Por Jéssica Loredo e Maysa Cassu

Em 2024, os brasileiros enfrentaram grandes desafios climáticos, como as sucessivas ondas de calor seguidas do tempo seco e a piora dos efeitos das queimadas que atingiram todo o território do país. Em Bauru, principal município do centro-oeste do estado de São Paulo, a combinação de calor extremo superando máximas de 35ºC, baixa umidade do ar e ausência de chuva, provocou síndromes e infecções respiratórias, posteriormente agravadas pela poluição das queimadas em todo país. 

Essa situação enfrentada por todo Brasil foi um estopim para que organizações bauruenses e sociedade se manifestassem em frente à Câmara Municipal em setembro, promovendo o “Grito pelo Clima”. A reivindicação principal era mostrar que Bauru precisa de planejamento para enfrentar as mudanças climáticas.

Em novembro, foi fundada a “Frente pelo Clima” através da Pastoral da Ecologia Integral, da Diocese de Bauru. A secretária da organização, Natasha Lamônica, conta que a Frente nasceu após uma assembleia decisiva entre partidos, estudantes, representantes do IBGE e outras associações. “A gente entendeu que Bauru precisava de uma união em favor do clima. Iniciamos os trabalhos da Frente e hoje estamos elaborando propostas para o Plano Diretor, como a aclimatização transporte coletivo e arborização urbana”, afirma.

Primeiro ato da Frente pelo Clima – Créditos: Gabriel Placce (reprodução/instagram)

“Existem duas ações que a população poderia fazer para estar contribuindo. A primeira delas é cobrar de nós, o setor público”

Assim como a Frente pelo Clima, outras organizações do movimento civil estão fomentando o debate acerca do planejamento urbano da cidade, levando propostas para o poder público já que o novo Plano Diretor está em andamento. Cientes que as autoridades políticas são os maiores agentes, as ações relacionadas às causas ambientais estão nas mãos da Secretaria do Meio Ambiente e Bem-Estar Animal (SEMAB). 

Em entrevista, o coordenador de políticas ambientais da SEMAB, Sidnei Oliveira, evidencia que atualmente a cidade não possui um plano de arborização urbana, embora exista a Lei nº 4368/99 que estabelece os critérios e padrões para tal. Contudo, em março de 2025, foi definido que o Plano Diretor de Arborização Urbana do município está a cargo de uma empresa terceirizada, a Neofloresta Serviços Ecossistêmicos Ltda

“Nesse plano que estamos contratando, um dos parâmetros que pedimos é que a empresa faça o levantamento desses imóveis onde estão faltando arborização, áreas verdes, espaços de lazer e canteiros centrais. Isso para que a gente tenha uma noção daquilo que está faltando e daquilo que tem que ser suprimido. Mas posso dizer que é um pouco mais difícil porque o setor do empresariado planeja o aumento do perímetro urbano”, esclarece Sidnei. 

O servidor explica que a pasta possui três pilares centrais: educação científica e ambiental; ações efetivas para diminuição de gases de efeito estufa; e a remediação com a Defesa Civil para mitigar outros problemas. No entanto, ele pede a atenção da população. 

“Existem duas ações que a população poderia fazer para estar contribuindo. A primeira delas é cobrar de nós, o setor público. A segunda, ajudar a diminuir os impactos negativos, como cuidados com terrenos baldios, não causar queimadas, utilizar a água de maneira consciente e utilizar o transporte público”, enfatiza. 

Os dados das mudanças climáticas mostram que a vida não está separada da natureza 

No dia 5 de junho é comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente, e neste último, Bauru promoveu a feira ambiental da XXV Semana Integrada do Meio Ambiente (SIMAB). Um objetivo comum das exposições era discutir sobre os impactos que as mudanças climáticas têm trazido à vida humana, ressaltando os problemas como o desmatamento, ondas de calor extremo e a falta de água, cuja questão hídrica já é um problema antigo na cidade. 

Em 2019, o IBGE publicou uma atualização do Mapa de Biomas do Brasil, onde é possível observar uma mudança na cobertura do cerrado (em amarelo) no estado paulista, comparando o ano de 2004 e 2019.

 Mapa dos Biomas do estado de SP em 2004 à esquerda e 2019 à direita. Fonte: Banco de Dados e Informações Ambientais – IBGE, 2019.

Vinicius Cardoso, biólogo do Jardim Botânico há mais de 20 anos, conta que o parque é uma das maiores áreas de conservação desse bioma no estado e alerta que “considerando que hoje em dia quase não temos mais cerrado, se não fosse o Jardim Botânico, praticamente seria o fim dessa vegetação aqui em Bauru”, afirma.

Além disso, a característica de solos arenosos do bioma proporcionam uma maior infiltração da água das chuvas. Os problemas com a falta de água e o racionamento é uma situação perene na vida dos bauruenses, e o cientista ressalta que “se temos pouca floresta de cerrado, menor é a recarga de aquíferos. Menos recarga, menor disponibilidade de água. O impacto na nossa vida é direto”, comenta. 

As sucessivas ondas de calor são consequências diretas das mudanças climáticas. Em Bauru, é possível observar anomalias na temperatura com o passar dos anos, de acordo com dados da agência suíça de meteorologia Meteoblue, que compara a variação desde 1979 a 2024. Nota-se que há flutuações acima da média tracejada e os gráficos em barra mais vermelhos são os anos mais quentes, que ultrapassaram o limite de 1,5ºC conforme estabelecido no Acordo de Paris.  

Variação da temperatura média a cada ano e anomalias. Fonte – Meteoblue, 2024.

Na mesma linha das anomalias das temperaturas, outra consequência sentida pelos bauruenses é o tempo seco e muitas vezes a falta de chuva, que acaba gerando problemas no abastecimento do rio Batalha, responsável por abastecer 38% da água da cidade. Dados climáticos da Meteoblue também apontam desequilíbrio na precipitação de 1979 a 2024, onde as barras de tons mais marrons significam anos mais secos.

Variação da precipitação média a cada ano e anomalias. Fonte – Meteoblue, 2024.

Um bom planejamento requer a voz de vários setores da população

“Eu fico preocupado, porque há essa despreocupação com as causas ambientais. A gente fica falando de agir, mas pode ser que nosso tempo de agir já tenha passado” – Vinicius Cardoso

Com o novo Plano Diretor de Bauru em andamento, enquanto arquiteta e urbanista, Natasha reforça aspectos cruciais que devem ser considerados no documento. “No centro da cidade, por exemplo, há muita construção verticalizada para pouca arborização. Mas é sensível que na zona sul da cidade a arborização é melhor distribuída, e na periferia o povo sofre, não tem tanta árvore ou até mesmo um parque”, relata. 

O garçom João Victor de Souza comenta os desafios que enfrenta nessa situação alarmante. “A gente já tem que trabalhar nesse calor o dia todo, e no fim do expediente, ainda temos que pegar o verdadeiro ‘inferno’ que é o ônibus, muita gente passando mal e lotação, sem ar condicionado”, desabafa. 

Presente na SIMAB representando o curso de Meteorologia, a meteorologista e docente da Unesp Bauru, Priscilla Teles de Oliveira, explica que a cidade precisa criar na população o hábito da conscientização sobre o meio ambiente. Entretanto, a ação deve ser conjunta, pois as políticas públicas de Bauru devem atender às demandas do povo e ouvir os especialistas. “Hoje, quase ninguém quer ouvir os cientistas. Eu estou tentando. As mudanças climáticas estão aí, ciência e meio ambiente também fazem parte da política, não dá pra ignorar isso”. 

O biólogo Vinicius destaca que a conscientização tem que começar desde as crianças. “Nós precisamos estar nas escolas e incluir os pequenos, eu fico preocupado, porque há essa despreocupação com as causas ambientais. A gente fica falando de agir, mas pode ser que nosso tempo de agir já tenha passado”, reforça. Dessa maneira, ouvir vários setores da população contribui para uma pluralidade de ideias, propostas e também acolhimento justo àqueles que precisam ser ouvidos e participar ativamente de sua cidadania. 

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