A porta de entrada para o primeiro emprego, para o desenvolvimento profissional e pessoal

Por Alex Iarossi

A Lei da Aprendizagem foi promulgada no ano 2000 (Lei nº 10.097/2000). Desde então, jovens e adolescentes do país encontram nela uma oportunidade que permite o acesso ao mercado de trabalho de uma forma que consiga conciliar a escola e o emprego. 

De acordo com a legislação, empresas de médio e grande porte devem, obrigatoriamente, contratar aprendizes com contrato predefinido de até, no máximo, dois anos. Os contratados são registrados de acordo com o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com direito a 13º salário, férias e FGTS.

O programa de aprendizagem

Em Bauru, em um bairro denominado Vila Carmem, se encontra a sede da Rede de Assistência Social Cristã (RASC). A instituição foi fundada em 1992 com a iniciativa de oferecer abrigo e serviço de acolhimento a crianças e jovens abandonados. Entretanto, com o passar do tempo, surge a ideia da criação dos programas de aprendizagem com dois objetivos. 

Entrada da Rede de Assistência Social Cristã (Foto: Alex Iarossi)

“O primeiro objetivo é de ter fontes de recursos para poder melhor atender o abrigo. E o segundo é dar oportunidade para os jovens. Desde então, desde 97, a RASC vem dando oportunidade para meninos e meninas conhecerem o mundo do trabalho através do programa de aprendizagem”, explica João Lunardelli Neto (64), atual coordenador geral da instituição.

Ainda seguindo na missão inicial da Rede, eles buscam atender três critérios para contratação de aprendizes durante o processo seletivo. Primeiro: o jovem precisa estudar em uma escola pública. Segundo: estar na faixa etária entre 15 e 17 anos. Por último, a instituição busca dar oportunidades aos adolescentes de baixa renda. Segundo João, o terceiro critério é justamente “para ser uma alavanca social de apoio à sustentação a ele e à sua família.”

A RASC conta, atualmente, com 26 polos distribuídos entre cidades do estado de São Paulo. Nesses 26 polos, mais a sede em Bauru, a organização atende cerca de 1.300 jovens com os programas de aprendizagem.

Ana Maria Uchida (49) é psicóloga da instituição e lida diariamente com atendimentos psicossociais dos adolescentes. Com orgulho, ela fala sobre relatos que recebe de aprendizes que encerraram o contrato e, hoje, seguem carreiras que sempre sonharam.

“Tem o relato de vários aprendizes que passaram aqui e se tornaram médicos, fonoaudiólogas pela USP. A gente tem vários exemplos nesse sentido de aprendizes que não só se formaram para o trabalho, mas também para o conhecimento. Que cresceram em conhecimento, em vontade. São aprendizes que hoje são gerentes de empresa, que empreenderam nos seus próprios negócios”, diz. 

Com a nova onda de influenciadores digitais e potencialização dos trabalhos informais ou regimes sem CLT, Silvia Siqueira (59), que atua no trabalho social com idosos da instituição, revela certa preocupação com o desinteresse dos jovens pela formalidade. 

“Os jovens hoje em dia estão se afastando da CLT, mas ainda a CLT é um órgão estabilizador de futuro, pelo menos de garantia de direitos. Porém, a vida vai mostrar, na realidade, que isso não tem futuro. A CLT é uma das únicas portas mais seguras, que trazem uma segurança e uma experiência comprovada para ele na hora de abrir um negócio, de empreender ou até de seguir como colaborador de uma empresa”, afirma.

O aprendiz

De segunda a sexta, Rayane Amorim (17) entra em uma agência do Banco do Brasil na cidade de Araçatuba-SP. Ela estuda na parte da manhã e trabalha durante a tarde. Seu expediente se inicia às 13h30 e termina às 17h30. Suas principais atividades se baseiam em supervisionar a impressora, fazer o descarte adequado de documentos bancários e auxílio ao cliente.

Rayane Amorim (Foto: arquivo pessoal)

Ela conheceu a RASC através de um grupo da igreja. Até aquele momento, sempre fazia “bicos” nos fins de semana ou em dias ocasionais. Inicialmente, antes de passar pelo processo de seleção e contratação, chegou a suspeitar da veracidade do programa.

“De início eu até achei que era um golpe porque é muito fácil fazer a inscrição, muito fácil de participar, isso aí pode estar um pouco errado”, diz a aprendiz enquanto ri.

Rayane relata que sempre recebeu muito apoio de sua família desde o processo de seleção até os dias atuais. “Quando eu falei que ia fazer a entrevista eles me deram conselhos, ideias do que falar. Eles ficaram muito felizes em ver que eu estava querendo criar minha independência financeira, que eu estava aprendendo pra ir atrás da minha carreira.”

O que, no começo, foi visto com um pouco de desconfiança, hoje em dia Rayane diz que tem uma importância extrema na sua vida, no seu desenvolvimento pessoal e profissional.

“Eu sou outra pessoa desde que eu entrei na RASC. Tenho uma comunicação melhor, aprendi a lidar com as pessoas e tenho até uma paciência maior do que eu tinha antigamente…”, expressa a aprendiz.

Para quem sai…

Atual estudante de Psicologia, Danielle de Oliveira Carvalho (19) foi aprendiz de uma das agências da Caixa Econômica Federal de Birigui-SP por dois anos, de janeiro de 2023 até janeiro de 2025. Seu horário era o mesmo que Rayane executa atualmente, das 13h30 às 17h30 e, no período da manhã estudava em uma escola técnica da cidade.

Danielle de Oliveira Carvalho (Foto: arquivo pessoal)

Danielle descreve que a rotina era um tanto corrida, porém nunca deixou uma coisa afetar a outra. Tanto que no mesmo período conseguiu obter a tão sonhada carteira de motorista.

“Quando eu trabalhava ali na Caixa ainda, no meu segundo ano de contrato, eu iniciei o processo de pagar a carta. Então, o emprego ele me proporcionou a oportunidade de pagar a minha carta de motorista. Quando eu fui começar a fazer em agosto ali, no último ano que eu estava no Ensino Médio, eu já tinha deixado tudo pago, eu só iniciei o processo.”

Suas funções na agência iam desde digitalização de documentos até no processo de auxiliar o estagiário. A universitária explica que todas essas atividades ajudaram-na a desenvolver muitas habilidades de sua vida pessoal.

“O que mais me desenvolveu também foi a comunicação, eu consegui me expressar melhor, eu consegui ter mais senso de liderança, porque eu tinha a responsabilidade de ensinar o estagiário, de verificar a questão de digitalizar os termos de adesão, tinha que organizar a parte habitacional. Eu acredito que é uma experiência que nos desinibe, que ajuda a gente a se soltar mais, a gente conversar mais, entender a responsabilidade e os seus conceitos desde cedo.”

A experiência de aprendizagem de Danielle foi vivenciada em dobro pois, além de ser aprendiz da Caixa Econômica Federal, ela também foi indicada para a mesma função na Unimed da cidade, onde foi efetivada e, atualmente, cumpre escala integral no setor de vendas da empresa.

Como todo ciclo tem um fim, o de aprendizagem também. O contrato de dois anos passou rapidamente para a jovem que detalha que foi uma oportunidade muito bem aproveitada, por isso sente falta do período.

“Eu sinto saudades, mas saudades de uma forma nostálgica. Me sinto alegre ao relembrar os momentos e eu sou grata por tudo que aconteceu. Se eu não tivesse passado por esse processo, eu acredito que algumas coisas hoje, em relação ao meu pessoal mesmo, a meu autoconhecimento, talvez eu não conseguiria lidar de uma forma tão saudável.”

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Nesse ano de 2025, o Estatuto da Criança e do Adolescente completa 35 anos de existência.  O documento é a doutrina que garante a proteção integral dos direitos dos jovens de todo o país. Nele, estão garantidos alguns dos direitos fundamentais como o direito à vida, saúde, liberdade, respeito e dignidade, além do direito à profissionalização.

Edição de 1997 do ECA ao lado da edição produzida pela RASC (Foto: Alex Iarossi)

“A RASC trabalha integralmente em cima, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. E um dos direitos, o direito à profissionalização, que está previsto no ECA ao adolescente a partir de 14 anos, esse é um dos direitos mais fundamentais que a gente enxerga, o direito à convivência e principalmente à profissionalização”, afirma o coordenador geral da instituição.

Frequentemente, como forma de impulsionar as palavras do Estatuto, a RASC realiza campanhas de incentivo ao seu cumprimento. Só nesse, uma das ações da Rede foi a distribuição gratuita de mais de 3 mil exemplares do ECA produzido pela própria instituição.

“Acreditar nas pessoas”, é o que João  Lunardelli Neto responde ao ser questionado sobre o que motiva a RASC a continuar a fazer o trabalho que realiza. “Eu creio que isso é o princípio. A gente é pautado em princípios e valores que nós não abrimos mão. E entendemos ser esses princípios e valores que nos mantêm com essa esperança e com essa certeza que estamos caminhando no caminho certo. Por isso, estaremos sempre buscando servir as pessoas ou dando a elas oportunidades, sempre.”

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