Conheça três histórias únicas por trás da produção dos Cafés Especiais
Por Danielle Ribeiro
É da terra que são colhidos os grãos de café que vão parar nas xícaras diariamente consumidas pelos brasileiros. Em meio a tantos processos produtivos existentes, um em especial se destaca. A agricultura familiar compartilha não só o café, como também a história da sua produção.
Através de diferentes manejos e culturas, a agricultura cafeeira vem se fortalecendo mais a cada ano. Segundo o último Censo Agropecuário de 2017 (IBGE), 48% do café que chega à mesa dos brasileiros é oriundo da produção familiar.
Há oito anos a família do Sítio Santa Terra se dedica à plantação de Café Especial sustentável e orgânico. O casal Angélica Facirolli e Anderson Arcanjoleto, junto com o seu pequeno João, de sete anos, são responsáveis por gerir um sistema agroflorestal no município de Patrocínio Paulista.

Tudo começou em uma viagem para Brasília em 2014, Anderson foi acompanhar um amigo e lá conheceu um sítio de produção agroflorestal. Na volta para casa não falava de outra coisa senão da abundância da plantação do amigo. O casal não tinha experiência na área, mas a paixão e o interesse foram mais fortes do que qualquer barreira, e com um terreno de 200 metros quadrados do pai de Anderson, eles deram início ao seu sonho. “Os dois se apaixonaram pela agrofloresta. Então despertou essa vontade de plantar, de olhar para a terra de uma outra maneira”, diz Angélica.
Já faz três anos que a família comercializa o café produzido e desde então eles mantêm um padrão de qualidade acima de 84 pontos. Segundo o protocolo da Specialty Coffee Association (SCA), um café com pontuação entre 80 e 100 pontos é classificado como Especial, com excelência de produção e boas características sensoriais, como aroma, sabor e doçura.

Descendo um pouco o mapa, encontramos a cidade de Santo Antônio da Alegria, situada na divisa de São Paulo e Minas Gerais. É lá que Carlos Eduardo Sicca Pasquali, o Kaká, comanda o Sítio Falcão do Alto da Serra.
A trajetória da família Pasquali vem desde 1991, quando seu pai, Enio, comprou a propriedade e decidiu plantar café. Em 2008, a família já exportava para países como Japão e Alemanha e, a partir daí, descobriram o ramo de produção dos Cafés Especiais.
Saindo da região da Mogiana Paulista e indo em direção a Alta Paulista, ainda no Estado de São Paulo, encontramos o município de Garça. Os cafés da cidade possuem o certificado de Indicação Geográfica de Procedência (IGP), símbolo que representa a qualidade, excelência e tradição dos produtos cafeeiros da região. Mas antes de chegar ao que é hoje, Cassiano Tosta, responsável pelo Sítio Tosta Coffee Roaster passou por muitos desafios ao longo do caminho.

Em 1972, o pai de Cassiano se mudou para Garça e comprou uma propriedade, o Sítio São Benedito. Lá, percebeu que o forte era a produção de café. Porém, no inverno de 1975 houve a Geada Negra, um fenômeno climático que devastou plantações inteiras. “Foi um frio muito intenso que queimou todos os pés de café, desde o norte de Paraná, Estado de São Paulo e algumas regiões de Minas”, lembra.
Ele explica que para reconstituir a terra demandou muito tempo, cerca de dois anos para o solo se recompor e estar apto a um novo plantio. Cassiano comenta que se não fosse pelo pai ter outras atividades ele não teria sobrevivido a essas crises. Em 2010, seu pai perdeu o interesse na produção de café, devido às pressões econômicas e à falta de retorno estava prestes a vender o sítio.
Mas não foi exatamente isso que aconteceu. Nessa época, Cassiano morava em São Paulo. Ele voltou para Garça e comprou a propriedade do vizinho. Cassiano foi estudando e acabou descobrindo uma nova área da produção de café, os Cafés Especiais.
Durante quatro anos, ele fez cursos de classificador, degustador, torrador, barista, entre outros. “Eu sempre amei muito café, sempre fui um ‘coffee lover’. E eu fazia uns experimentos em casa, eu passava café com canela, com hortelã. Eu sempre gostei de fazer umas coisas diferentes com café”, conta sorrindo.
Em 2018, ele realizou sua primeira colheita, e um tempo depois iniciou a construção de um terreiro suspenso, se tornando o pioneiro em sua região a aplicar essa técnica.

Mão na terra
Não é simplesmente plantar café. A produção de cafés, principalmente os Especiais, envolve uma logística diferenciada, é necessário ter mais atenção e cuidado em todas as partes do processo, desde a colheita até a distribuição.
No Sítio Santa Terra a colheita é feita de forma manual, em um terreno de aproximadamente 35 mil metros quadrados, equivalente a cerca de 5 mil pés de café. Angélica explica que esse ano a colheita durou dois meses.
Todo o processo é feito pela própria família, desde o plantio seletivo até a colheita e a distribuição. “Toda a produção em si é bem respeitosa, do começo ao fim. Então o trabalho é mais intenso, mas a qualidade que a gente consegue no final é muito boa, muito gratificante”. Após esse processo, eles encaminham os cafés para o seu mestre de torras, para que de lá saia a melhor bebida para o consumidor.
Atualmente eles realizam o lançamento dos seus cafés uma vez por ano, exportando para o Brasil todo, inclusive para o exterior, como Portugal.

Já a produção do Sítio Falcão do Alto da Serra é feita de forma diferente. Junto com o seu pai, sua esposa e um funcionário, Kaká realiza a colheita mecanizada. Recentemente adquiriu uma colheitadeira e conta como esse investimento facilitou o processo nos períodos de safra: “a agricultura familiar, hoje, tem que partir para a mecanização, esse é o meu ponto de vista”.
O seu sistema de colheita também possui diferentes períodos para cada espécie. Kaká explica que no seu sítio existem algumas espécies “precoces”, algumas no “ponto certo” e outras “tardias”. O que significa que existem diversas espécies em diferentes etapas de desenvolvimento. Isso é benéfico na hora da colheita, pois dessa forma os pés de café não florescem todos juntos, evitando assim que alguns cafés envelheçam no próprio pé.
Kaká também aplica um sistema de prevenção de pragas, juntamente com uma adubação de ureia complexada, prática que se tornou muito comum entre produtores, que é basicamente a dissolução da ureia em água com a adição de ácidos. Essa técnica fortalece o cultivo da planta e estimula a redução de fertilizantes.

No Sítio Tosta Coffee Roaster houve uma mudança na produção depois que eles começaram a produzir os Cafés Especiais. Cassiano é do time que integra maquinário em sua produção. Segundo ele, é necessário investir em tecnologia por causa da mão de obra escassa. Por exemplo, para controlar a acidez do solo, eles aplicam calcário por meio de implementos agrícolas.
No sítio, cada membro da família tem uma função importante, mas é Cassiano o responsável pela parte da torra, da prova e da checagem da qualidade da bebida. “Você tem que colher o fruto cereja, que é o fruto maduro, porque ele tem uma mucilagem, que é rica em açúcares. E com o processo de seca adequado, você consegue fazer com que a semente absorva essa doçura que está presente na polpa”, explica.
E o processo de produção não para na colheita do fruto. Cassiano conta que a parte de secagem é tão importante quanto. “Tem que ser uma seca lenta. Por isso, o terreiro é suspenso. Ele seca a temperatura ambiente e é ventilado. Quando você seca o café no terreiro de chão, ele chega a uma temperatura, num dia de sol, de 80 graus. Então, você frita o café. Aí os ácidos, os aromas e os açúcares, esses sabores se perdem”.

Mais Verde
O sítio da família Santa Terra mostra que é possível cultivar, gerar renda e cuidar do ecossistema da região. O sistema agroflorestal permite a troca de nutrientes, vitaminas e matéria orgânica entre as árvores e os alimentos plantados, gerando um microclima autossustentável e mais fortalecido a cada ano.
Angélica conta com brilho nos olhos como é sua relação de respeito e carinho com a terra. “As árvores funcionam como se fossem grandes mães. São elas que vão criar todas as outras”.
Ela explica que o objetivo é fazer um resgate histórico, através de costumes de plantio dos povos originários e dos próprios cuidados dos avós com a terra, trazendo um outro olhar para a produção, priorizando o cultivo sustentável com liberdade no campo e qualidade do alimento.
Outros Sítios como o do Kaká e o do Cassiano, apesar de utilizarem alguns insumos e implementos agrícolas, mantêm a consciência de um plantio sustentável, de forma que a tecnologia e a biodiversidade possam andar juntas.
Cassiano conta que compartilha alguns implementos da Associação dos Produtores de Cafés Especiais da Região de Garça, o que democratiza o acesso a máquinas de alto custo para pequenos produtores.
Realização
Algo que une todos esses produtores é o sentimento de realização pessoal e profissional.
Apesar das dificuldades e desafios enfrentados, como falta de visibilidade e créditos, Angélica conta como se sente feliz ao ter conquistado sua marca no setor agrícola e como ela pode deixar essa mensagem para gerações futuras.
“Eu não imaginava que a vida daria essa reviravolta que deu. E eu me sinto orgulhosa hoje em dia de ser agricultora familiar, de verdade”.
Gratidão e expectativa definem os sentimentos de Kaká, assim como a sua vontade de mostrar ao mundo o seu cuidado e carinho com a plantação.
“Eu penso em continuar esse legado, passar para os meus filhos, para os meus netos e sempre melhorar. A gente tem que acordar sonhando”.
E Cassiano também está muito satisfeito com suas conquistas. No início, muitos duvidaram do seu potencial, mas ele provou seu valor e se encontrou na nova área. “Eu fico muito satisfeito em saber que está dando certo. Eu planejei isso. E como eu gosto muito do que eu faço, eu estudo muito. Eu me envolvo muito com isso”.
Ele completa: “estou lá na propriedade todo dia mexendo no café. Então, é a minha vida, e isso para mim é muito gratificante”.
