O ritmo surgiu nas periferias cariocas nos anos 1980, inspirado pelo soul e pelo funk norte-americano. Com o tempo, ganhou identidade própria ao incorporar batidas eletrônicas e letras em português que retratavam o cotidiano das periferias. 
Por Giovanna Tresma

Campanha publicitária da Oakley/ Reprodução: Redes Sociais

Estamos falando do funk, que ultrapassou os muros das favelas para se tornar um fenômeno e um traço cultural brasileiro. O gênero musical que enfrentou preconceitos e resistência e enfrenta até os dias atuais, hoje ocupa as maiores visualizações em aplicativos de músicas, lota shows e claro que criou uma identidade visual única, presente hoje em campanhas publicitárias e nas passarelas. O impacto da cultura do funk mudou como o Brasil é visto pelo mundo.

Além de um gênero musical, o funk é uma expressão da sociedade. Ele nasce do cotidiano, das ruas e das histórias de quem muitas vezes não tem espaço para ser ouvido. Mais do que um gênero, o funk carrega sentimentos, vivências, sonhos e conquistas de pessoas que enfrentam a marginalização todos os dias. É como um microfone, onde cada verso fala de resistência, orgulho e identidade. Seus “beats” marcantes e letras diretas traduzem a força das periferias, denunciando desigualdades, mas também celebrando vitórias, alegrias e resistência mesmo diante das dificuldades.

O impacto do funk não acontece só nas letras e batidas. Assim que o funk surgiu  junto com ele veio também seu impacto na moda, em muitas canções mcs e djs mostram como suas roupas também dialogam com as suas vivências.  

“Nove em dez no baile tão de camisa do Messi

Cyclone, bigodin’ finin’, corrente e Juliet

Da mesma cor pra combinar com o Kenner”

De Kenner,  dos cantores FBC e VHOOR

O trecho cantado por  FBC e VHOOR, demonstra um pouco como a cultura do funk está totalmente ligada à moda, evidenciando a forma como o estilo de vida das periferias influencia. As roupas, os acessórios e a atitude presentes nas letras e clipes se tornaram representação da identidade, liberdade e pertencimento periférico, mostrando que o funk não é apenas um gênero musical, mas também um movimento estético e cultural que dita moda e define padrões.

Campanha publicitária da Kenner/ Reprodução: Redes Sociais

“A moda e o funk são duas expressões artísticas muito presentes na cultura brasileira. Elas atravessam uma particularidade em comum, que é a expressão do ser, que é como você se apresenta”, afirma Yago Fernando, responsável pelo branding e conteúdo digital da Kenner.

O preconceito contra  pessoas negras e periféricas fez com que tudo relacionado ao funk fosse, por muito tempo, visto de forma negativa e isso se refletiu também na moda. Algumas marcas, chegaram a se afastar do gênero para evitar a rejeição do público.

Ainda assim, a moda funk sempre esteve presente e se consolidou como uma poderosa forma de resistência. Ao longo de mais de 40 anos de história, o gênero enfrentou estigmas e marginalização, mas continuou afirmando sua identidade e criatividade. Apesar de sua riqueza estética, essa expressão foi ignorada por décadas justamente por carregar as marcas da periferia e da negritude.

A moda funk chegou a receber um novo nome,“bazilcore”, um termo estrangeiro que ganhou força nas redes sociais, como Tik Tok e Instagram. O que leva a reflexão de como essa estética só é aceita quando está em certos corpos.

No Estado de São Paulo, o funk chama muita atenção para a moda. Correntes de ouro, bonés e óculos juliet fazem parte do visual dos funkeiros. E as letras sobre esse estilo, evidenciando coisas como as roupas de marca e os cordões de ouro super caros, ficaram conhecidos como “funk ostentação”.  

Marcas como Oakley, Cyclone, Lacoste, Mizuno, Kenner, são só algumas que foram popularizadas pelo funk, se tornando ícones quando o assunto é moda periférica. 

Nos últimos anos, muitas marcas têm se aproximado da estética do funk e da cultura periférica, incorporando elementos como roupas justas, estampas ousadas e referências ao estilo de vida das favelas. 

Segundo Yago, hoje conseguimos enxergar várias campanhas publicitárias que utilizam a cultura periférica como uma ferramenta comercial por ser uma fonte muito rentável. 

O que se vê é uma apropriação do uso da imagem periférica como tendência, sem reconhecer ou valorizar quem de fato construiu esse movimento. Marcas de moda e publicidade frequentemente se inspiram no visual e na linguagem do funk, mas deixam de lado as pessoas e os contextos que tornaram essa estética possível. 

“O que falta, realmente, é convocar essas mentes periféricas para estarem também no ambiente de criação, porque existem sim, pessoas muito bem estudadas sobre as particularidades que englobam a favela, mas elas não são convocadas para estarem nesse ambiente de criação”, afirma Yago Fernando.

Apesar disso, há avanços importantes. Algumas marcas têm buscado parcerias com artistas, produtores e estilistas vindos das comunidades, tentando construir narrativas mais autênticas e respeitosas. Esse tipo de movimento é essencial para que a moda e a comunicação reconheçam o funk não como uma tendência passageira, mas como uma manifestação cultural legítima e forte.

De acordo com Yago Fernando “A valorização dessa estética periférica impacta a autoestima e o sentimento de pertencimento desse povo, porque atravessa muito o propósito que a Kenner tem, que é criar com um propósito e esse propósito é a representatividade”.

O impacto da cultura do funk na moda e na publicidade é, acima de tudo, um reflexo do poder transformador das periferias na construção da identidade brasileira. O que antes era visto com preconceito e estigmatizado, hoje ocupa vitrines, passarelas e campanhas publicitárias, mostrando que o estilo e a atitude que nascem nas quebradas são, na verdade, expressões de criatividade, autenticidade e pertencimento.

A moda e a publicidade, ao se aproximarem do funk, passam a dialogar com um público que sempre esteve à margem, mas que agora reivindica seu espaço com orgulho e visibilidade. Essa influência vai além da estética  é também uma mudança de narrativa. O funk trouxe novos corpos, linguagens e histórias para o centro das atenções, rompendo padrões elitistas e abrindo espaço para uma comunicação mais plural e real. No entanto, o verdadeiro impacto só se consolida quando há reconhecimento das origens e respeito por quem construiu essa cultura. 

Mais do que uma tendência, o funk é um movimento social e cultural que traduz alegria e potência. Seu papel na moda e na publicidade revela não apenas uma nova forma de expressão, mas também uma grande transformação nas maneiras de enxergar, valorizar e representar o que vem da periferia.

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