Entenda como a categoria feminina, que acolhe atletas acima de 30 anos, se estabelece como símbolo de resistência e longevidade no esporte
Por Gabriel Diaz
“Esse retorno para o basquete foi algo que salvou a minha vida e resgatou a minha essência.” A frase de Fabiana Cristina da Silva Botossi, conhecida nas quadras como Bia, resume o que o basquete master – categoria que acolhe atletas acima dos 30 anos – representa para centenas de mulheres no Brasil. Aos 44 anos, a armadora encontrou nas quadras mais do que atividade física: encontrou cura. Após enfrentar depressão no pós-parto e durante a pandemia, foi o retorno ao esporte que a reconectou consigo mesma.
No interior de São Paulo, em Bauru, um movimento vem ganhando força: mulheres que, após os 35 anos, se recusam a aceitar o prazo de validade imposto pelo esporte e pela sociedade. Elas formam a equipe de Basquete Master de Bauru, um coletivo que une ex-profissionais, veteranas e mulheres que encontraram no esporte um espaço de pertencimento, resistência e saúde.
Cláudia Marafigo, de 52 anos, é uma delas. “Hoje é mais para a mente e para a saúde mesmo. Já cheguei a ser profissional, treinei por décadas com lendas como Hortência e Magic Paula, e me exercitava 7 horas por dia”, diz a pivô, que descobriu o esporte pelas mãos do pai, ex-jogador em Cornélio Procópio, cidade no interior do Paraná. Após anos afastada das quadras para casar e ter filhos, voltou para a categoria master e não parou mais.
Em junho deste ano, três atletas brasileiras do clube foram convocadas para representar o país no Campeonato Mundial de Maxibasketball da Federação Internacional de Basquete Master (FIMBA), sediado na Suíça. Dentre elas, está Cristina Ferreira de Brito Rosado, conhecida como Tininha, atual técnica do grupo. Ela relembra a convocação como conquista de uma trajetória que começou quatro anos atrás. “A ideia surgiu junto de uma outra jogadora, a Bia, em 2018. Éramos ex-companheiras de quadra no profissional e decidimos montar a equipe para levar adiante”, relata.

O projeto ganhou dimensão nacional. Este ano, a equipe participou do Campeonato Brasileiro em Maceió, representando oficialmente a cidade pela primeira vez. O horizonte aponta para 2027, com os preparativos para o próximo campeonato mundial em Fortaleza. “Bauru tem muita tradição no basquete feminino e, agora, a gente [equipe] está levando esse nome para o Brasil inteiro”, enfatiza Tininha. Ela também destaca outros planos de fortalecimento do projeto, como a parceria firmada com o masculino master em nível local. “A categoria entrará para nossa associação na categoria 50+”, conta a jogadora.
Ser mulher e envelhecer no esporte
Historicamente, o esporte de alto rendimento sempre celebrou corpos jovens em seu ápice físico. Atletas veteranos são vistos pela lente do declínio, como se o tempo os tornasse incapazes de manter a excelência. Para as mulheres, o problema é duplo. Além do etarismo social, carregam a herança de uma exclusão histórica.
Até 1965, mulheres foram proibidas de praticar futebol, lutas e polo aquático no Brasil. A deliberação do Conselho Nacional de Desportos justificava a medida pela “natureza feminina”, estereótipo que associava mulheres à delicadeza e fragilidade, características incompatíveis com a força exigida pelo esporte.
A conquista do espaço feminino foi um processo de resistência que continua enfrentando desafios. Mesmo com avanços nas últimas décadas, a visibilidade do esporte feminino segue menor em comparação ao masculino. Segundo o último relatório “Movimento é Vida”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), de 2017, a prática de exercícios físicos por mulheres no país é 40% inferior no comparativo aos homens.
A desigualdade se acentua entre mulheres mais velhas: o estudo aponta que o índice de iniquidade diminui, com o avançar da idade, na prática de Atividades Físicas e Esportivas (AFEs). Para a faixa etária de 40 a 59 anos é de 88%, e cai para 73% no grupo de 60 anos ou mais, indicando que estes são os grupos mais desfavorecidos em relação à média populacional.
A falta de incentivo, os estereótipos de gênero e as responsabilidades com as tarefas domésticas de cuidado são fatores que afastam as mulheres da atividade física ao longo da vida, especialmente após os 40 anos, quando o corpo passa por mudanças hormonais e persiste a percepção de que o esporte competitivo não é mais adequado.
A saúde importa
O basquete exige agilidade, força, potência e constantes mudanças de ritmo – características que, com o tempo, costumam afastar atletas das quadras após os 30 anos. Porém, a modalidade master contradiz essa lógica e demonstra que o corpo na maturidade não apenas suporta a prática esportiva, como se beneficia dela de forma integral.
Tininha explica a diferença entre o profissional e o master. “Profissionalmente você treina o tempo todo, então tem boa saúde, não tem diabetes, não tem colesterol, não tem pressão alta. Hoje eu já tenho pressão alta, bursite na lombar, problema nos ombros. Se tenho uma lesão, já consigo parar. Senão, no próximo jogo, não vou continuar e o master nos ensina isso”, diz a técnica.
No auge da carreira, o basquete, para a jogadora, exigia treinos duas vezes ao dia, dieta regrada e viagens constantes. No master, transformou-se em lazer, saúde e terapia. “Depois dos cinquenta, se você não tiver paciência, não joga. Nós perdemos massa muscular, o ritmo muda, mas estar aqui é o que me revigora”, desabafa Cláudia. Após a rotina de trabalho, estar na quadra é um momento aguardado pela atleta, como se, neste espaço, “o corpo acordasse novamente”. No ginásio da Associação Desportiva da Polícia Militar (ADPM), a equipe treina duas vezes por semana.

Segundo a médica Cristina Casagrande, especialista em medicina do esporte e integrante da comissão médica da Seleção Brasileira de Basquete Feminino, o basquete master é um exemplo de preservação de corpo e mente com o passar dos anos. “O exercício físico é uma das ferramentas mais poderosas que temos para desacelerar o envelhecimento biológico. O treino de força é indispensável nessa fase da vida. Ele combate a perda muscular e melhora o metabolismo e o equilíbrio”, explica.
No corpo feminino, a prática esportiva regular atua sobre a perda de massa muscular, redução da densidade óssea e alterações hormonais provocadas pela menopausa. A médica relata que treinar com regularidade preserva a massa magra, a força e o equilíbrio, além de melhorar a sensibilidade à insulina, a saúde cardiovascular e o metabolismo ósseo.
Além disso, a prática regular também reduz sintomas de ansiedade e depressão, melhora o sono e a autoestima. “O exercício estimula a neurogênese e a plasticidade cerebral, protegendo o cérebro do envelhecimento e mantendo a mente ativa e saudável”, destaca Cristina.
A força dos vínculos
O basquete master une três pilares do envelhecimento saudável: movimento, mente e vínculo social. Para Tininha, por exemplo, os treinos vão além da preparação física. “A gente vem aqui, treina, dá muita risada, conversa de tudo, chora, desabafa. Quando alguém está com problema, uma já liga para a outra. Nos tornamos uma família mesmo”, conta a organizadora.
Cláudia também destaca os reencontros emocionados nas competições nacionais e revive memórias na quadra bauruense. “Nos campeonatos, você encontra as meninas que jogaram com você há 30 anos. É muito prazeroso”, relata. Na visão de Bia, o retorno ao esporte foi capaz de fortalecer o vínculo social entre mulheres: conseguiu conhecer pessoas novas e resgatar amizades que tinha fora das quadras.
Essa rede de apoio é um dos fatores que têm impulsionado o crescimento da modalidade no país. Telma Lima, vice-presidente da Federação Brasileira de Basquetebol Master (FBBM), aponta que o basquete master feminino no Brasil tem se expandido nos últimos anos.
“Se antes a categoria era invisível, hoje conta com campeonatos estaduais, nacionais e mundiais organizados”, complementa. A vice-presidente comenta que o crescimento também se reflete nos números de equipes inscritas. No Campeonato Brasileiro deste ano, haverá equipes nas categorias 35+, 40+, 45+, 50+, 55+ e até 75+ – tanto no feminino quanto no masculino.

A resistência social, porém, persiste. Cristina explica que o estigma de que o esporte competitivo é “coisa de jovem” e de que mulheres mais velhas devem se limitar a atividades leves ainda está presente. “Parte dessa resistência vem de visões sociais ultrapassadas, e parte da própria área médica, que por muito tempo deixou de estudar a fisiologia feminina com a profundidade necessária”, diz a médica.
Telma Lima, vice-presidente da FBBM, destaca que o caminho das atletas da categoria master ainda é marcado por barreiras estruturais. “Precisamos de mais visibilidade, mais investimento e mais políticas públicas que incentivem a prática esportiva feminina em todas as idades. O basquete master está provando que é possível, mas ainda enfrentamos barreiras estruturais”, analisa.
A equipe de Bauru não pretende parar. Para Bia, o propósito é claro: continuar inspirando. “Se a gente mantiver essa união, essa constância, a gente pode alcançar títulos dentro da categoria master. Não é igual ao profissional, mas você precisa manter uma constância”, conta. Assim, como resume a frase estampada nas costas do uniforme das jogadoras: “nunca é tarde para recomeçar”.
