Atividades esportivas, além de promoverem saúde física e mental, servem de amparo às crianças em situação de vulnerabilidade social, promovendo uma oportunidade de mudança na realidade da periferia
Por Isabela Cristina
As dificuldades de quem reside em bairros periféricos vão além de problemas econômicos. Principalmente para jovens e crianças, a falta de oportunidades e as restrições de acesso à educação influenciam diretamente em suas escolhas e em sua formação. Sendo assim, o esporte entra como uma importante ferramenta de transformação social, pois para além de lazer, a prática esportiva está diretamente relacionada à saúde, educação e à democracia.
Em Bauru, com diversos projetos sociais, o bairro Jardim Nicéia se mostra um exemplo em promover a democratização do esporte, proporcionando oportunidades para os jovens terem um futuro melhor, longe da violência e do crime.
De morador para morador
Compartilhando da mesma vivência, residentes do Jardim Nicéia entendem a importância de proporcionar diferentes oportunidades para essa nova geração, o que os motivou a criarem iniciativas esportivas de moradores para moradores.
Dentre estes, dois projetos se destacam atualmente: os treinos de jiu jitsu do “Projeto Fé” e o time de futebol “Polegar FC”.
No salão da Capela São Francisco de Xavier, a arte marcial se junta ao poder da disciplina e do respeito. Coordenado pelo professor Reginaldo Evangelista, juntamente de seu primo Júlio César, o “Projeto Fé BJJ” oferece aulas de jiu jitsu de maneira gratuita para jovens e crianças.
Reginaldo explica que, para participar do projeto, é exigido disciplina e respeito, tanto dentro, quanto fora dos tatames.
“O mais importante para nós é ver eles sorrindo e respeitando as pessoas, não só no tatame, mas em casa e na rua, isso sim é disciplina. Se não tiver disciplina não pode treinar no projeto, tem que estar bem em casa e na escola”.
Além dos treinos, durante o ano ocorrem campeonatos, que não só promovem o espírito de competitividade e o sentimento de capacidade, mas trazem também ensinamentos que são levados para a vida dessas crianças.
“O esporte não significa só ganhar medalha, o mais importante é saber ter o controle da mente e saber que na vida não é só vencer, é saber levantar depois de cair”, explica o professor.

Reginaldo com alunos do Projeto Fé / Foto por Bruna Santini
Já o “Polegar Futebol Clube” usa da paixão dos brasileiros pelo futebol, para proporcionar lazer e afastar as crianças do mundo do crime. Criado pelo falecido Leandro, o time de futebol é um dos projetos mais antigos do Nicéia. Após o falecimento de seu fundador, o projeto teve seu retorno em 2022 com Luciano Henrique, sobrinho de Leandro, que conta com o apoio dos moradores Isabelle Maira Soares e Alexandre Salgado Ribeiro.
Os treinos acontecem tanto na quadrinha do bairro, quanto no campo, sendo uma maneira acessível de praticar esportes e trazendo o sentimento de pertencimento à comunidade.
“Quis resgatar os meninos da rua, porque quem fica só na rua, aprende coisa que não deve, né? E eu não tive essa oportunidade”, comentou Alexandre.

Treino de futebol na quadrinha e Alexandre em detalhe /Foto por Bruna Santini
O olhar de fora
As iniciativas que procuram oferecer condições diferentes para o futuro da comunidade, também vem de atores que não compartilham das mesmas dificuldades encontradas no Nicéia. Como acontece nos projetos “Ensinando e Aprendendo Handebol” e o “Wise Madness”, ambos promovidos por pessoas de fora do bairro.
Coordenado pela professora Lilian Aparecida, o projeto de extensão do curso de educação física “Ensinando e Aprendendo Handebol” promove treinos da modalidade de handebol para crianças acima de 8 anos. Passando por diversas mudanças ao longo dos anos, as aulas aconteciam inicialmente na praça de esportes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e, atualmente, acontecem na quadrinha do bairro, facilitando o acesso das crianças .
Membro do projeto, Matheus Freitas, estudante de Educação física, explicou que nos encontros com os alunos, eles não só ensinam as técnicas da modalidade esportiva, mas também discutem questões de sociabilidade e incentivam a capacidade das crianças de lidar com conflitos.
A importância das aulas ultrapassa questões esportivas, pois, sendo um projeto universitário, “além de promover esse acesso e essa democratização, para que todos consigam ter essa sociabilidade dentro do bairro, também faz com que eles conheçam e tenham acesso à universidade, porque muitos deles não sabem que podem estudar lá. E a gente está mostrando que eles podem e que lá também é lugar deles. As crianças podem entrar em qualquer horário, em qualquer lugar”, afirma Matheus.
O “Ensinando e Aprendendo Handebol” conta com a parceria da UNESP e do SESC que, ao longo do ano, promovem diversas atividades, proporcionando às crianças novas experiências, dentro e fora do bairro.

Treino de handebol na quadrinha/Foto por Bruna Santini
Já o Wise Madness, conta com o apoio da prefeitura de Bauru para cumprir com o seu propósito: impactar com a arte. O projeto promove diversas atividades culturais e esportivas, como oficinas de artesanato, aulas de skate, dança, percussão, malabarismo e outros, buscando proporcionar diferentes oportunidades para jovens e crianças em diversos bairros periféricos da cidade.
Lívia Komono Tojeiro, membro do projeto, explicou que o Wise usa a arte para gerar mais dignidade e incentivar a educação das crianças, com objetivo de “ensinar, desde de pequenos, a fazer as escolhas certas, porque elas são expostas desde muito novas a oportunidade de ir por um caminho muito errado, e é difícil porque, às vezes, encontram nesse caminho a oportunidade de ter um prato de comida na mesa”.
Lívia explica que tendo a arte e o esporte como um meio, o objetivo principal do projeto vai além, com acolhimento, alimentação e rodas de conversa.
“Conhecemos a fundo essas crianças, frequentamos as casas e a comunidade. A gente entende de verdade a vulnerabilidade delas, sente a dor com elas e vê que é muito mais do que um assistencialismo, é buscar a dignidade e o básico para que elas possam sonhar em ter um futuro diferente, sair desse ciclo de violência, de luta e de pobreza”.
Ao longo do ano, o Wise promove apresentações em diversos espaços públicos da cidade, sendo uma maneira dos alunos mostrarem o que aprenderam no projeto, mas também incentivar mais crianças a entrarem, levando a cultura e o acolhimento de dentro da associação para outros espaços.
Maicon Dias, outro membro da associação, explica que o ato de se apresentar é uma maneira de promover o sentimento de pertencimento e capacidade.
“As crianças vivem numa realidade que ensina que elas não são capazes, que não são boas. Então quando elas são aplaudidas e vivenciam as apresentações, entendem que podem ir além do que ensinaram pra elas, além da realidade que elas veem, sendo uma forma de trazer autoestima e empoderamento”.
Sendo mais do que um projeto de democratização ao acesso do esporte e da arte, o Wise acolhe e compreende o contexto em que essas crianças vivem, Maicon definiu a associação como “uma forma de humanizar, de trazer a humanidade que muitas vezes a vulnerabilidade social roubou delas”.

Apresentação de dança do Wise no Jardim Nicéia/ foto por Bruna Santini
