Após quase oito meses em vigor, veja como a lei que proíbe os celulares dentro das salas de aula afetou a vida dos alunos e dos professores
Por Lorenzo Santos
Há quase oito meses era decretada em todo o Brasil a lei que proíbe o uso de dispositivos celulares dentro das salas de aula no país.
Seguindo o exemplo de diversos países ao redor do mundo, tais medidas visavam, inicialmente, preservar o ambiente de aprendizagem, estimular a socialização e salvaguardar a saúde mental dos alunos. Entretanto, a falta de debates a respeito do tema e a rápida aprovação do Legislativo criaram um cenário de incertezas sobre a aplicação efetiva da lei e os seus impactos no dia a dia dos estudantes e dos professores.
Há uma década, diversos projetos de lei visando regulamentar o uso de aparelhos eletrônicos portáteis em estabelecimentos de ensino da educação básica vinham tramitando na Câmara dos Deputados. Em outubro de 2023, a cidade do Rio de Janeiro se tornou a primeira a proibir o uso de celulares nas escolas públicas municipais. A medida foi implementada desde o primeiro dia do ano letivo seguinte, restringindo o uso mesmo fora de sala de aula, em recreios e intervalos.
No mesmo ano, o Estado de São Paulo sancionou a lei que proibiu a utilização dos dispositivos em escolas públicas e privadas do estado. Assim como Roraima, Distrito Federal, Paraná, Rio Grande do Sul, Maranhão e Tocantins também implementaram medidas similares. Em outubro de 2024, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou o PL 104/2015, unificando 14 projetos similares. Em pouco mais de um ano, o projeto foi aprovado pelo plenário do Senado e sancionado pelo presidente.
A mudança provocou grandes discussões a respeito dos possíveis usos de celulares em sala de aula. “Eu acho que foi um ponto extremamente positivo para a educação, porque força os alunos a raciocinar e, com o tempo, eles vão aprendendo que o celular os distraía durante a aula. Os alunos hoje perderam um pouco a ideia de que precisa se raciocinar, para eles qualquer coisa é o celular. Você não fixa a informação”, defende Ana Maria Nunes, professora de língua inglesa na rede pública estadual.
Para Michelle de Almeida, professora na mesma escola, os celulares são ferramentas favoráveis à aprendizagem, mas o problema é “educar o uso”. Atualmente, na escola onde trabalha, a proibição é regra. Mas o uso dos dispositivos é permitido mediante autorização dos professores.
Entretanto, segundo os próprios estudantes, a lei nem sempre é cumprida a rigor. De acordo com Ana Valêncio, aluna do terceiro ano do ensino médio, “se você perguntar para qualquer aluno, ele vai falar que não mexe no celular. Mas na sala de aula, está todo mundo com o celular, assistindo séries ou de fones ouvindo música”. Muitas vezes, segundo ela, os estudantes utilizam os aparelhos até mesmo na frente dos professores, sem se importarem. “Poucos professores veem [o aluno] com o celular e falam para guardar. É raro.” Eloisa Pereira, também aluna do ensino médio, diz que “aqui na sala de aula a gente mexe com a permissão ou não do professor”.
Segundo Michelle, há, de fato, um desrespeito à regra. “É exaustivo entrar nas salas diariamente em seis aulas por turno de trabalho e orientar sobre uma lei de conhecimento geral. A sala de aula exige planejamento, o tempo é cronometrado e há muitas questões que pedem a atenção do professor simultaneamente” defende a professora.
Por outro lado, há também professores que discordam que a regra seja violada com tanta frequência. Para Ana Maria, a lei “realmente funciona”. Segundo ela, “você tem que estar sempre ali em cima, cobrando e mostrando que é a lei, mas se você partir do princípio de que foi uma medida adotada no início do ano, já melhorou bastante”.
Contudo, por ter se dado de forma relativamente rápida, a aprovação da lei gerou debates entre os próprios professores e coordenadores escolares com relação a como seriam aplicadas as restrições.
Nessa escola estadual, o dever de guardar os dispositivos ainda é do aluno. Mas em casos graves, a direção se reserva o direito de confiscar o aparelho até o horário de saída do estudante. Segundo Valêncio, há uma espécie de “caixinha” onde ficam os celulares confiscados durante a aula, mas que não é explicado aos alunos a quem cabe a responsabilidade pelos aparelhos. Para ela, a medida não é eficaz o suficiente. “Eu acho que se eles querem proibir, eles têm que pegar o celular logo na entrada e devolver na saída, porque ninguém está respeitando”, diz.
Apesar das críticas à determinação, tanto professores quanto alunos perceberam uma certa melhora no aprendizado em sala de aula. Michelle defende que o desempenho na aprendizagem é “notoriamente melhor” e que houve melhoras no foco e na atenção dos alunos. “A gente tem, querendo ou não, um foco maior no estudo. A gente aprende a desenvolver melhor. A gente tem uma disposição a mais quando o celular não entra no nosso dia a dia”, defende a aluna Eloisa.
Ana Maria também relata uma melhora nas notas dos alunos, mas faz ressalvas à obrigatoriedade do uso das plataformas digitais. “Eu acho que as notas tiveram uma melhora. Mas, a meu ver, o que é discutível são as plataformas. Elas não são inteligentes, não tem como existir um aprendizado. São plataformas caras que vieram para nos auxiliar, mas elas não estão trazendo o resultado esperado”, argumenta a professora ao se referir às plataformas de tarefas digitais de caráter obrigatório no Estado de São Paulo.
Diversos exercícios de matemática, redação, inglês e até mesmo informática podem ser realizados por meio de aplicativos específicos disponibilizados de forma gratuita pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
Entretanto, muitos alunos demonstram estar desestimulados, já que a realização das atividades deve ser feita utilizando os computadores e tablets disponibilizados pela própria escola, que nem sempre possui dispositivos suficientes para todos os alunos. “Muitas vezes quando a gente tenta, o tablet ou o computador da escola não funciona”, diz Eloisa. Ana Maria também comenta: “outro fato que você tem que lidar é com a internet, que não é cem por cento. Então, também chateia o aluno. Às vezes, ele está terminando de fazer e cai a internet. Quando volta, ele perde tudo o que ele fez. Isso desestimula”. Nesses casos, o uso dos celulares é normalmente permitido pela coordenação.

Veja mais reportagens sobre o ensino em debate:
