O evento de funk que nasceu no interior paulista e está conquistando cada vez mais espaço no cenário mundial.

Por Jhenifer Oliveira

Edição da Submundo 808 em Campinas – Reprodução: Redes Sociais (@blackcalle_)

Diretamente de Campinas, no interior de São Paulo, a Submundo 808 se tornou grande expoente e um marco do funk na atualidade. Com diversas edições na capital e interior paulista, a festa conquista cada vez mais espaço no cenário do funk.

Mais do que um evento, a Submundo 808 carrega um simbolismo gigantesco. A festa é um movimento cultural que traz consigo a arte periférica através do funk, com o objetivo de levá-la para novos espaços e abrir caminhos para moradores da comunidade.

O evento é uma ramificação da 808 Produções, produtora criada por um grupo de sete jovens periféricos, em sua maioria artistas que já atuavam na cena. Ao falar sobre a iniciativa, Vinícius Mariano, um dos sócios-fundadores, explica: “queríamos criar uma festa com experiência de público, algo que a gente queria curtir quando era mais novo, com ingressos e cardápio mais acessíveis, qualidade garantida, em um bom local, com segurança e para receber todos os públicos, acolhendo todos os tipos de pessoas”.

Mariano também comenta sobre o conceito por trás do nome da festa, mostrando sua relação com a estética. Segundo ele, “Submundo” faz referência ao funk e às suas vertentes mais intensas e agressivas — como o bruxaria, o mandela e o automotivo. Já o “808” remete à batida grave da marca de um teclado que reproduzia esse som.

Com uma estética e identidade sonora autêntica, a Sub carrega uma grande bagagem cultural a ser aprendida e valorizada pela sociedade. Seu impacto na cultura do funk oferece que pessoas reconheçam as vozes do interior de São Paulo e que mude a realidade de artistas. O sócio diz que a equipe reconhece a importância do evento no cenário do funk nacional. Para ele, a Submundo é uma plataforma que pode unir muitas vozes – seja do DJ, do dançarino, do artista gráfico e do audiovisual — resultando num movimento cultural que levanta a bandeira do funk e faz com que ele acesse novos lugares.

A Submundo ganhou uma grande notoriedade da população, ao ponto de colocar artistas periféricos da line em destaque no cenário nacional e também no contexto global. Um desses exemplos é a dupla Kenan & Kel, que são de periferias de Campinas (e também são fundadores da Sub) e adquiriram um grande público com sets únicos e inovadores, quebrando barreiras ao realizar turnês na Europa. “A partir da oportunidade de muitos artistas periféricos tocarem na Submundo e a visibilidade que isso teve dentro das mídias digitais principalmente, muitos deles ganharam notoriedade e tiveram crescimento na agenda gigantesca, fazendo turnês internacionais e isso contribuiu para um movimento cultural com forças unidas”, diz Mariano.

Set de Kenan & Kel na Submundo 808 – Reprodução: Redes Sociais (@blackcalle_)

Apesar de ter uma grande influência na vida de artistas da comunidade, a festa também influencia outros eventos através de sua estética e estratégia. Em uma conversa com a head de comunicação do evento, Beatriz Niro explica que “a Submundo realmente é uma vitrine. Por exemplo, nós sempre valorizamos o audiovisual. Depois de uma Sub, sempre tem um post de foto, de aftermovie, os vídeos de drone e percebemos que todas as festas estavam adquirindo um movimento parecido, que estavam investindo mais”. Além disso, Niro também chamou atenção para as mudanças que ocorreram em performances de artistas. De acordo com ela, “outro exemplo é que antes os DJs não tinham bailarinos. E aí a Submundo trouxe… Submundo não, os DJs que tocavam na Submundo trouxeram alguns bailarinos e a gente foi vendo o movimento que outros DJs começaram a investir em bailarino”.

Depois de um tempo que o evento ganhou visibilidade e atraiu pessoas de diferentes classes sociais — principalmente da elite — houve algumas críticas pela mudança de público. Niro afirma que a equipe busca manter a autenticidade e a essência do evento, demonstrando todos os aspectos de suas origens e sua identidade como um espaço de valorização da música preta. “As nossas bandeiras com frases que lembram as raízes do evento são uma característica que fazemos questão de trazer para valorizar mais essa cultura periférica. Nós temos o prazer de colocar as nossas faixas e deixar claro que a Submundo é um evento de música preta, periférica. Sabemos que a Sub é frequentada por muita gente branca, mas essas bandeiras são uma reafirmação de que elas frequentam um ambiente que elas têm que respeitar. Então a gente sabe que o público vai mudando a cada evento, mas nós continuamos na mesma essência”, declara a jornalista.

Para manter a festa acessível à periferia, o evento conta com o VIP Social, que são ingressos para quem recebe Bolsa Família e são cadastrados no CadÚnico. Além disso, também há a Lista Trans e o VIP Aniversário. Quando questionada sobre a inclusão e diversidade dentro do evento, Beatriz diz que “estamos abertos a fazer outros benefícios sociais para que nosso espaço seja mais democratizado, e com fácil acesso dessas pessoas”.


A criminalização dos bailes de rua e a Submundo 808

Não é de hoje que a cultura do funk é extremamente consumida e feita pelo Brasil. Desde os anos 70, o gênero vem ganhando espaço e mostrando a essência da periferia através de figuras artísticas. Na época, figuras como Furacão 2000, Bonde do Tigrão e Tati Quebra Barraco eram famosas por trazer reconhecimento à arte periférica. Ainda que o movimento cultural tenha um grande engajamento com a população de forma positiva, há muito preconceito enraizado com o estilo de música.

Atualmente, existe uma grande discriminação do funk por meio de projetos de leis. Um ótimo exemplo é a CPI dos Pancadões, que visa repreender os bailes de funk realizados em periferias. Para a produtora cultural Beatriz Niro, essa iniciativa representa um retrocesso. “A CPI do funk é uma grande perda de tempo, é um ato racista e extremamente preconceituoso que os vereadores playboys brancos têm. Nossa forma de fazer as pessoas enxergarem o funk de uma outra maneira é profissionalizando o evento, mostrando que não é só um barulho que está acontecendo ali, mas sim um giro de capital, a transformação na vida de outras pessoas”, explica.

Vinícius Mariano também destaca sobre as dimensões sociais e raciais do preconceito em relação ao som que é tocado. Segundo ele, “precisamos que o funk caminhe para se tornar um patrimônio cultural do país para que isso possa diminuir. E o nosso papel é continuar com o evento, para que artistas periféricos em todas as vertentes da arte, possam continuar expressando a cultura das quebradas com tamanho e grandeza, e com um palco tão grande quanto o nosso e de outros movimentos que fortalecem a cultura do funk”.

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