Enquanto alguns veem a tecnologia como aliada no ensino, outros apontam a perda do pensamento crítico e os desafios éticos no uso de inteligências artificiais em sala de aula.

Por Gabrielle Camili Dolce

Aluna utilizando inteligência artificial; Foto por Gabrielle Camili Dolce

Uma nova geração de estudantes está descobrindo as facilidades e os perigos do uso das inteligências artificiais nos estudos. Entre a praticidade e a perda do pensamento crítico, professores e especialistas alertam que o desafio não é proibir, mas educar para o uso consciente e ético 

Com o avanço das inteligências artificiais, estudar nunca foi tão fácil, e ao mesmo tempo tão desafiador. Plataformas de ensino como a Redação Paulista (plataforma voltada à produção textual no ensino do estado de São Paulo), utilizam uma assistente virtual feita por uma inteligência artificial na correção de redações. Além disso, inteligências artificiais como o ChatGPT e o Gemini têm se tornado parte da rotina dos estudantes. Nas salas de aula da Escola Estadual Joaquim Rodrigues Madureira, em Bauru, o tema já é parte do cotidiano. A professora de inglês Ana Maria Nunes observa com preocupação o uso indiscriminado das inteligências artificiais nas atividades escolares. Para ela, a tecnologia ainda não estimula o aluno a pensar. “Ele joga lá e fica por isso, o ensino exige trabalho para estudar e pensar, a inteligência artificial tira essa necessidade e o aluno perde a autonomia intelectual”, afirma.

A docente destaca também a dificuldade em compreender os critérios de avaliação das plataformas de redação. “A gente não sabe como essa correção é feita e qual o critério usado”, comenta. Segundo ela, isso gera insegurança entre os professores e desmotiva o esforço individual dos estudantes.

Entre os alunos, a percepção não é muito diferente. A estudante de ensino médio, Ana Valêncio, também da escola Joaquim Rodrigues Madureira, admite usar a tecnologia em tarefas e pesquisas escolares. “Quando fazemos sozinhos, tiramos nota seis, e quando pegamos uma redação pronta do ChatGPT, tiramos dez, e a gente quer tirar 10”, diz. Apesar da praticidade, Ana reconhece que o aprendizado acaba sendo superficial. “A gente só pede para o chat fazer e copia, assim ninguém aprende de verdade”, aponta.

A aluna afirma que a IA tornou o estudo mais fácil, principalmente para quem tem pouco interesse. “Facilitou demais, tem gente que nem lê o que o chat escreve, só entrega e fica tudo pronto, ninguém aprende nada” diz. Ainda assim, ela acredita que o problema não está em usar, mas sim na falta de orientação de uso da ferramenta. “A escola poderia ensinar a forma certa de usar, não só proibir, igual à lei do celular, que ninguém cumpre”, opina

O desafio ético da tecnologia

Para a professora Claudia Maria De Lima, pesquisadora da Unesp e especialista em mídias e tecnologias da educação, a discussão sobre o uso da inteligência artificial deve começar pela ética, e diz que as pessoas tendem a olhar para a tecnologia como algo ruim .“Eu olho para a inteligência artificial como eu olho para as outras tecnologias, como uma ferramenta possível de pensar e ajudar no processo intelectual, nos processos de aprendizagem”, afirma.

 De acordo com ela, vivemos em uma sociedade digital, mas apesar disso não é possível perder a dimensão humana do processo educativo. “A dimensão humana é a questão central, então o centro não está na tecnologia, o centro está nas pessoas, na relação professor-aluno, na relação com os conteúdos escolares, na relação com o que significa a dimensão escolar, o que significa escola para as pessoas”, aponta. Portanto, a pesquisadora acredita que o professor deve ter autonomia na tomada de decisões, e deve ter acesso a uma formação que o permita compreender a sociedade, as responsabilidades e o conteúdo que vai ensinar e então, compreender a dimensão técnica para o uso dessas ferramentas, como inteligências artificiais, quais suas possibilidades e seus limites.

Claudia acredita que a escola tem papel essencial na formação crítica dos alunos. “A escola precisa ensinar o aluno a usar as tecnologias de forma responsável. Se ela não fizer isso, o aluno vai aprender sozinho, pelas redes sociais, sem reflexão e sem orientação”, explica.

A especialista reforça que o uso de inteligências artificiais no ensino deve ser orientado, mas que não vê um meio de regulamentar a proibição de uso de IAs. A professora exemplifica o uso inadequado dessas tecnologias, com uma infração de trânsito gravíssima, ultrapassar o sinal vermelho. “Passar o sinal vermelho é proibido, mas muitas pessoas ainda sim, passam no sinal fechado, elas deveriam respeitar a sinalização não pelo medo da multa, mas sim pelo risco de ferir alguém. Então os alunos precisam usar a inteligência artificial não por medo da punição e sim por enxergar na ferramenta um caminho para aprender”, conclui.

Segundo Claudia, proibir o acesso às ferramentas não resolve esse problema. “Antes de pensar em punição, é preciso discutir a dimensão ética, o aluno precisa compreender por que não deve pedir para a inteligência artificial fazer o trabalho por ele”, acrescenta. A docente defende que a escola tem papel fundamental na formação crítica e ética dos estudantes. 

Uma aliada quando bem usada

Para o pós-doutor em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem pela Unesp, professor Dariel de Carvalho, a inteligência artificial pode ser uma grande aliada, mas depende de como é utilizada. “A IA pode ajudar o aluno a revisar textos, a montar resumos ou criar perguntas sobre sobre um conteúdo, quando usada desse jeito, ela amplia o aprendizado, o problema é quando o aluno pede pra IA pensar por ele, nesse ponto o aprendizado se perde”, explica. 

Dariel acredita que o papel do professor é fundamental nesse processo. “A escola precisa orientar, pois o aluno não tem maturidade para saber quando está usando de modo correto ou não”, avalia.

Segundo ele, o avanço das ferramentas digitais vai exigir mudanças nas formas de avaliação. “Não dá mais pra pedir um trabalho escrito e aceitar como se fosse produção do aluno, o professor vai ter que propor atividades que mostrem o raciocínio,a argumentação e o processo, assim mesmo com a IA, o aluno vai precisar pensar”, diz.

Dariel reforça que o caminho não é negar a tecnologia, mas aprender a lidar com ela. “A inteligência artificial não vai desaparecer. Se o professor souber usar como apoio, ela pode enriquecer a aula, mas se fingir que ela não existe, o aluno vai continuar usando sozinho e de qualquer jeito”, concluiu. O professor aponta também, que o processo de aprender não pode ser terceirizado para a inteligência artificial, pois quando isso acontece o aluno perde a oportunidade de aprender.

Ele aconselha alunos do ensino médio e da graduação a procurarem/buscarem/tentarem aprender verdadeiramente um conteúdo antes de utilizar inteligências artificiais. “O aluno precisa dessa experiência,  para se aprender como faz, é um trabalho necessário”, opina.  

O professor Dariel de Carvalho; Foto por arquivo pessoal

Regulação e cultura digital

O tema também preocupa pesquisadores da área da comunicação. O professor livre-docente em Políticas de Comunicação, Mídia e Indústrias Criativas pela Unesp professor Juliano Maurício de Carvalho, explica que a IA vem transformando o modo como se produz e consome informação no país.

Para Juliano, o avanço das IAs generativas, como o ChatGPT, representa uma nova fase da cultura digital. “Elas introduzem interfaces mais humanizadas e aproximam pessoas e sistemas, muitas escolas já pedem que o aluno registre os prompts (comandos de pesquisa na inteligência artificial) e reflita sobre como a inteligência artificial ajudou a estruturar o argumento, em vez de entregar só o texto final, isso muda o processo educativo”, explica.

Apesar disso, o país ainda carece de políticas públicas claras para lidar com o tema. “O Brasil ainda não está preparado no plano normativo, existem projetos em tramitação, como o PL 2338/2023, mas o marco legal ainda não está em vigor, a transparência algorítmica e a prestação de contas proporcionais ao risco são pontos centrais dessa discussão”, observa.

Juliano destaca ainda que o uso indiscriminado da tecnologia pode ampliar desigualdades sociais e educacionais. “O risco aparece quando faltam acesso, competências e condições institucionais, uma escola com internet instável e poucos dispositivos, dificilmente consegue aplicar atividades com inteligência artificial, é preciso políticas de conectividade, formação docente e avaliação de impacto”, encerra.

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