Com mais de 50 anos, feira promove ambiente de trocas culturais, lazer e integração da comunidade

Utensílios domésticos à venda na Feira do Rolo / Foto: Sophia Faccina
Por Sophia Faccina, 26 de novembro de 2025
A divisão entre o asfalto e os paralelepípedos ao final da rua Gustavo Maciel representa algo além de uma simples mudança de infraestrutura nas vias urbanas de Bauru. Aqueles que chegam ao final da clássica feira de alimentos, que acontece sobre o chão pavimentado, encontram nas pedras desgastadas do centro o ponto de transição para outro ecossistema: é ali onde tem início a Feira do Rolo.
Em um domingo habitual, é impossível caminhar sem esbarrar em alguém, e o sol democrático do oeste paulista desafia a todos da mesma maneira. As tendas de lona azul se espalham pelos cantos, assim como os gritos dos vendedores, as risadas dos frequentadores e a música alta, que costuma ser um pagode ou, então, uma moda de viola. Espalhadas pelas bancadas e em tapetes no chão, as mercadorias encontradas são as mais variadas: moedas e jogos antigos, ferramentas, peças para bicicleta, bijuterias, sapatos, jogos, discos, CDs, bonecas, revistas, livros, e por vezes até animais, como galinhas ou filhotes de Shih Tzu.
A feira, que hoje conta com cerca de 200 comerciantes, de acordo com registros da Prefeitura de Bauru, teve origem na década de 70. Roberto Carlos Fernandes de Oliveira, o Betinho, é um dos fundadores, e conta que tudo começou ainda em sua infância, quando tinha apenas 9 anos. Hoje, beirando os 60, Betinho relembra que foi testemunha do primeiro escambo da história da feira, realizado entre Evaldo Carvalho – o falecido Vassourinha – e outro homem, em um ponto da Avenida Nações Unidas.
“Ele [Vassourinha] começou a vender um relógio, daqueles da Seiko, e eu estava com uma caixa de pintinhos na cabeça, vendendo”, relembra o comerciante. “Chegou outro senhor lá, com um relógio também. Foi onde eles começaram a trocar.” Betinho explica que essa movimentação atraiu a atenção de alguns rapazes que passavam pelo local e, em conjunto, os presentes marcaram de retornar no domingo seguinte para dar continuidade às trocas.
Esses encontros tornaram-se habituais, e a cada final de semana mais pessoas compareciam ao local para comprar, vender ou trocar produtos das mais variadas naturezas. Em razão do crescimento de público, as reuniões foram deslocadas da avenida Nações Unidas para a rua Gustavo Maciel. Betinho comenta que a mudança de local foi determinante para a evolução do Rolo, pois os frequentadores da já existente feira de alimentos passaram a se interessar pela nova movimentação que acontecia ao final da rua.

Discos antigos distribuídos sobre os paralelepípedos / Foto: Sophia Faccina
A dinâmica comercial é a mesma desde sempre: há feirantes, como Betinho, que realizam tanto vendas quanto trocas – o famoso “rolo”. Ele conta que no início trabalhava exclusivamente com a venda de pintinhos, depois migrou para aparelhos de rádio e agora comanda uma tenda de videogames antigos. “Hoje eu trabalho com Mega Drive, Super Nintendo, Nintendinho, Atari… Tudo que é retrô é comigo”. Com bom humor, acrescenta que “tudo tem nota fiscal”.
Em outra barraca, a apenas alguns metros de distância da tenda de games de Roberto Carlos, encontra-se a herança de outro fundador, Antônio Rodrigues dos Santos. Através da venda de itens que vão desde óculos de sol até pendrives, Suelen Cristina dos Santos mantém vivo o legado de seu falecido avô, junto com outros familiares. De acordo com o relato da feirante, Antônio foi um dos pioneiros no “rolo de relógio”, e fez parte de todo o processo de mudança de endereço da feira.
E não são só os parentes de Antônio que contribuem para a preservação de sua história. Natural de Mirassol, Ana Elisa Alves Borges é companheira de Suelen, e trabalha com a família da parceira há três anos. “Eu comecei a trabalhar com a feira e aí falei: ‘Poxa, que massa’. E foi aqui que eu me descobri como vendedora”. Anteriormente, Ana Elisa era empregada da indústria alimentícia, porém abandonou o ramo para se dedicar exclusivamente ao Rolo. “Eu amo estar aqui. Para mim, foi um achado a feira”.
A Feira do Rolo é um ambiente de integração da comunidade e reúne milhares de pessoas todos os domingos. Alguns são clientes fixos, que vão ao Rolo em busca de itens que dificilmente são encontrados no comércio tradicional, especialmente a preços tão baixos. Outros veem na feira uma alternativa de diversão gratuita, como é o caso de Elisângela Conceição, moradora de São Manuel, que vem para Bauru com a filha adolescente apenas para visitar o lugar: “A gente vem para passear. É uma forma de lazer, com certeza.”
REGULARIZAÇÃO
Apesar de existir há aproximadamente meio século, a Feira do Rolo só foi reconhecida pelos órgãos municipais após anos de funcionamento. Em 4 de setembro de 2001, foi publicada no Jornal da Cidade uma matéria que anunciava a regulamentação da atividade na Secretaria de Planejamento (SEPLAN) e o cadastro de 37 trabalhadores da feira, atendendo às reivindicações da época. A principal razão era proporcionar mais estabilidade e segurança aos informais, além de evitar a venda de produtos de origem ilícita, que preocupava as autoridades.
A licitude das mercadorias do Rolo voltou a ser pauta pouco tempo depois. Em fevereiro de 2003, o JC noticiou que o então vereador Rodrigo Agostinho de Mendonça (PMDB) solicitava a extinção da Feira do Rolo, sob a justificativa de que os produtos vendidos eram oriundos de roubo, furto e contrabando. A proposta gerou revolta entre os comerciantes, porém não foi levada adiante.
Lei dos Santos, vendedor de peças de bicicleta e feirante desde 1992, conta que em 2015 foi feito um novo credenciamento dos feirantes pela prefeitura. Todos tiveram seus alvarás de funcionamento emitidos e receberam crachás de uso obrigatório. “A gente era regularizado, todo mundo tinha seu ponto, mas ultimamente não estou vendo mais a prefeitura dando muita bola para isso aqui. Muita gente está aí e está sem cadastro nenhum”. Lei comenta que também era necessário pagamento de taxa de ocupação, que deixou de ser cobrada.
Além de obstáculos burocráticos, problemas de infraestrutura como falta de banheiros e calçamento irregular são desafios enfrentados pelos comerciantes, assim como eventuais chuvas, que dificultam a realização dos encontros. Apesar disso, a Feira do Rolo resiste e se reinventa através das décadas, graças ao esforço de quem acorda nas madrugadas de domingo para colocá-la de pé. As rugas no rosto envelhecido de Betinho, que começou ainda menino, são resultado de uma vida dedicada a esse propósito. Com os três filhos criados por meio da renda obtida na feira, a conclusão do fundador é uma só: “Isso é uma bênção de Deus”.
