Os especialistas acreditam que para pensarmos em uma mudança massiva para a vida de toda a população e o rumo da vida no planeta, a agroecologia é uma das saídas e sem ela não conseguiremos avançar
Por Gabriela S. Conceição e Leticia Aguilar

Em tempos de colapso ambiental é inadiável pensar uma alternativa capaz de mitigar os danos da agroindústria no Brasil. Apoiar e mobilizar práticas agroecológicas podem ser uma das ações capazes de reduzir os estragos causados pela exploração do país com a maior biodiversidade de espécies, ecossistemas e complexos ecológicos do planeta. 

A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) tem sido a ponta de lança para a promoção de pesquisas, projetos e políticas públicas que ampliam um agroecossistema sustentável. Combinando as reflexões coletivas extraídas das experiências apreendidas através da prática agroecológica realizadas pela agricultura familiar, pelos povos tradicionais, e em constante articulação da soberania das mulheres rurais . 

O sistema agroalimentar hegemônico, desde o plantio até a chegada na mesa do consumidor, está entre os principais fatores das mudanças climáticas no Brasil. De acordo com dados do Observatório do Clima de 2021, a atividade agropecuária corresponde a 74% de toda a poluição climática nacional. 

Emissões de gases de efeito estufa do Brasil de 1990 a 2021 | Fonte: Observatório do Clima

A definição de agroecologia é um conceito em construção, apesar de ser uma prática milenar, que relaciona as atividades desenvolvidas na relação ser humano-natureza. Ou seja, transpassa um conjunto de interações, como as relações de gênero, a reforma agrária, a questão dos agrotóxicos e transgênicos, combate ao racismo ambiental e social, demarcação das terras indígenas. A agroecologia busca garantir a soberania alimentar da classe trabalhadora através de um cultivo sustentável e justo dos alimentos.

A agricultura agroecológica integra todas as etapas da produção, então o solo, o cultivo, a distribuição e o consumo são compreendidos durante o processo. Em contradição ao agronegócio, ela potencializa a sociobiodiversidade, prezando pela rotação e diversidade do cultivo, o respeito à terra e às nascentes e pelo agricultor. 

A professora do departamento de Zootecnia e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de Santa Catarina, Marília Gaia, destaca o caráter científico e prático da agroecologia. Para ela, é um sistema que assimila o avanço tecnológico e as práticas milenares, e é prático, já que seu conceito surge na academia, mas sua execução não. 

Marília Gaia | Foto: Divulgação

“É política porque ela não vai ser plena nesse modelo socioeconômico do capitalismo, no sentido de questionar os rumos do desenvolvimento da industrialização, do acesso às pessoas à terra e à comida”, destaca a especialista sobre a agroecologia ser ciência, prática e movimento político. 

“Ela não é só um jeito de agricultura, porque ela também vai falar de outras relações sociais de produção no campo, e essas outras relações vão dizer sobre a inclusão de gênero, da diversidade geracional que está presente no campo e que precisa ser respeitada. A relação ser humano-natureza que a agroecologia propõe é uma dessas formas que a gente precisa assumir para frear um pouco o nosso modo de vida capitalista, que acabou criando uma falha na relação metabólica entre o ser humano e a natureza”, destaca Marília sobre a relevância da agroecologia em tempos de crise climática e ambiental. 

A agroecologia vem para nos recordar que também somos parte do ecossistema. Ela é um “estojo” de ferramentas que nos oferece muitas maneiras de acessar a natureza de uma forma sustentável. Existe uma preocupação com a forma que o alimento foi cultivado, por quem foi cultivado, com o trajeto percorrido até a comercialização, que faz o cuidado com o meio ambiente ser parte essencial de todo processo, valorizando uma cultura agrícola que cuida da terra. 

Marília destaca que “não basta produzir orgânico se os trabalhadores e trabalhadoras estão em alguma situação de trabalho análogo ao escravo, por exemplo”. A agroecologia, para ela, não é só um modo de agricultura e “não é suficiente fazer um entendimento de agroecologia como sinônimo de produção orgânica de alimentos”, envolve uma relação entre o ser humano e a natureza.

A agroecologia não assume uma lógica de mercado, seu objetivo é garantir a alimentação das famílias brasileiras, assim, sua distribuição é feita por comercialização direta em circuitos curtos, como feiras ou programas do governo – Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), por exemplo. A dificuldade de comercialização de alimentos agroecológicos está na sua operacionalização, através de políticas públicas que facilitem sua produção, logística e certificação.

Os programas governamentais são falhos, e em sua maioria não garantem a distribuição desses alimentos. “Cria-se a ideia de que o agroecológico é um nicho e de que ele deve ser consumido só por pessoas com poder aquisitivo alto, o que não é verdade. A produção às vezes tem um custo tão parecido quanto o convencional, porém na hora de pagar pelos tributos, o convencional não vai pagar e o agroecológico vai”, elucida o engenheiro agrônomo Lucas Ribeiro.

Lucas Ribeiro | Foto: Divulgação

O especialista ainda ressalta que a produção agroecológica passa por uma fiscalização e uma burocratização mais rígida, já que é uma alternativa aos moldes tradicionais. Assim, sementes orgânicas possuem um custo mais alto, o agricultor agroecológico também é fiscalizado e esses trâmites tornam a cadeia de produção e relações mais complexas. 

Além disso, as políticas públicas corroboram com o afastamento da transição da agricultura convencional para a ecológica, uma vez que, a isenção de taxas de impostos aos agrotóxicos e agroquímicos cristalizam a infraestrutura agroindustrial, apoiadas por uma das maiores bancadas do Congresso Nacional.

Mecanismos do governo para beneficiar o Agronegócio
A Frente Parlamentar da Agropecuária é uma das bancadas mais expressivas e é responsável por articular projetos em busca de superlucros, além de fomentar a devastação dos povos tradicionais, esgotando as dinâmicas do ecossistema e ampliando as desigualdades da sociedade. 

Os pilares que sustentam essa bancada são os interesses do agronegócio, que infringem a lei e têm dinâmicas de trabalho exploratórias, assim a relação com a natureza é de esgotamento máximo. Suas políticas promovem o fortalecimento dos interesses dos latifundiários em detrimento das péssimas condições de vida dos trabalhadores. 

Lucas exemplifica a situação de consolidação da agricultura convencional ao falar dos produtos identificados como agroecológicos nas prateleiras do mercado. O engenheiro agrônomo critica o fato de termos tantos produtos produzidos com agrotóxicos e não serem identificados, enquanto os alimentos adequados para o consumo recebem selo de identificação e fiscalização. “Existem muitos mecanismos políticos que evitam isso (a transição para a agroecologia)  e a gente tem uma bancada ruralista, mas não tem uma bancada agroecológica. Então, o entrave muitas vezes fica dentro de um aspecto não financeiro, mas político de como criar essa estrutura financeira. Até porque o gasto com o agrotóxico é muito grande no Brasil”, pontua ele. 

A professora do departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), Larissa Bombardi, é a pesquisadora responsável por descobrir a geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e engendrou um debate extremamente relevante em seu livro “Agrotóxicos e Colonialismo Químico”. Sua pesquisa foi capaz de demonstrar que os venenos utilizados no Sul Global são, majoritariamente, produzidos pelo Norte Global, evidenciando as dinâmicas coloniais de poder sobre os países periféricos. 

A pesquisa do Atlas dos Agrotóxicos, feita em 2020, evidencia as relações apresentadas por Bombardi. As principais intoxicações por agrotóxicos ocorrem no Sul Global. 

Fonte: Atlas dos Agrotóxicos pela Fundação Heinrich Böll Stiftung, 2024.

A urgência de transformar o sistema capitalista de produção
É um ciclo interminável, a terra é prejudicada pelos venenos, então, faz-se necessário o uso de mais venenos para que o solo possa ser cultivado. Os danos causados pelos agrotóxicos são diversos, já foram noticiados em veículos de grande circulação casos de malformação de bebês, abortamento espontâneo, a contaminação dos rios e dos solos -interferindo nas relações dos ecossistemas-, além de afetar e contaminar comunidades indígenas. 

Os biomas brasileiros são constantemente degradados e a emergência climática se intensifica. Os fertilizantes, utilizados de forma exacerbada, emitem gases do efeito estufa. A cadeia de problemas é catastrófica e age em contraponto à mitigação da crise ambiental, enquanto as decisões no Congresso Nacional consolidam a expansão da agricultura convencional. 

A criação de Projetos de Lei como o “PL do Veneno” e o “PL da Devastação” – uso indiscriminado de veneno no agro, e visa proibir o uso da palavra agrotóxico para o uso da palavra defensivo agrícola, e o projeto de flexibilização do licenciamento ambiental, respectivamente -, evidenciam os mecanismos responsáveis por potencializar as políticas públicas que dialogam com a exploração predatória do meio ambiente. 

Durante o governo de Michel Temer e de Jair Bolsonaro, o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) foi extinto, reafirmando os desejos da bancada ruralista de invisibilizar as agriculturas alternativas ao sistema vigente. A extinção do MDA é um exemplo de viabilização do desmonte social e econômico de outros tipos de agricultura no campo. 

As isenções de impostos das multinacionais do agro impedem que ocorra uma transição do modelo agrícola convencional, para um que desmate e degrade menos o meio ambiente. O agronegócio ultrapassa o setor econômico, e está presente em investimentos da indústria cultural que consolida seus valores e significados através de propagandas e produtos, como as músicas sertanejas exaltando o poder do agro. 

A agroecologia surge para contornar a devastação provocada pelo agronegócio e pela agricultura convencional, quanto mais complexos e diversificados os ecossistemas, maior será a resistência das espécies. Com as mudanças climáticas, a capacidade de resiliência da agroecologia é maior. 

“Um exemplo que não é real, mas que a gente pode tentar usar para entender, são as enchentes no Rio Grande do Sul. O Rio Grande do Sul é um grande produtor de arroz. O arroz é irrigado, então, ele fica sempre submerso na água. Entretanto, na situação de enchente, o solo, a estrutura dos nutrientes químicos alterou-se completamente. Então, aquele arroz que todo mundo plantava, talvez não dê para plantar. O arroz é a base da alimentação brasileira, assim a gente não pode deixar de produzir esse alimento de uma hora para outra. Se temos vários tipos de arrozes, como o arroz vermelho, arroz carioca, arroz crioulo, possivelmente algum deles vai se adequar a uma nova realidade de transição (climática)”, observa Lucas. 

O mapeamento inédito feito pela Articulação Brasileira de Agroecologia (ANA), mostra que os impactos das mudanças climáticas sobre as produções agroecológicas são alarmantes. Em 56,3% e 48,1% das experiências, respectivamente, apresentam um cenário de insegurança alimentar e nutricional devido à diminuição da quantidade de alimentos disponíveis e da qualidade alimentar.

A agroecologia contempla a sociobiodiversidade integralmente em suas práticas, garantindo que para além da sustentabilidade seja contemplada a conservação e convivência com a terra. Ao renunciar o agronegócio surgem as possibilidades de preservar os territórios, mananciais, sementes crioulas – aquelas utilizadas e armazenadas por comunidades tradicionais, agricultores familiares e comunidades indígenas. 

Quintais produtivos como alternativa ao agronegócio
Diante de um cenário onde os interesses públicos favorecem o modelo de produção em larga escala, a monocultura e o uso marcante de agrotóxicos, surgem os quintais produtivos. Essas pequenas áreas de fins agrícolas e de produção sustentável demonstram que é possível garantir soberania e segurança alimentar, além da geração de renda como alternativa ao agronegócio.

Os quintais produtivos são áreas multifuncionais, presentes em grande parte na agricultura familiar nos arredores das casas, que integram hortaliças, pomares, pequenas criações de animais que auxiliam na compostagem, plantas medicinais e todo elemento que ajude a conquistar independência de mercados externos para as famílias. 

A agroecologia está presente nas técnicas de plantio, envolvendo a policultura, o uso de adubos orgânicos produzidos no local, a rotação de culturas para o cuidado com o solo e controle de pragas, e a preservação dos recursos naturais. Além disso, os vínculos das pessoas com os animais e plantas nos quintais produtivos se tornam mais fortes, reforçando a ideia da agroecologia ser uma prática desenvolvida entre a relação do ser humano e a natureza.

De acordo com Marília, os quintais atuam diretamente com a prática agroecológica porque tudo aquilo que é produzido, é consumido pela família antes de ser comercializado, o que garante que o alimento seja de qualidade e promova a saúde do grupo familiar. Ela afirma não ver a possibilidade de “um quintal produtivo não dialogar com toda a proposta da agroecologia, no sentido de ser a base para garantir a segurança e a soberania alimentar de uma família ou de um conjunto de famílias”.

A professora também pontua que “se a agroecologia é pensar na saúde, na diversidade, na abundância do ambiente e no conjunto dos seres vivos, os quintais vão dialogar com essa possibilidade de saúde, de acesso a alimento, de autonomia da família e de segurança alimentar”.

Luta das mulheres por políticas públicas de apoio 
Embora os quintais produtivos garantem estabilidade e capacidade produtiva para as famílias, ainda é necessário políticas públicas de desenvolvimento. As mulheres são, majoritariamente, as responsáveis pela organização do local e da produção, e para conquistar o reconhecimento dessa atividade e visibilidade política, foi necessária uma grande pressão dos movimentos sociais. 

Um exemplo de grande importância dessa mobilização é a Marcha das Margaridas, que se constitui como um dos maiores atos políticos de mulheres trabalhadoras do campo, da floresta e das águas. A Marcha é coordenada pelas mulheres da Confederação Nacional de Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), pelas 27 Federações de Trabalhadores na Agricultura (FETAGs) e pelos mais de 4 mil Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs), contando ainda com a parceria de várias organizações femininas.

O objetivo da Marcha é garantir às mulheres o reconhecimento de sua contribuição econômica, política e social. Elas lutam contra a desigualdade de gênero e pelo desenvolvimento rural sustentável para garantir a segurança alimentar e ambiental.

Em resposta às reivindicações desse movimento, foi criado o Programa Quintais Produtivos das Mulheres Rurais durante o período do governo Lula, em 2023. O projeto busca fortalecer a produção agroecológica nos quintais, com alimentos saudáveis que assegure a segurança alimentar e nutricional, promover autonomia econômica às mulheres rurais, incentivar o cooperativismo e a troca de saberes, ampliar o acesso a tecnologias de abastecimento e manejo de água, e estimular a geração de renda. 

Valdenise Gomes, uma ativista do movimento social das Margaridas, reforça a importância do quintal produtivo para as mulheres: “Eu também trabalho com artesanato e participo de um coletivo de mulheres artesãs, e nele eu vi a necessidade da mulher sair de dentro de casa para ir ao encontro de outras. Os quintais foram a forma mais prática de fazer isso acontecer, principalmente porque eu moro em uma área rural”.

Valdenise Gomes | Foto: Divulgação

A ativista enfatiza sobre a importância da presença feminina nos quintais e nos espaços políticos: “O quintal é um espaço que acolhe as pessoas; você planta sonhos e ele floresce. Envolve uma questão de fortalecimento político, onde você pode tomar seu lugar de poder político, social e cultural. A busca é conscientizar politicamente as mulheres”.

Além do empoderamento feminino, os quintais são essenciais para que a família e a população local tenham acesso a uma alimentação saudável. Valdenise informa que houve muitos casos de mulheres com câncer na comunidade e acredita que a alimentação de má qualidade pode ter sido uma das causas para o surgimento da doença. “Nós não chegamos no consenso que era só achar uma comida barata, ou ter acesso a essa comida. Era uma questão de insegurança alimentar; então, o que restou para a gente não consumir alimentos nocivos foram os quintais”, afirma ela. 

Valdenise denuncia que a carcinicultura – atividade que se dedica à criação de camarões em cativeiro – tomou os locais onde a comunidade desenvolvia a cultura alimentar, como as plantações de mandioca. Dessa forma, os quintais foram alternativas importantes para a continuidade dessa prática. 

Com o quintal produtivo, Valdenise conseguia adquirir a “mistura” através da prática do escambo já que, às vezes, não tinha dinheiro suficiente no mês. Assim, realizava a troca de produtos, como, por exemplo, trocar dois maços de cheiro verde e dois coco por uma quantidade de peixe. Atualmente, toda sua renda provém do quintal, seja com artesanato ou com a venda de produtos alimentares. 

A prática agroecológica também é fortemente usada em seu cultivo. Ela precisou fazer a recuperação do solo porque, antigamente, as pessoas queimavam lixo no local onde hoje é seu quintal. Ela faz o reaproveitamento do coco, usa adubo orgânico produzido no local, não utiliza nenhum tipo de material que pode levar muito tempo para se decompor e o controle de pragas é natural (não aplica agrotóxicos). “Você vai morrer, mas a terra fica, né?”, brinca Valdenise.

Os entraves para a transição da agricultura agroecológica 
O projeto de apoio, exemplificado pelo Programa Quintais Produtivos das Mulheres Rurais, representa um progresso crucial na luta a favor da agroecologia. No entanto, ainda existe o desafio da transição da agricultura convencional para um modelo agroecológico em larga escala. 

De acordo com Gaia, essa dificuldade se dá devido ao sistema socioeconômico atual. Ela explica que a agroecologia “não tem como ser plena dentro do capitalismo, porque não interessa ao capitalismo que a classe trabalhadora coma alimento orgânico com qualidade e tenha diversidade alimentar todos os dias, pois isso vai dar menos lucro para os grandes mercados”. 

A especialista também pontua que “há toda uma movimentação política na liberação de recursos, na liberação de agrotóxicos e nos incentivos para a agricultura convencional que não atingem a agricultura camponesa e/ou familiar”. 

A transição para um plantio sustentável não exige um grande desenvolvimento tecnológico, pois é possível trabalhar com as técnicas e os maquinários já existentes nas grandes lavouras ou em espaços da agricultura familiar. Marília afirma que “tem muito equipamento altamente tecnológico e que pode dialogar com a proposta da agroecologia no sentido de serem equipamentos que não vão compactar tanto o solo, que serão menores, mais leves, e que ainda assim vão facilitar o trabalho humano”. Contudo, ainda é necessário a criação de novas políticas públicas para que os pequenos agricultores consigam ter acesso às tecnologias, aos maquinários e aos conhecimentos.

“Acho que a gente não precisa inventar novas formas de produzir, mas também não estamos falando de voltar aos tempos primórdios de produção”, diz ela. 

No entanto, a adoção de maquinários e de tecnologia pode levar ao afastamento da dinâmica agroecológica. Lucas explica essa visão: “Hoje em dia, a agricultura familiar está muito parecida com os latifúndios, só que numa versão reduzida”. O especialista exemplifica com a ideia de que os filhos vão para as universidades ou outros espaços e voltam com o desejo de mecanizar e reduzir o trabalho. Como consequência, “isso, muitas vezes, acaba levando a agricultura familiar para um outro lado”, conclui ele. Portanto, a adoção de técnicas mecanizadas, focadas apenas na redução do esforço físico e sem integrar os princípios sustentáveis, pode fazer com que a agricultura familiar reproduza práticas negativas do agronegócio. 

A transição para agricultura agroecológica em grande escala pode ser um processo demorado e de difícil execução devido aos fatores aqui citados, mas é possível ajudar na mudança em pequenos passos. Gaia aconselha a população a assumir uma outra visão de consumo e de valorizar, conhecer e apoiar outros alimentos e experiências da produção orgânica e agroecológica.

Raízes esquecidas: agricultura indígena e quilombola
Os princípios da agricultura agroecológica não são recentes; na verdade, eles se baseiam em práticas de povos tradicionais como os indígenas e os quilombolas. Ao longo dos anos, essas comunidades demonstraram que é possível produzir alimentos sem sacrificar o meio ambiente, aprendendo a adaptar as práticas do cultivo ao clima, respeitando os ciclos naturais, reaproveitando o máximo de elementos e valorizando a vida. Para os especialistas entrevistados, as práticas ancestrais são invisibilizadas mesmo que sejam a base do conhecimento atual. 

De acordo com Lucas, “a agroecologia ajuda a gente a avançar muito na questão ambiental, mas ao custo de invisibilizar muitas agriculturas de sustentabilidade que também existem”  o que acaba sendo contraditório, visto que a “a agricultura indígena e quilombola, são muito maiores do que a agroecológica”, pontua ele.

Para Marília, observar as práticas das gerações anteriores é muito importante. Para contextualizar, a professora traz um exemplo: “não tem um grande problema de infestação de formiga numa floresta, mas infestação de formiga é um grande problema numa horta”. Ela também questiona: “Por que aqui é um problema e não é lá?”. 

Ignorar essas técnicas é negligenciar as pessoas que possuem o conhecimento original e compactuar com a invisibilidade dos saberes dos povos tradicionais. Lucas afirma que “as pessoas conhecem muito mais agricultura orgânica do que agroecológica, porque a agroecológica está um pouquinho mais perto desses perfis marginalizados, mas ainda não são eles”.

Uma esperança para o futuro 
A adoção dos quintais produtivos indica um caminho promissor para a agricultura sustentável. Essas pequenas áreas se revelam verdadeiras oficinas de segurança alimentar apoiadas pela teoria da agroecologia. Através da ciência, da prática e da política, os quintais comprovam que é possível produzir alimentos saudáveis, gerar renda e garantir a independência de mercados externos, como mostra a experiência de mulheres como Valdenise.

Entretanto, ainda há uma grande luta pela frente: a transição em larga escala para a agricultura agroecológica. O governo ainda está dominado por uma visão capitalista, priorizando o lucro em detrimento do acesso a alimentação saudável e nutritiva. Portanto, a busca por esse direito depende de nós. 

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