O filme premiado internacionalmente aponta para a potência do cinema brasileiro

O Agente Secreto é protagonizado por Wagner Moura, cuja performance é cotada para nomeação no Oscar de 2026 (Fonte: Vitrine Filmes)
Por Mariana Bezerra
Em setembro de 2025, O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil no Oscar de 2026. No entanto, antes desse feito, o filme já vinha percorrendo o mundo com uma ampla campanha de divulgação. Durante esse ano, o longa esteve presente em diversos festivais como o Festival do Rio, Festival de Cannes e a 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, onde teve as suas primeiras sessões no estado, em que estavam presentes parte da equipe e elenco do filme.
A respeito da composição do catálogo da Mostra, o cineasta afirmou que essa seria uma das principais exibições do filme no Brasil, uma vez que o festival é uma ‘âncora na programação cinematográfica do país’. Ele ressaltou a inversão do que é a ordem mais comum de exibições especiais de cinema, que geralmente se inicia no Sudeste e segue para o restante do país, uma vez que a primeira apresentação nacional do longa foi em Recife, em Pernambuco.
A obra é essencialmente pernambucana ao se passar no Recife e trazer a óptica do diretor sobre a sua cidade natal, a qual já foi palco para outros filmes seus, como Aquarius, O Som ao Redor e Retratos Fantasmas. Mais do que isso, o filme é, também, de fato, essencialmente brasileiro, uma vez que aborda as consequências e a atmosfera da ditadura militar no país durante a década de 1970. KMF centraliza a narrativa na história de Marcelo, protagonizado por Wagner Moura, que é um ex- professor universitário cujo departamento foi encerrado por influência de um empresário paulista.

A produtora Emilie Lesclaux, o diretor Kleber Mendonça Filho e a atriz Tânia Maria na coletiva de imprensa de O Agente Secreto em São Paulo (Fonte: Mariana Bezerra)
A partir desse conflito, O Agente Secreto se transforma em um thriller, uma vez que Ghirotti contrata dois assassinos de aluguel para matar o protagonista. Em função da sua condição de fugitivo, logo no início, Marcelo é recebido de volta no Recife e se hospeda no que seria um prédio para ‘refugiados’ liderado por Dona Sebastiana (Tânia Maria). Agora, refugiados do que ou por quê não é sabido. Nesse sentido, O Agente Secreto constrói diversas narrativas ao mesmo tempo criando um amplo cenário daquela época e abordando, com êxito, as memórias brasileiras quanto a um dos períodos mais cruéis de sua história.
“O Brasil é um país que tem algumas questões com memória, que tende a esquecer de muita coisa e eu acho que o cinema é um instrumento muito bom porque ele te mantém entretido, mas ele pode conter uma carga de informação de verdade sobre o lugar onde a gente mora”, comentou o diretor durante a coletiva de imprensa do filme em São Paulo. O resgate e manutenção da memória nacional foi um dos pontos principais levantados por Kleber Mendonça Filho como propósito para O Agente Secreto. Sob essa perspectiva, a sua obra revive e mergulha nas violências – escancaradas e veladas – de um período sobre o qual muito foi escondido e que ainda é abordado de forma controversa na sociedade brasileira.
O filme não economiza na representação das dores vividas pelos personagens, ainda que não as explique com clareza. Além disso, ele explora a estrutura política local da época, marcada por um cenário de dominação e abuso de autoridade marcantes em um estado de exceção, que escancaram a realidade dentro da ficção. A respeito disso, o ator Wagner Moura comenta que o diretor carrega um aspecto de historiador em suas produções e ressalta que o filme se inicia com a apresentação de fotos referentes à época. “ A memória é uma coisa importante. E não só na cultura e no cinema, mas o jornalismo, a universidade e a sociedade como um todo tem a obrigação de preservar a nossa memória para que nos entendamos e nos vejamos” acrescenta.

Elenco e equipe do filme durante o evento (Fonte: Stephanie Cardoso)
Ainda sobre história brasileira, Kleber Mendonça Filho também resgatou memórias da história do audiovisual brasileiro referentes a discriminação impostas aos artistas nordestinos: “Eu cresci no Recife ouvindo as novelas da Globo com sotaque carioca e vendo a história de atores pernambucanos e de todo o nordeste que iam para o Sudeste e tinham que passar por uma lobotomia de fonoaudiologia para perder os seus sotaques”. O cineasta ressaltou o seu otimismo em relação a esse cenário, pontuando, à exemplo, a atriz Alice Carvalho, de 29 anos, que interpreta Fátima no filme, e que nunca precisou forjar um sotaque em razão do preconceito. Além disso, KMF concluiu sua fala celebrando a atual pluralidade e diversidade do cinema brasileiro.
A respeito do sucesso das produções nacionais, O Agente Secreto foi antecedido por Ainda Estou Aqui no sucesso no exterior e na campanha para o Oscar. Apesar de serem representações extremamente diferentes de um mesmo período histórico, elas se conectam pelo espaço que vêm desbravando dentro e fora do país. Nesse sentido, a equipe e elenco de O Agente Secreto não só está participando de eventos internacionais, como o Governors Awards, a premiação honorária do Oscar, mas também conquistando prêmios no Festival de Cannes, por exemplo, e indicações significativas como no Gotham Awards.
Os atores presentes na coletiva, o diretor e produtora Emilie Lesclaux celebraram o reconhecimento internacional, mas pareceram concordar entre si ao afirmarem que essa notoriedade é algo que não se espera enquanto filme está sendo feito e que ele foi pensado para que os brasileiros pudessem ver a si mesmos representados na grande tela. “Eu torço muito para que as pessoas não só assistam a esse filme, mas revisitem o cinema nacional, que é gigantesco”, afirmou o ator Gabriel Leone.
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