Em cidades como Araraquara, Bauru e Botucatu, artistas transformam o funk em expressão de identidade e redefinem o gênero musical no interior do estado.
Por Victor Hugo Aguila
Nos últimos anos, o funk tem conquistado cada vez mais espaço nas cidades do interior paulista. Antes associado apenas aos grandes polos urbanos, com ênfase no Rio de Janeiro e em São Paulo, agora o gênero musical se espalha por diversas regiões do país, envolvendo públicos diferentes e dando origem a novas formas de expressão cultural.
Popularizado no Brasil no fim dos anos 80, após o lançamento do álbum Funk Brasil, do DJ Marlboro, o funk ainda se concentrava nas grandes capitais. A partir dos anos 2000 e início dos anos 2010, com o desdobramento de subgêneros, como o funk ostentação, o interior de São Paulo passou a ter maior contato com esse estilo.
Na atualidade, artistas como MU540 e DJ Caio Prince são responsáveis por quebrar barreiras no gênero e propagam enfaticamente o funk como elemento principal da sua arte. No interior paulista, em aspectos socioculturais, a presença desse ritmo musical também proporciona o surgimento de novos artistas na cena, indo para além da capital do estado.
É o caso de Eduardo Pinheiro (25), conhecido como DJ Lixinho, natural de Santos, no litoral paulistano, e estudante de medicina na Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Botucatu (SP). Para ele, a música sempre esteve presente: “Eu comecei a estudar teoria musical na igreja e depois violino na pré-adolescência. Eu tinha muito daquela crença, pela influência religiosa e conservadora, que funk não era cultura. Porém, fui ficando mais velho e percebi que o mundo não é bem assim”.
Apesar do contato precoce com a música, Lixinho conta que começou a tocar apenas em 2022, após a pandemia causada pela COVID-19. “A minha república aqui em Botucatu produz bastante festas e teve uma em específico que a gente ia chamar outro DJ, porém ele não podia comparecer. Com isso, acabei substituindo ele”.
A partir do ofício de DJ, o músico foi desenvolvendo sua própria identidade dentro do funk: “Quando comecei a tocar, eu falei ‘Eu não vou tocar o que a galera quer escutar, vou tocar o que eu gosto’. E eu lembro que, nas primeiras vezes, deu uma assustada nas pessoas”, conta rindo.
Para ele, isso ocorreu graças ao estilo que prefere seguir ao tocar e produzir suas músicas: “Eu sempre fui muito do mandelão, muito da bruxaria, muito do funk experimental. Gostava muito de experimentar e da influência da periferia e da música eletrônica”.
Percebendo distinções nas formas de consumir a música entre as cidades, o produtor diz que, em comparação ao interior, o público do litoral é “um público mais recatado, mais quieto, muito diferente”, mas que “lá tem muito mais espaço para gêneros diferentes, acho que pela proximidade geográfica entre centro e periferia”.
Sob essa mesma ótica, DJ DK, nome artístico de Derik Paulo (22), natural de Araraquara (SP), e estudante de educação física na Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Bauru (SP), informa sobre as divisões que são notadas no estilo de música em relação às regiões: “Existe uma separação entre o funk periférico e o funk universitário. Existe também uma subdivisão em São Paulo, que é o funk underground, um outro estilo de funk que acaba misturando com várias vertentes de outros gêneros musicais como techno e bass music”.
No interior, para além das diferenças e das divisões dentro do gênero, há também variações nas formas como o funk é consumido e quais são os espaços em que ele está presente.
Para DK, essas divisões se apresentam na maneira de se escutar a música: “Na periferia é uma maneira das pessoas se expressarem, é o que elas vivem. Dentro do funk universitário, por exemplo, é um modo de se divertir. Não que eles não se sintam representados ou não se sintam incluídos dentro dessa cultura, mas acredito que é mais nesse contexto de diversão”.
Ele informa ainda que existem alguns tipos de músicas que são mais ouvidas do que outras na realidade fora da capital: “No funk universitário, enquanto produtor musical, vejo que a batida, a forma como ele é transmitida, a energia e os timbres, envolve mais as pessoas do que propriamente as letras”.
Com relação aos ambientes, Lixinho acredita que as festas acabam sendo limitadas: “Os eventos de funk giram muito em torno de ‘panelinhas’. Isso acaba também influenciando não só os estilos que essas pessoas produzem, mas os eventos em si, onde essas pessoas tocam”.
Em adição à aspectos políticos e culturais, o funk também possui impacto direto na economia das cidades interioranas, através das festas e eventos, como também possibilita a mudança na realidade de muitos artistas. Uma das ferramentas principais para essas transformações, é a presença da internet e das diversas plataformas globalizadas da contemporaneidade.
“O Spotify, majoritariamente, porque é uma das plataformas mais ouvidas do mundo, impacta muito. No aplicativo Spotify para Artistas, você consegue ver o alcance da distribuição da sua música, e existem músicas que são distribuídas para vários países que você nem imagina que estão sendo distribuídas. É fenomenal”, aponta DJ DK.
Lixinho também compartilha a experiência de ter sua música ouvida para além do Brasil graças às redes sociais: “Através do TikTok, recentemente, um DJ de Portugal conheceu o meu trabalho e entrou em contato comigo querendo produzir algo juntos. Isso é muito, muito legal”.
Embora o funk esteja conquistando cada vez mais espaço dentro da realidade brasileira, ele ainda sofre com a marginalização e com as constantes tentativas de criminalização, além da sua relação direta no que tange ao preconceito contra culturas originárias das periferias. No interior do estado, essa realidade não se difere.
“A gente vê claramente esse afastamento, essa repulsa da sociedade com o funk quando a gente faz no mesmo local uma festa de, por exemplo, eletrônico ou pop. Os próprios vizinhos reclamam em relação ao teor das músicas ou até os funcionários de determinado local fazem cara feia. É nítido que é um gênero que incomoda”, afirma DK.
Ao se aprofundar nessa análise, Lixinho destaca também a questão racial e como ela se relaciona com a visibilidade que o funk possui no interior: “Falando pelo viés de eventos universitários, o funk aqui precisa passar por um processo de embranquecimento para ser tocado em festas universitárias”.
Visando mudar essa realidade discriminatória, o musicista informa o seu desejo de que o gênero seja respeitado futuramente: “Espero que o funk passe por um processo de aceitação nas universidades enquanto cultura. Com a massificação do gênero, acredito que a tendência é ser cada vez mais aceito nas academias e, a partir disso, ser reconhecido enquanto algo que possui caráter e valor cultural”.
Além do respeito enquanto propriedade intelectual, para o DJ araraquarense, é necessário que “as pessoas saibam que existem subdivisões no funk e, a partir disso, reformule a ideia sobre o que é o funk”.
DK explica também que é necessário se unir contra essa discriminação: “Eu vejo que falta muita união, porque, querendo ou não, é cada um defendendo o seu. É necessário se unir para que todos caminhem em uma direção só. Alinhando isso, creio que o funk vai estar cada vez mais presente na nossa cultura”.

Eduardo Pinheiro (25), conhecido como DJ Lixinho. (Foto/Reprodução: Redes sociais)

Derik Paulo (22), conhecido como DJ DK. (Foto/Reprodução: Redes sociais)

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