Rapper comenta retorno à música após hiato de quase 20 anos e suas percepções sobre a cena do rap nacional contemporâneo
Por André Aguiar
No domingo (19), a comunidade entusiasta do hip hop em Bauru recebeu um dos precursores da cena no palco da Semana Hip Hop Origens do Circuito Paulista de Hip Hop, o rapper Xis. O artista foi a atração final do evento promovido pelo instituto Acesso Popular, que contou com a participação de artistas locais e outros nomes de maior alcance, como o grupo Realidade Cruel, Afro-X do grupo 509-E, Jovem MK, revelação da cena nacional, e o próprio Xis.
A Semana Hip Hop Origens iniciou na quinta-feira (15) com atividades voltadas à cultura hip hop em toda a cidade de Bauru. Desde práticas de graffiti à batalhas de rima, o evento chamou a atenção da comunidade e, no domingo de encerramento, lotou a Villa Rondon que, além dos shows, cedeu espaço à Perifeirinha e à exposição de graffiti, ambas com empreendedores e artistas da região.
No palco principal, a última atração do dia foi comandada por Xis, o nome artístico de Marcelo dos Santos, veterano na cena e que levou o público em uma jornada pelos seus maiores sucessos, transportando-o diretamente ao final dos anos 90, não só através da música mas com o mesmo espírito coletivo da rap na época. Espectadores de diferentes idades tiveram a oportunidade de conferir uma apresentação envolta por nostalgia e rap nacional de qualidade.

Apesar de provar o contrário em seu show, Xis revela ainda enfrentar certa dificuldade em dialogar com sua audiência mais jovem. Em 2023, o ex-integrante do grupo DMN fez seu retorno à música com o álbum “Invisível Azul” após quase 20 anos sem lançamentos. “Eu fiquei quase duas décadas sem lançar um disco”, comenta. “Tô trampando pra chegar nessa molecada nova pela primeira vez e tentando chegar no meu público de novo”.
Mesmo sendo um desafio, o artista percebe que a relação com o público jovem nos shows vem de um lugar bastante cortês. “Eu vejo muito respeito da molecada mais nova, tá ligado? Já encarei a audiência que você vê quando vai ter um artista mais novo tocando depois”, diz. “Eu vejo muito respeito, de ficar olhando assim, com atenção, de ver a postura no palco que é diferente de hoje, né? E vejo depois do show, a molecada vem trocando ideia: ‘Pô, mano, meu pai curte seu som, minha mãe curte seu som’. A interação é sempre muito boa”.
Xis deu largada ao show de encerramento da Semana Hip Hop Origens em Bauru com “Tudo por Você Também”, faixa que atualmente ocupa o primeiro lugar entre as mais populares em seu perfil no Spotify. A letra, que traz as reflexões do rapper após um primeiro contato com a fama no início dos anos 2000, também traduz as motivações do artista no show, que promete “te dar o melhor”, e de fato o faz, pela próxima hora.
Acompanhando o rapper no palco e mantendo a energia arrebatadora do show, estavam os dançarinos Denão e Mavi e o DJ Batata Killa. Sobre sua relação profissional com esses artistas mais novos na cena, Xis reflete: “A minha relação é mais de parceria com MC, com DJ, o pessoal que cola comigo. A Mavi, por exemplo, vai fazer 20 anos amanhã (20). O Denão e o Batata Killa são caras novos também, que estão ali com seus 30 anos de idade”. No palco, o quarteto vive uma química inimitável, que é visivelmente fruto de uma compreensão profunda não só do catálogo, mas da artisticidade de Xis.

O hit “Us Mano e as Mina” não ficou de fora! A canção que marcou a virada na carreira de Xis em 1999 evoca o espírito coletivo do hip hop na zona leste de São Paulo. “Us Mano e as Mina” aproximou o nome de Xis das paradas da época e é, até hoje, emblemática em seu trabalho solo na música. No show em Bauru, a roda de break ao som da faixa e o mosh pit durante “Chapa o Coco”, música seguinte, foram os pontos altos de engajamento do público na apresentação.
Embora não muito extensa, a discografia de Xis está repleta do melhor dos anos iniciais do rap nacional: samples envolventes, rimas inteligentes, temáticas periféricas e senso de coletividade. O rapper reflete sobre como era viver a cultura Hip Hop em comunidade no começo: “Nos anos 80 a gente tinha as posses, em que a gente se reunia para trocar informação, trocar zine. Até pela dificuldade de você ter material, de você ter um VHS, vinil, livro. Eu acho que isso diminuiu bastante.”
Ao mesmo tempo, o artista reconhece que o hip hop ainda vive uma realidade coletiva, mas que se manifesta de formas diferentes. “É muita gente fazendo grafite, dançando. E são muitos grupos de rap, muitos DJs. Você tem grupo de rap de todas as vertentes, evangélico, de matriz africana, de protesto”, comenta Xis. “Acho que a cultura hip hop como um todo e o próprio rap continuam muito na base ainda. É uma alternativa de arte, de entretenimento, de ativismo pra muita gente. É um motivacional vivo, tá ligado?”

Quando questionado sobre quais nomes da cena nacional atual mais chamam sua atenção, Xis tem uma lista pronta escrita em mente: “Gosto de Major RD, Putodiparis. Gosto da frente da AJULIACOSTA e das minas. Aisha, Bivolt, Clara Lima, tem muita gente boa”, diz o rapper.
Após passar por sucessos como “Vai e Vem”, “Só por Você” e “Segue a Rima”, Xis encerrou o show com duas faixas significativas em sua carreira: “Sonho Meu” e “A Fuga”, as mais pedidas pelo público e duas músicas que remetem diretamente ao contexto de periferia de onde veio o rapper. Marcelo é da Cohab 2, zona leste de São Paulo, e desde o seu primeiro álbum solo, “Seja Como For” (1999), utiliza sua plataforma como instrumento de denúncia da sua realidade na periferia paulista.
Em 2025, a comunidade do rap nacional assistiu a casos de censura de muita repercussão na mídia, como as situações envolvendo Oruam e o MC Poze do Rodo, ambos acusados de “apologia ao crime” por seu trabalho. Sendo uma voz influente na cena há tanto tempo, Xis compartilha o que pensa sobre a retaliação contínua que o hip hop sofre por ser um gênero periférico e dominado por artistas negros.
“Por mais que a gente tenha conseguido, em alguns momentos, ter liberdade para falar, pensar, atuar, colaborar com a sociedade, sempre teve a galera querendo oprimir”, afirma. “A gente precisa estar atento para criar formas de proteção e não aconteça o que aconteceu com o Poze, Oruam, o Realidade Cruel, o que aconteceu com o Facção Central, 509-E, MRN. Com tantos artistas que foram boicotados, não só do hip hop, da MPB também, do samba e de qualquer estilo de arte. Não dá pra achar que tá tudo tranquilo”.
Os últimos minutos do show foram marcados pelo público cantando em coro o refrão de “A Subida do Morro” dos Originais do Samba, música utilizada como sample em “A Fuga”, de Xis, e encerrando a apresentação num tom divertido e nostálgico, sem saudosismo, de consciência e bom gosto.
