Entre os dias 15 e 30 de outubro, o evento exibirá mais de 370 filmes de mais de 80 países, além contar com a presença de artistas como Wagner Moura e Maurício de Souza

Por: Victor Hugo Aguila

49ª edição da Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo (Foto: Arquivo Pessoal)

No início do século XX, o pensador e crítico de cinema italiano Ricciotto Canudo definiu a cinematografia como a “sétima arte”, uma vez que essa engloba diversas outras formas de expressão artística, como a música, a arquitetura, a dança e a literatura. Imersivo e completo, o cinema cria uma experiência única ao espectador e, fundamentalmente, permanece relevante até a contemporaneidade.

Atualmente, a indústria cinematográfica brasileira possui papel primordial no que tange à aspectos socioculturais e políticos, além de impulsionar fortemente a economia do país. Como expoente expressivo, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo ocupa um lugar de destaque e de relevância nessa forma de artisticidade. 

Criada em 1977 por Leon Cakoff, crítico de cinema armênio-brasileiro, a Mostra surgiu motivada pela comemoração dos 30 anos do Museu de Arte de São Paulo (MASP). Devido às políticas de controle instauradas durante a Ditadura Militar no Brasil, as primeiras sete edições do evento sofreram com a censura e repressão de seu conteúdo. 

Após ser desligada do museu em 1984, a Mostra instaurou um processo contra a União, reivindicando o direito de exibir filmes selecionados sem censura prévia. Apesar de ter vencido a causa, a programação da 8ª edição foi suspensa em sua primeira semana por quatro dias. Nesse período, os censores do governo assistiram todos os filmes a serem apresentados no festival. 

A partir de 1985, com o fim do Regime Militar, a portaria assinada por Fernando Lyra, então Ministro da Justiça, estabelecia que os filmes não precisariam passar por essa análise prévia, ato esse que se estendeu por todo território nacional. Assim, foi realizada a 9ª edição da Mostra Internacional de Cinema. 

Hodiernamente, a Mostra encontra-se em sua 49ª edição, exibindo mais de 370 filmes de 80 países diferentes. Como um forte polo cultural do Brasil, a cidade de São Paulo abarca mais de 50 salas de cinema e espaços culturais, tornando a capital paulista um ponto de encontro para amantes dessa forma de arte.  

Ariene Aparecida (24), paulistana e uma das protagonistas do filme “Dolores”, que integra a seleção de 85 títulos nacionais do festival, informa sobre a importância do evento: “A Mostra é um lugar muito acessível de assistir filmes, principalmente para pessoas que vêm da favela, como eu, e que são apaixonadas por cinema. A gente consegue ver filmes que estão aparecendo nos maiores festivais do mundo e filmes antigos também. É um grande acesso que temos na cidade de São Paulo”. 

Celebrando seu trabalho, a artista esteve presente na primeira exibição do filme, que ocorreu em 19 de outubro, no Espaço Petrobras de Cinema. Junto a ela, o restante do elenco, além de sua produção e direção, também marcaram presença. “‘Dolores’ estar aqui é muito especial pra mim, porque é o maior longa-metragem que eu já fiz até então. Estar na minha cidade, com as pessoas que eu amo, com a minha família e amigos, é uma das coisas mais emocionantes que já vivi na vida. Eu estou muito feliz”, comemora. 

A atriz interpreta Duda, uma jovem residente da periferia de São Paulo que, ao acreditar nas promessas de ir morar nos Estados Unidos feitas por seu chefe, acaba envolvida em um esquema de tráfico de armas. Para Ariane, a personagem “é um retrato muito justo e muito cuidadoso em relação ao que nós somos, o que pensamos e o que queremos. A Duda é humana, intensa e verdadeira. Ela é real”. Ainda, ela aponta sua importância social: “Muitas vezes somos injustos com a imagem que criamos das jovens periféricas dentro do audiovisual. Acredito que ela seja realmente um grito de meninas pretas e faveladas”. 

Além de Duda, o filme é majoritariamente composto por personagens femininas. Ao lado de Ariane, atrizes como Carla Ribas, Naruna Costa, Gilda Nomacce e Zezé Motta integram o elenco. Para a jovem, esse é um dos fatores que chamam sua atenção: “Você consegue encontrar como são retratadas mulheres de um jeito que não é muito óbvio dentro do cinema, através de um olhar que não é sexualizado ou em um lugar subalterno. Todas as mulheres são deslumbrantes, são gigantes e possuem uma voz muito forte dentro do filme”.

Para além da representatividade diante das câmeras, a produção e direção do filme também é composta por mulheres. Dirigido por Maria Clara Escobar e Marcelo Gomes, e produzido por Sara Silveira, Eliane Bandeira e Maria Ionescu, Ariane discorre elogios para suas colegas de trabalho: “Isso não seria possível sem a Maria Clara Escobar, diretora do filme, sem a Joana Luz, diretora de fotografia, sem a Sara Silveira na produção. Acho que tudo isso faz com que o filme tenha uma presença feminina muito forte. Isso é muito legal”. 

Ainda, ela aborda sobre como o filme representa muitas realidades brasileiras: “O Brasil tem uma energia feminina muito forte. As nossas famílias são famílias femininas. Acredito que tenha isso também, ser uma família composta por mulheres na periferia de São Paulo. O filme é muito bonito nesse sentido”. 

O cinema como motor da economia criativa

A indústria cinematográfica representa uma contribuição significativa para novos imaginários acerca da cultura e da política. Ao destrinchar temas relevantes nas telas, é aberta margem para a discussão dessas pautas em outros campos e, assim, esse âmbito se torna um combustível para a transformação social. 

Ainda que sua contribuição sociocultural seja expressiva, o cinema também possui destaque no que tange à economia brasileira, gerando renda e oportunidades para diversas parcelas da população.

Segundo o estudo “A Contribuição Econômica da Indústria Audiovisual do Brasil em 2024”, realizado pela Oxford Economics, o setor audiovisual movimentou mais de R$ 70,2 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2024. Além desses dados, que foram divulgados no dia 8 de outubro deste ano, foi informado também que essa esfera foi responsável por gerar mais de 600 mil empregos, seja de maneira direta, indireta ou induzida.

De acordo com o relatório da instituição britânica, o número de trabalhadores empregados na área supera em mais da metade o total de funcionários de empresas automobilísticas. Em entrevista à Variety, Andressa Pappas, diretora-geral da Motion Picture Association (MPA) no Brasil, afirmou que “é uma indústria com um efeito multiplicador notável em relação a outras indústrias”.

Sara Silveira, produtora de cinema brasileira, durante a exibição de seu último projeto, o filme “Dolores”, na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, fez um pedido aos órgãos reguladores do financiamento audiovisual no Brasil: “É um apelo à Ancine, ao Ministério da Cultura e à Secretaria do Audiovisual: tenham atenção com seus editais. Que sejam melhores e mais elaborados. Pensem em toda a cadeia, inclusive, na economia participativa. Há dinheiro para todos os setores e todos os gêneros. Pensem sobre isso”. 

Ainda, ela informou sobre o papel educador que o cinema possui no Brasil: “Escutem o que temos a dizer, pois somos nós que fazemos filmes e somos nós que estamos formando a indústria do cinema brasileiro. Nós estamos diversificando e educando este país”. 

Além disso, durante seu discurso, a artista evidenciou como as produções de filmes possuem um impacto mútuo: “Esse filme, que estamos aqui representando, é de porte médio. E eles precisam ser feitos, pois são a base para que filmes como ‘Ainda Estou Aqui’ cheguem ao Oscar”. 

Ao fim da exposição, a produtora agradeceu à Mostra e informou a importância desses eventos para a indústria do cinema: “É uma oportunidade para o nosso filme estar nesse lugar, que é um lugar de fala. Sempre digo que os festivais servem de plataforma para dizer coisas, principalmente para nós, produtoras. Estamos sempre atrás das câmeras, e para nos ouvir, temos que gritar muito alto. Muito obrigada”. 

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