cumprirem seus planos de adaptação baseando-se em diretrizes antirracistas.
Alessandro Vieira (MDB-SE) é relator do PL na Comissão de Meio Ambiente do Senado. Ele incluiu expressamente a observação de critérios antirracistas no projeto, porém, na votação na Comissão de Constituição de Justiça o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) manifestou-se contra a inclusão dessas diretrizes.
O filho do ex-presidente apresentou uma emenda que foi aprovada pelos demais senadores, o projeto voltou para apreciação da Câmara. Então, o PL foi aprovado excluindo diretrizes antirracistas.
O Governo Lula trouxe grandes expectativas para a luta pela Adaptação Climática Antirracista. O presidente mostra sua busca por um lugar de liderança dentro do debate climático internacional.
Paula afirma que a incorporação do racismo ambiental no discurso oficial não se traduz em ações estruturantes, “revelando a distância entre a retórica de liderança climática e as transformações necessárias para enfrentar a crise de forma justa e popular”. Ela completa, dizendo que enquanto o governo tenta ocupar um espaço diplomático global, as comunidades periféricas, indígenas, quilombolas e negras continuam sendo as “mais atingidas pelos eventos extremos e pela ausência de políticas de enfrentamento e reparação”.
Felipe menciona que o governo Lula, em contraponto ao governo anterior de Bolsonaro, apresentou avanços no âmbito ambiental, principalmente para a conservação. Porém, “apesar dos avanços, o governo Lula também mostra contradições”, diz ele.
O professor declara que o Brasil enfrenta o desafio de construir um projeto nacional de desenvolvimento verdadeiramente sustentável. Ele afirma que “é preciso criar uma nova perspectiva de nação, uma nação que se envolva com seu território, busque equilíbrio e promova justiça socioambiental”.
Paula aponta que as desigualdades estão no centro do enfrentamento. “Por isso, o enfrentamento verdadeiramente antirracista precisa compreender essas desigualdades estruturais como parte central da resposta climática”, diz ela.
