Yellow Zones surgem para descentralizar o debate durante a conferência do clima.
Por Sofia Turtelli
A COP30 ocorrerá em Belém do Pará entre os dias 10 e 21 de novembro. Mas além das negociações diplomáticas e debates oficiais, um novo movimento está sendo articulado pelas periferias da cidade, as Yellow Zones.
As Zonas Amarelas surgiram com objetivo de descentralizar o debate climático e gerar um legado para Belém. Lucas Luciano é jornalista e colaborador do PerifaConnection, nascido e criado na favela do Morro do Castro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Ele afirma que acredita que “um debate climático inclusivo precisa traduzir políticas globais em soluções locais que realmente transformem o cotidiano das pessoas”.
As zonas foram pensadas a partir do polígono chamado “Territórios das Baixadas”, proposto na segunda conferência da COP das Baixadas em março de 2024. A ideia é que o movimento se internacionalize e sempre ocorra nos futuros territórios sede da COP, como zonas descentralizadas pelas cidades.
Jean da Silva é um dos organizadores da COP das Baixadas e disse em entrevista à Folha de São Paulo que “resolveu não concentrar tudo em um só lugar”. Então criamos várias zonas. Nossa meta é chegar a pelo menos 12 até a COP”. A ação visa empoderar comunidades periféricas e promover um legado sustentável, descentralizando e conscientizando, além de criar um movimento contínuo. Eles possuem sete objetivos principais:
Descentralizar o Debate Climático: Por meio de ações e eventos culturais, levar as discussões sobre mudanças climáticas para as comunidades periféricas e locais menos privilegiados, fora dos centros tradicionais.
Legado Comunitário: A partir de capacitações, formação profissional e produção de infraestruturas, como o Centro de Informações Turísticas e Comunitárias, o CITC, deixar um legado para as comunidades locais.
Turismo Social e Hotelaria de Base: Valorizar a cultura local e gerar renda para a população, com base no turismo social e na hotelaria fundada na comunidade.
Mobilização Permanente: Manter constantes as mobilizações e engajamentos sobre pautas climáticas nas periferias, fazendo com que esses temas sejam sempre discutidos.
Implementação e Expansão: Testar e aprimorar a ideia das Yellow Zones em eventos menores, com objetivo de fazer mudanças importantes nos territórios até a COP30.
Mapeamento e Envolvimento Comunitário: Criar mapas e roteiros turísticos como consequência de um mapeamento feito pelas comunidades. Incentivar as organizações locais a se tornarem CITC.
Festival de Lançamento: Lançar oficialmente as Yellow Zones em um festival, auxiliando na promoção da conscientização e no engajamento das comunidades nas questões climáticas.

Quando a COP foi anunciada em Belém era uma esperança para os organizadores das Yellow Zones de que a Amazônia influenciasse o pensamento mundial, mas não foi o que aconteceu, segundo eles. A cultura, os festivais e a forma menos predatória de viver poderiam ser mostrados ao mundo, mas o que realmente aconteceu foi a aceleração do crédito de carbono e a bioeconomia realizada de uma maneira que dificulta a recuperação da natureza. As decisões foram tomadas baseando-se em racismo ambiental, inversão de prioridades e degradação da natureza.
Felipe Cruz é geógrafo formado pela UNESP, além de professor. Passou por diversos cursinhos populares, escolas municipais e estaduais, como a Fundação Casa e o EJA, em contextos urbanos e rurais. Ele afirma que “a questão ambiental na periferia já é trágica, muitas vezes escondida, soterrada aos olhos do público. Por isso, escutar, observar e compreender as demandas da periferia é vital. Integrar a periferia, ou melhor, nos integrarmos a ela, é essencial para buscarmos um mundo verdadeiramente habitável”.
O nome “Yellow Zones” surgiu em uma reunião com os membros da COP das Baixadas. Pensaram em algo com “young” ou “youth” (jovem e juventude em inglês), surgiu a ideia de “yellow”.
Coincidiu com a cor amarela que compõe a bandeira do Brasil e não estava presente nas zonas oficiais, a Blue Zone (Zona Azul), que abriga as conferências e debates diplomáticos e a Green Zone (Zona Verde), que é um espaço para empresas e algumas organizações mostrarem seus estandes.
A COP das Baixadas, junto de outras organizações, é responsável por mobilizar as Yellow Zones. É uma coalizão formada por lideranças sociais, organizações e movimentos sociais e tem como objetivo trazer as baixadas de Belém para o centro do debate climático, descentralizar e aproximar as comunidades locais da agenda ambiental.
A COP das Baixadas surgiu em 2022 com o Gueto Hub, uma outra organização paraense. O nome vem da forma como chamam as periferias em Belém, trazendo a mensagem de um movimento local, periférico e com o foco na pauta climática. A ideia era reunir organizações das periferias para debater, mesmo que de maneira crítica, já que se sentem de fora da COP oficial.
A organização, desde sua fundação, mobiliza ações e conferências que reúnem vários territórios e bairros. Com pautas sobre clima e mudanças climáticas, evidencia as consequências para a periferia, fazendo disso um marco e mostrando uma forma de fazer conferências com escuta para o povo.

“A presença de conferências, oficinas e mobilizações localmente permite que essas comunidades se apropriem do debate, entendam os impactos concretos e desenvolvam respostas que façam sentido para o seu cotidiano”, disse Lucas Luciano.
Felipe Cruz afirma que “apesar de toda a diversidade da periferia, há algo comum que é a vulnerabilidade”. Prossegue dizendo que as comunidades estão à mercê dessas transformações climáticas e carregam consigo uma injustiça, pois pouco contribuem para o aquecimento global, mas serão uma das mais afetadas por ele.
Lucas Luciano contou que existe uma dificuldade de inclusão da periferia no debate climático mundial e isso é “antes de tudo, um reflexo de como esses territórios foram historicamente tratados desde o surgimento das favelas, no século XIX”. Ele completa dizendo que essa exclusão também é consequência da lógica urbana brasileira, na qual tudo que é indesejado, tudo que se prefere não ver é afastado. E isso incluí também os moradores desses territórios e o que os afeta.
A COP das Baixadas debate temas invisíveis para o resto do país e do mundo. E luta por direitos de territórios, por justiça climática e por uma transição energética habilitada para quem mora nas periferias, nas beiras d’água e nas florestas, além do direito ao saneamento. Constroem com a sociedade civil uma visão de COP que seja coerente com quem reside nas baixadas e zonas metropolitanas, traçando a teoria de necropolítica, que é uma realidade amazônica, paraense e das grandes empresas.
Felipe Cruz diz, sob a ótica da necropolítica, que os moradores periféricos “são condenados a viver onde a violência do Estado e a ambiental se somam: falta saneamento, luz, e há exclusão do direito digno à vida pelo lugar de origem”. Destaca ainda que os debates climáticos “ficam muito desconectados entre o que acontece nas universidades e conferências internacionais, e o que acontece de fato nas ruas, nas praças e nas comunidades”.
A previsão dos organizadores das Yellow Zones é de que durante a COP30 doze zonas em diversas áreas das periferias já estejam em funcionamento. As zonas trazem soluções que surgem na periferia e podem ser mostradas para o mundo. Até o momento quatro zonas já estão ativas, como espaços permanentes instalados em estabelecimentos que já existiam. Elas são: o Centro Cultural Gueto Hub no Jurunas, a Biblioteca Comunitária Barca Literária na Vila da Barca, o EcoAmazônias também no Jurunas e o Espaço Cultural Ruth Costa em Águas Lindas.
A Barca Literária foi instalada em uma casa de madeira de palafitas e já funciona como CITC. Na Vila da Barca as casas de palafitas não possuem nenhum sistema de esgoto sanitário, os dejetos são despejados diretamente nas águas da Baía do Guarajá.
Próximo da Barca Literária será construído o centro cultural A Barca Cultural Amazônica, que também fará parte das Yellow Zones. Será um museu sobre palafitas que tem objetivo de contar a história e preservar a memória da comunidade. O espaço terá uma galeria de arte para promover artistas locais, uma cozinha industrial para cursos de qualificação profissional para moradores da comunidade, um píer com uma cafeteria e uma hospedaria coletiva.
Para financiar o início do projeto foi criada uma campanha de arrecadação online por meio do site Benfeitoria.

Alguns dias antes do início da COP30, a COP das Baixadas, junto de outras organizações, será coanfitriã da 20ª Conference of Youth (COY). A COY é organizada pelo segmento oficial das crianças e adolescentes (Yougo) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). A COY anualmente reúne ativistas de todo o mundo para debater, aprender e se preparar para a COP, no encontro é gerado um documento oficial para ser lido durante as negociações da COP.
Os organizadores das Yellow Zones pretendem usar a COY para aproximar os jovens da periferia do que está acontecendo no mundo, para que eles se inspirem e se engajem. Além disso, para que os jovens do mundo possam ver a realidade dos jovens periféricos e o que eles estão mobilizando.
“A juventude carrega uma potência de renovação. Por isso, é de vital importância que existam eventos voltados para ela. Isso é ainda mais essencial quando pensamos na juventude periférica, onde o cotidiano faz com que as experiências sobre o mundo sejam muito marcantes e intensas”, disse Felipe Cruz.
As Yellow Zones ainda não tem um planejamento fechado das atividades para os dias da COP30. Mas os organizadores afirmam que podem haver ações envolvendo temáticas como racismo ambiental e os direitos dos rios, já que são pautas que ficaram de fora das discussões oficiais.
Lucas Luciano ressalta a importância de vozes periféricas ativas no debate climático. “São essas vozes que conseguem levar experiências vividas nesses territórios para espaços políticos que podem, definitivamente, tomar decisões. Ou seja, garantem que o debate não fique restrito aos gabinetes ou conferências internacionais”. Segundo Felipe Cruz, “trazer essas vozes para o centro do debate é uma questão de justiça social”.
