Entre discursos radicais e orientações baseadas em equilíbrio, especialistas mostram como o ambiente digital pode tanto informar quanto alimentar a desinformação nutricional
Por Lara Pellegrini

A disseminação de conteúdos nutricionais tem ganhado cada vez mais espaço no ambiente digital. Consumidores do assunto buscam se informar por meio da divulgação de informações sobre alimentação e saúde, através de profissionais da área e até mesmo influenciadores digitais. Entretanto, a exposição desse tema pode ter efeito contrário ao esperado e levar à desinformação nutricional. 

A nutricionista Bianca Scudeler, formada em nutrição pelo Centro Universitário São Camilo e pós-graduada em nutrição clínica pela USP (Universidade de São Paulo), e a nutricionista Sonia Naves, formada e pós-graduada em nutrição na Unitri (Centro Universitário do Triângulo), são profissionais que divulgam seus conteúdos na internet e abordam o assunto de diferentes perspectivas e posicionamentos. 

A nutricionista Sonia Naves é atuante em dietas cetogênicas, em que há uma redução drástica na quantidade de carboidratos, aproximando o consumo diário a zero, e dietas carnívoras, em que o paciente se alimenta apenas de carnes.

Sonia Naves | Foto: Divulgação

São exemplos de carboidratos consumidos no dia a dia pães e massas, tubérculos (batata, mandioca), leguminosas (feijão, lentilha, grão-de-bico), frutas e açúcares (açúcar de mesa e açúcares presentes em doces e refrigerantes). 

“Desde que conheci a dieta carnívora, venho me especializando e propagando esse conhecimento no meu consultório. Eu não ofereço de imediato essa opção ao paciente, eu vejo a condição dele, avalio e ainda ofereço aquele cardápio tradicional da faculdade”, comenta Sonia. 

Segundo ela, é necessário que o paciente passe por um processo de adaptação antes de aderir a essa forma de alimentação. “Eu começo introduzindo o paciente em uma dieta low carb (baixa em carboidratos), depois eu passo para a dieta cetogênica, até o paciente sentir-se pronto. A dieta carnívora não pode ser feita de imediato, porque o nosso corpo fica todo adaptado para o consumo de carboidrato”, explica a nutricionista. 

Sonia também detalha a forma como essa alimentação é introduzida na rotina do paciente. “Eu vou aumentando a quantidade de carne, aos poucos, e vou diminuindo os carboidratos. Ofereço de cara um cardápio low carb, no qual eu coloco uma média de 40% de carboidratos, e aí eu vou aumentando gradualmente a quantidade de carnes e gorduras”.  

De acordo com a profissional, as principais melhoras que ela observa em pacientes que adotam essa alimentação são em relação ao perfil glicêmico (nível de açúcar no sangue) e perfil hepático (funções relacionadas ao fígado), além de uma melhora relacionada à função cognitiva e cerebral. 

“O paciente que não consegue dormir, que é muito ansioso, que não tem concentração, principalmente quem tem TDAH, pessoas que têm tendência à depressão, sabemos que todas essas doenças estão relacionadas ao excesso de açúcar e excesso de óleos vegetais. Então, quando a gente retira essas substâncias, a saúde cerebral desse paciente melhora muito.”

Segundo Sonia, a busca por conhecimentos nessa área acontece por meio do apoio em artigos científicos e em mentores experientes. Alexandre Duarte, formado em medicina pela FURB (Faculdade Regional de Blumenau), por exemplo, é referência na área de fisiologia metabólica e procedimentos estéticos minimamente invasivos há mais de 10 anos e compartilha diversos conteúdos sobre esse tipo de alimentação.

Além disso, a nutricionista vê o glúten e as farinhas como principais inimigos da sua linha de atuação. Segundo ela, alimentos como farinhas e grãos, óleos vegetais e bebidas açucaradas devem ser evitados a todo custo.

“O glúten e açúcar são substâncias que intoxicam o cérebro se consumidos em excesso e atrapalham a produção de serotonina, já que mais de 90% dela é produzida no intestino. Então, se eu já melhorei o intestino, automaticamente eu já vou melhorar essa função e questão hormonal do paciente”.

Entretanto, segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, produzido pelo Ministério da Saúde, há riscos em consumir apenas alimentos de origem animal. 

“Alimentos de origem animal são boas fontes de proteínas e da maioria das vitaminas e minerais de que necessitamos, mas não contêm fibra e podem apresentar elevada quantidade de calorias por grama e teor excessivo de gorduras não saudáveis (chamadas gorduras saturadas), características que podem favorecer o risco de obesidade, de doenças do coração e de outras doenças crônicas”.   

Além disso, a variedade de alimentos e nutrientes é vista, dentro do Guia, como essencial para a base da alimentação brasileira. “Em grande variedade e predominantemente de origem vegetal, alimentos in natura ou minimamente processados são a base ideal para uma alimentação nutricionalmente balanceada, saborosa, culturalmente apropriada e promotora de um sistema alimentar socialmente e ambientalmente sustentável”.

A nutricionista Bianca Scudeler é atuante em dietas equilibradas que buscam uma variedade de alimentos e nutrientes, em que, além de promover uma melhora na saúde física do paciente, também busca proporcionar prazer mental através da alimentação. 

Bianca Scudeler | Foto: Arquivo pessoal

“Apesar da comida não ser apenas prazer, ela precisa ser prazer, é preciso sentir-se bem comendo. Podemos buscar o prazer na alimentação, mas ainda sim ir em busca da nossa saúde física”, explica Bianca. 

A profissional também aponta para uma simplificação excessiva e prejudicial sobre alimentos e seus benefícios ou malefícios. “Acontece uma generalização perigosa, em que acreditam que uma dieta que funcionou para tal pessoa necessariamente também funcionará para outra. Além de ocorrer uma simplificação excessiva do tipo: se você cortar carboidratos, você emagrece; leite faz mal; ou o glúten inflama”. 

Para Bianca, uma alimentação saudável é a mais natural possível, com o uso controlado de alimentos industrializados. 

“Óbvio que terão produtos industrializados, já que eles fazem parte da nossa realidade, mas serão incluídos produtos processados inteligentes, que cabem na alimentação e que ainda sim são saudáveis”. 

De acordo com a profissional, uma alimentação equilibrada e saudável deve incluir vegetais, frutas, comidas de verdade (arroz, feijão, tubérculos, leguminosas) e sem o abuso de ultraprocessados. “Não podemos tornar a Coca Zero a base de uma alimentação simplesmente por não ter calorias. Nunca focamos mais em calorias do que em nutrientes”. Pontua a especialista.

“Se a pessoa faz uma dieta carnívora, ou seja, rica em gorduras saturadas, pode resultar em um aumento do colesterol a longo prazo e pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares. Já uma dieta saudável e equilibrada vai contra tudo isso, então ela ajusta seu colesterol, vai reduzir o risco de doenças cardiovasculares, vai controlar os picos de insulina e ajudar a controlar a glicemia”, destaca a nutricionista. 

Bianca também alerta para os riscos e consequências da desinformação e terrorismo nutricional no ambiente digital. “Hoje em dia é muito mais fácil encontrar informações e desinformações na internet do que 10 anos atrás, por exemplo. Essa desinformação traz à tona tanto questões estéticas quanto questões mentais que podem acabar em transtornos como bulimia, anorexia ou compulsões alimentares”.

Em meio aos desafios de se informar através da internet, a profissional orienta sobre a melhor forma de evitar a desinformação. Segundo ela, é necessário que os internautas criem senso crítico para avaliar os conteúdos que são, ou não, confiáveis na internet. 

“Duvide de tudo que você vê na internet, independentemente da confiança que você tem naquele criador de conteúdo ou nutricionista. Estamos na era de maior facilidade para se aprender algo e de encontrar informações, então é necessário desenvolver esse senso crítico de procurar uma informação e estudá-la e ver se aquilo realmente faz sentido ou não”.

Bianca também detalha a forma como pode criar-se o senso crítico. “Na parte da saúde, minha maior indicação é aprender o básico sobre metodologia científica. Caso contrário, qualquer pessoa da internet consegue te provar um ponto apenas apresentando o título de um estudo. Com essa base, é possível que o próprio internauta identifique, em questão de 30 minutos, se aquela informação realmente é o que parece ser”. 

É necessário criar senso crítico ao consumir conteúdos nutricionais na internet. Dessa forma, será possível diferenciar conteúdos verídicos de desinformações. “Não existe milagre, não há nenhuma pílula que vai melhorar sua vida instantaneamente. Sempre desconfie de todos os conteúdos que simplifiquem excessivamente a jornada nutricional, tanto de emagrecimento quanto de ganho de massa”, encerra Bianca Scudeler.

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