Professor e militante, ele aposta na juventude como força transformadora.
Por: Helena Pompeu

Marcos Chagas, professor e diretor da APEOESP. Foto: Arquivo Pessoal
“O espaço da porta da sala de aula pra dentro é meu espaço de paraíso”. Quem diz isso é o professor Marcos Chagas, de 43 anos, que ganhou maior notoriedade na cidade de Bauru após as eleições municipais de 2024, onde concorreu à prefeitura pelo Psol (Partido Socialismo e Liberdade). O que Chagas chama de paraíso não é nada místico: é feito de alunos, aprendizagem, debates e conflitos. Partindo dessa afirmação, é possível compreender um pouco de sua trajetória, marcada pela organização coletiva, defesa dos estudantes e por uma militância que o levou para a liderança sindical e, mais tarde, à disputa eleitoral.
Nascido em Formosa do Oeste, no interior do Paraná, Marcos viveu até os sete anos com os pais agricultores na zona rural, em uma pequena propriedade. “Até os sete anos no rural, sem energia elétrica em casa, sem contato com TV, com coisas que a energia produz”, recorda. Quando tinha oito anos, a família se mudou para São Paulo. Marcos foi morar em Brasilândia, periferia de São Paulo.
O primeiro contato com um espaço de formação política aconteceu justamente após essa mudança para a capital, através da igreja católica.
“Tive uma participação grande na igreja, uma atuação com as comunidades.Fui entender algumas questões depois de construir um olhar para o trabalhador, para a população mais sofrida, entender que isso não era um acaso, algo sem interferência da organização da sociedade, entender que isso tinha como modificar, como construir”, explica Chagas.
A partir dessa gana de transformar a realidade ao seu redor, Marcos decidiu cursar Ciências Sociais, muito estimulado pela atuação na igreja. Alinhado com o desejo de sair do estado de São Paulo, em 2006, aos 23 anos, ingressou na UEL (Universidade Estadual de Londrina).
VIDA NA UNIVERSIDADE
Disposto a viver tudo que a Universidade tinha a oferecer, muito influenciado por sua visão romântica do movimento estudantil e da atuação universitária, que conheceu através de suas leituras na adolescência, Chagas iniciou muito empolgado o curso de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Londrina. “Fui muito animado com o curso, mas também muito animado com a vida universitária, no sentido político mesmo, de organização, de atuação”, relembra o professor.
“Militei na Universidade desde o dia que eu pisei nela até o dia que eu saí integralmente”, declara com firmeza. Marcos foi aluno do programa de permanência e residia em uma moradia estudantil, sediada dentro do próprio campus. Isso permitiu que ele pudesse estar presente em todos os locais ocupados pelos estudantes, e fazer parte dos diretórios, centros acadêmicos, do movimento estudantil, organizar-se politicamente. “Eu fazia e movimentava, agitava, organizava”. Ele recorda de chegar cedo, muito antes do horário das aulas, para ocupar o campus como quem reivindica um espaço de pertencimento. “Meu curso era à noite, mas eu chegava na Universidade às oito da manhã e vivia aquilo constantemente, todo dia, a todo instante. Era a minha vida”.
INÍCIO NA SALA DE AULA
Marcos decidiu que seu caminho natural seria a educação básica. “Nunca sonhei muito com a vida universitária de professor, acho que a educação básica, os desafios da educação básica são mais estimulantes”, afirma. A escolha não nasceu de uma idealização da escola, mas de uma convicção construída ao longo de sua formação: a de que a transformação social passa, necessariamente, pela juventude. “Os alunos nunca são o problema, eles são a potencialidade”, enfatiza. E é a partir dessa visão que ele ingressa no magistério.
A primeira experiência em sala de aula, porém, não foi simples, e Chagas descreve como “altamente traumatizante”, ainda no estágio. Ele conta que chegou à escola carregando expectativas formadas pela vida universitária, que logo se chocaram com a realidade. “Eu decidi que eu não ia dar aula por causa dessa experiência, porque eu também tinha uma visão muito romântica, muito idealizada. Depois eu fui entender melhor e fui pensar”. Compreendeu melhor o espaço da educação e como organizar sua participação, não desistindo da licenciatura. Iniciou a carreira em 2010, ministrando aulas na rede pública do Paraná, até que em 2012, após passar no concurso público, entra na educação básica da cidade de Bauru, onde atua até hoje.
MOVIMENTAÇÃO ESTUDANTIL E MESTRADO
Em 2015, movimentos importantes ganharam força na Educação em todo o estado, iniciados em 2014. Chagas participou, não como manifestante, mas como apoiador do grande movimento estudantil secundarista que se potencializou naquele ano. As ocupações das escolas, que repercutiram por todo o estado, mobilizaram mais de 200 colégios em protesto à proposta de reorganização escolar do governo Alckmin. “Estava ali como professor, estava próximo, estava participando com eles, sempre com essa preocupação de manter o que é a atuação, na manifestação deles. Sempre consciente do meu papel, eu sou um adulto, tenho formação e tenho uma relação de poder envolvida. Tive muito essa preocupação de não intervir, de garantir o apoio daquilo que está acontecendo”, relembra o docente.
As ocupações de 2015 também comprovaram, na prática, algo que Marcos já estudava desde a universidade: o forte controle do Estado sobre os grêmios estudantis. Durante o movimento, ficou claro que as representações formais da escola não eram motivadores da mobilização e, muitas vezes, nem tinham liberdade para isso. “A grande maioria não acontece por dentro do grêmio e em várias escolas o grêmio foi usado para ser contra as ocupações, a partir da direção da escola”, explica. Essa contradição vivida de perto se tornou o centro de sua tese de mestrado em sociologia, defendida em 2020 na Unesp Marília. “O grêmio é um funcionário da Secretaria de Educação para fazer suas pautas”, resume.“Eu vou percebendo um professorado mais conservador e os alunos mais abertos. Então, a minha atuação dentro da sala de aula acaba focando bastante no aluno e em suas potencialidades”, revela Chagas.

Marcos Chagas durante uma manifestação. Foto: Arquivo Pessoal
ATUAÇÃO NA APEOESP
Uma das primeiras coisas que o professor fez após assumir o concurso foi a filiação ao Sindicato dos professores. “A filiação foi algo de imediato. Com a minha atuação dentro da educação, fui ao mesmo tempo procurando caminhos para fazer essa atuação dentro do sindicato”, explica. Durante as ocupações de 2015, Marcos entendeu que seguindo sua coerência, precisava estar em uma organização para incentivar seus alunos a se organizarem. É difícil inicialmente, pois o sindicato é formado por grupos políticos. Motivado pelos atos dos estudantes, buscou integrar a direção do sindicato, na necessidade de fortalecer a luta pela educação.
Chegou à coordenação e direção da subsede de Bauru da APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), onde segue até hoje. Chagas comenta sua motivação para a atuação sindical: “entender a importância de estar organizado, da importância dessa organização e ser um exemplo para os próprios alunos. Fui para uma atuação mais efetiva dentro do sindicato, também porque eu acabei dentro do sindicato encontrando professores que tinham a mesma perspectiva da educação”.
DISPUTA ELEITORAL
Em 2024, Marcos Chagas se candidatou, junto com o vice Hilton Capoeira, à prefeitura de Bauru pelo Psol, em uma campanha independente que conquistou mais de seis mil votos. “A minha atuação política foi sempre coletiva, não individual”, complementa. A decisão de ser candidato pelo Psol foi construída em grupo e não foi apenas um projeto pessoal, mas a extensão de uma vida dedicada à organização coletiva e à luta por direitos.
Durante a campanha, Chagas destacou pautas ligadas à educação, à participação popular e à valorização dos trabalhadores. Embora não tenha conquistado a vitória nas urnas, sua presença no pleito ampliou o alcance de suas ideias e consolidou sua imagem como liderança política da cidade. Marcos enxerga o resultado como muito positivo. “Acredito que a gente tem uma tarefa histórica a ser feita. De se colocar, de manter viva a luta dos que vieram antes e conseguiram fazer as existências, conseguiram modificar a sociedade até aqui. No mundo da política não existe espaço vazio. Se você não está, alguém vai estar”, explica.
COERÊNCIA EM PRIMEIRO LUGAR
Para além de cargos, campanhas ou disputas internas, Marcos insiste que sua atuação política, dentro e fora da escola, só faz sentido se estiver ancorada em valores pessoais inegociáveis. “As ações, o seu discurso, a sua prática têm que estar sempre muito alinhados”.
Ao refletir sobre o futuro, Marcos evita previsões fechadas. Ele insiste que sua presença nos espaços públicos tem menos a ver com ambição e mais com responsabilidade histórica. A sua decisão é defender pautas ligadas à educação, à juventude e aos direitos sociais, e não se vê longe da educação básica.
No fim, sua trajetória não é apenas sobre disputar espaços, mas sobre ocupá-los com sentido. Marcos segue insistindo no princípio que sustenta tudo o que faz: primeiro ser coerente; depois, todo o resto. “A coerência ensina mais do que a fala”.
