Cientistas descrevem exemplar de dinossauro que revela novas pistas sobre como os pássaros começaram a voar.

Por Daniel Nunes Teixeira

Em agosto de 2022, chegou ao Museu Field de História Natural, de Chicago, após mais de dois anos de negociação, uma caixa com a inscrição “frágil” sobre suas tábuas. A paleornitóloga Jingmai O’Connor, curadora associada do museu, recebeu a remessa, levando-a sobre um carrinho de carga para o departamento de geologia, onde rapidamente se reuniam colegas de trabalho, ansiosos para ter, no mínimo, um vislumbre daquilo que se tornaria uma das mais importantes aquisições do museu depois da T-Rex Sue.

Tomando um cuidado quase que paranoico com qualquer mínima rachadura no chão, a doutora chegou com a “encomenda” ao departamento e, sem esperar nem mais um minuto, começou a desempacotá-la. O remetente pareceu ter propositalmente protegido o objeto com todos os materiais disponíveis, unicamente no intuito de gerar o clássico deleite humano de descobrir.

Assim, após momentos da mais pura inquietação e desassossego, ao tirar uma última tira de papel, O’Connor finalmente visualizou aquilo que ela havia esperado por tanto tempo: uma laje de pedra.

Aos olhos desatentos, esta seria apenas mais uma laje de pedra como todas as outras, mas sua importância se revelou atrvés de um raio-x: a pedra continha nada mais nada menos que o exemplar mais bem preservado já encontrado de Archaeopteryx, dinossauro de extrema importância para a biologia evolutiva e paleontologia por ser considerado o “elo perdido” entre aves e dinossauros não-avianos.

Em entrevista concedia ao Jornal Contexto, a doutora Jingmai O’Connor e o biólogo evolucionista Alexander Clark, cientistas lideres do artigo publicado na revista Nature em quatorze 14 de maio deste mesmo ano, contam um pouco sobre o processo que os levou a escrever o artigo e o porquê deste ser uma das mais importantes descrições dos últimos anos.

A entrevista foi feita pelo Google Meet, em inglês, pelo repórter do Jornal Contexto Daniel Nunes Teixeira. O repórter também é o autor da tradução desta entrevista exclusiva.

Jingmai O’Connor: “o fóssil que provou que Darwin estava certo”

Contexto:Você pode contar um pouco sobre toda a, digamos, louca história por trás da aquisição do fóssil e o porquê desta aposta ter valido a pena no final?

Jingmai O’Connor: Sim, com certeza. Eu realmente adoro essa parte da história. Então, na verdade, levou eu acho que uns cinco anos no total para adquirir o Archaeopteryx. A história começou antes mesmo de mim. Na verdade, começou com um antigo curador cujo nome era Pete McAvickie que foi à Suíça ver e avaliar o fóssil. Mas ele deixou o museu Field logo depois, então a venda ou aquisição foi meio que pausada. E aí veio a pandemia, mas aí eles quiseram levar as coisas adiante, então eles me contataram, mas eu ainda não tinha começado a trabalhar.

Mesmo assim, ainda se passaram uns oito meses, eu acho, até que o espécime finalmente chegou ao museu. E assim que ele chegou, nós levamos ele para aquela máquina de raio-X que temos no departamento de geologia. E essa situação é meio engraçada porque foi bem anti-climático. O que fizemos foi colocar a placa embaixo do raio-X, então todos saímos da sala porque, sabe, não podemos ficar na mesma sala que os raios-X. Assim apertamos o botão para escanear o fóssil, mas colocamos ele no lugar errado, então o raio-X não detectou nada! Na tela simplesmente não tinha nada. Então voltamos para sala, deslizamos a laje uns quinze centímetros, saímos de novo, apertamos o botão e a imagem apareceu na tela. E, sabe, o raio-X vê o espaços vazio em preto, certo? Então é como se o fóssil inteiro aparecesse na tela preto, porque ele não foi esmagado; todos aqueles pequenos espaços vazios dentro dos ossos eram, na verdade, o que estávamos vendo na tela, não o fóssil em si, não os ossos em si. Então foi super emocionante, sabe, porque ali nós não só vimos o fóssil inteiro pela primeira vez, como também descobrimos que ele não foi esmagado, que estava muito bem preservado.

Foi um grande momento para o Field Museum, tinha pessoas filmando tudo que estava acontecendo, começamos todos a gritar e bater palmas. Foi simplesmente um momento realmente incrível.

Levamos cerca de um ano para lentamente descobrir o fóssil, propriamente dito, e retirá-lo da rocha, que é o todo, sabe, provavelmente a parte mais difícil de todo o processo. Tivemos muita sorte de termos tido preparadores tão bons.

Contexto: Quais descobertas foram reveladas por este espécime tão especial? Poderiam nos contar um pouco sobre ele?

Jingmai O’Connor: Eu acho que uma das coisas mais importantes que aprendemos foi o que publicamos no primeiro artigo – porque haverá muitos outros. O artigo da Nature foi bem curto, então só conseguimos dizer algumas poucas partes legais, certo? Há mais por vir.

Mas acho que o mais importante que dissemos no primeiro artigo foi sobre a presença de penas régimes nas asas. E a única razão pela qual conseguimos ver essas penas em nosso espécime e em nenhum outro é porque, por alguma razão muito estranha, as asas do nosso fóssil estão viradas para baixo, ligeiramente arrancados do corpo. Então normalmente, se as asas estão presas ao corpo, você pode imaginar que elas estão estendidas para o lado, e então as penas meio que entram em contato com o corpo, certo? Meio que se sobrepõem a ele. Então essa parte mais interna não fica clara. Mas no nosso espécime as asas estão viradas para o lado oposto ao corpo, o que nos permite ver a asa inteira.

Quando tento pensar em como isso aconteceu, imagino o fóssil caindo no oceano, batendo no fundo, e depois como ele foi arrancado e virado de cabeça para baixo, mas sem ser esmagado, tipo, meu cérebro começa a doer quanto tento imaginar como isso aconteceu. Tafonomia é uma loucura, sabe, é muito complicada e difícil de entender.

Então, não entendemos por que ele está preservado dessa forma, mas temos muita, muita sorte de ser assim. E desta forma podemos ver as penas chamadas régimes, que pouquíssimos cientistas se importaram. Na década de 80, um cientista disse: “O Archaeopteryx tem um longo úmero, então ele deve ter tido penas régimes para fechar o espaço entre as penas primárias e secundárias e o corpo”. Porque, imagine, se você quer que uma asa forme sustentação, ela precisa formar uma superfície contínua com o corpo. Se houver uma grande abertura ali, o ar vai passar por ela e vai atrapalhar a sustentação, então você não vai ter uma asa, certo?

Esse cientista disse isso lá nos anos 80, e só hoje encontramos essas penas no Archaeopteryx! Aí você deve achar que isso não é tão emocionante porque alguém já tinha dito que elas estariam ali. Então, por que isso é importante, afinal? A razão pela qual isso é importante é porque, depois de perguntarmos “Ei, o que são essas penas grandes e estranhas que vemos no Archaeopteryx”, “Ah, elas são régimes”, honestamente, eu nunca tinha ouvido falar de penas régimes antes de estudar elas no Archaeopteryx, simplesmente porque elas são muito pouco estudadas. Mesmo em pássaros vivos, pessoas estudam elas muito pouco.

Nada de extraordinário, eles também são pássaros, também voam, então faz sentido que os tenham. Mas aí começamos a observar dinossauros com o Archiornis, o Chondipteryx, ou o Genuanlong. Todos esses dinossauros emplumados que conhecemos da China, que não são pássaros, mas parentes muito próximos deles, todos esses sabemos que têm algumas penas nos braços que parecem asas, mas não são usadas para voar – gosto de chamá-las de protoasas. E o que descobrimos é que nenhum desses dinossauros não-aviano tinha penas régimes, o que significa que eles teriam protoasas, mas entre essas superfícies e o corpo, havia uma grande lacuna. E isso é apenas mais uma evidência de que esses dinossauros não voavam, o que é, eu acho, uma evidência que o voo evoluiu várias vezes nos dinossauros. Isso nos ajuda a entender melhor como se passa de uma estrutura semelhante a asas em dinossauros terrestres, dinossauros corrento pelo chão que têm coisas que parecem asas, para dinossauros que podem realmente usar essas asas para voar.

Então acho que essa é a parte mais legal. Mas neste artigo também falamos sobre outras coisas. Também falamos sobre o nosso Archaeopteryx, o primeiro exemplar com uma coluna vertebral completa.

E acho que a outra coisa interessante sobre a qual falamos no artigo é que temos as escamas na planta dos pés preservadas, e elas estão preservadas o suficiente para que conseguamos ver o contorno das pequenas almofadas formadas pelo tecido mole da planta do pé. Então, se você pensar em um pássaro, e pássaros fazem muitas coisas, alguns deles sobem em árvores, outros correm pelos chão, outros se empoleiram em árvores. E dependendo de quais são os pés, eles interagem com o ambiente, certo? Então os pés deles são importantes, você pode olhar para eles e eles vão te dizer o que eles estão fazendo. Eles dirão se eles estão escalando, se eles estão pastando, se estão andando no chão. Então, com o nosso Archaeopteryx, podemos ver que as almofadas das patas são de uma ave andando no chão. E, novamente, isso não é muito surpreendente, porque sabemos que o Archaeopteryx não era lá muito bom para voar, então ele provavelmente passava a maior parte do tempo no chão. Mas, ao mesmo tempo, é muito legal ver esses tecidos moles em dinossauros de 150 milhões de anos. E, sim, quase todos eles têm penas, e todos têm unhas. Mas este é um tecido mole nunca visto antes.

Ver isso fornece informações que apoiam o que já pensamos sobre esse animal. Eu acho isso realmente emocionante.

Contexto: A importância do Archaeopteryx para a biologia evolutiva é inquestionável. É provavelmente a macroevolução mais relevante já registrada, como dito em sua resenha. Então, qual é a história por trás do dinossauro emplumado? Qual a razão pela qual o Archaeopteryx é um ícone da evolução?

Jingmai O’Connor: Essa também é uma história legal. Então, Darwin publica seu livro sobre a teoria da seleção natural, sobre a origem das espécies por meio da seleção natural. Ele o publica em 1859. Ele havia se apegado à sua teoria por décadas, como aquele pequeno desenho onde ele escreve que é de 1837, eu acho, mais de 20 anos antes de ele publicar seu livro, ele já tinha essas ideias, mas tinha medo de publicar. Então, no ano seguinte, Darwin publicou seu livro. E ele se tornou um best-seller absoluto, instantâneo, o que significa que agora todo o público, pelo menos no Reino Unido, na Europa, está discutindo essa nova teoria, certo? E naquela época, as massas eram controladas principalmente pela igreja, então a igreja agora se sente ameaçada, porque a ideia da evolução por meio da seleção natural vai contra a ideia da criação. E, no livro de Darwin de 1859, ele diz: “a objeção mais grave”, essas foram as palavras dele, “a objeção mais grave que se poderia levantar contra minha teoria é que não há evidências fósseis”, e diz também: “acho que a razão é porque não temos muitos fósseis, precisamos desenterrar mais fósseis!”

Então, dois anos depois, o Archaeopteryx é encontrado. E o Archaeopteryx fornece essa evidência, a evidência necessária. Mas como? Porque o Archaeopteryx é o que chamamos de fóssil de transição, ou “elo perdido”. E nenhum desses nomes é muito bom pois são ambos um pouco enganosos. Mas a ideia é que o Archaeopteryx é um fóssil que registra o processo de evolução. Então, como ele faz isso?

Ele faz isso porque possui algumas características que indicam que ele deve ser um pássaro. Possui asas emplumadas, o “osso da sorte”, uma hélice invertida. Então, essas são as principais características que indicam que essa criatura é uma ave. Mas, se você observar, ela também tem muitas características que não estão presentes em aves modernas, que estão presentes em dinossauros terópodes, que estão presentes nos répteis, certo? Então ele tem dentes nas mandíbulas, garras nas mãos, uma longa cauda óssea, uma fíbula reduzida, etc. Sabe, ele tem essas características que indicam que é uma ave, mas também indicam que as aves são terópodes vivos. Portanto, como o Archaeopteryx preserva características do grupo ao qual pertence agora, além do grupo mais inclusivo do qual evoluiu, ou ao qual ainda pertence, é claro, ele registra o processo da evolução.

É por isso que o Archaeopteryx é considerado o fóssil que provou que Darwin estava certo. Foi Robert Walker que disse isso. Então, é, é por isso que ele é considerado um ícone da evolução.

Contexto: Como última e mais importante pergunta: o Archaeopteryx realmente voou como uma galinha?

Jingmai O’Connor: Eu provavelmente disse isso, mas eu não acho que devamos pensar que ele voou exatamente como uma galinha. Definitivamente não voou exatamente como uma galinha moderna, mas galinhas não voam bem e foi isso que eu quis dizer. Assim, como uma galinha não voa longas distâncias, não migra milhares de quilômetros, elas apenas batem as asas muito rápido para tentar subir em árvores para tentar escapar de um predador, foi isso que eu quis dizer quando me referia ao Archaeopteryx voar como uma galinha. Eu só quis dizer que ele não voava, não era como um falcão ou como algum pássaro que consegue se movimentar bem no ar. Provavelmente não conseguia se movimentar muito bem, não conseguia voar longas distâncias. Eles provavelmente só conseguiam planar o mais longe que pudessem. Mas, sim, não é correto dizer que voava exatamente como uma galinha, mas você conseguiria dizer que voava mais ou menos como uma galinha. Eu não sei, quando vi o título do artigo do New York Times, eu pensei: “não, não”, mas, você sabe. Obrigado por me deixar esclarecer isso, eu realmente agradeço.

Alexander Clark: “na época do T-Rex já havia pássaros voando por aí”

Contexto:Você pode contar um pouco sobre toda a, digamos, louca história por trás da aquisição do fóssil e o porquê desta aposta ter valido a pena no final?

Alexander Clark: Sim! como você deve saber, todos os fósseis de Archaeopteryx vêm de três pedreiras na Baviera, Alemanha. São todos de propriedade privada e geralmente são vendidos para pessoas muito ricas. E não é muito comum que museus os adquiram. Então, um espécime de Archaeopteryx foi comprado por alguém da Suécia, e ele o deixou guardado em casa por um tempo. Então você tem esse rapaz, e depois você tem o museu, e alguém no meio contatou o museu e disse: “Eu tenho um cara que quer vender este Archaeopteryx”. E na época apenas partes dos braços estavam expostas. Era tudo que se conseguia ver.

Mas mesmo pelos braços, dava para perceber: “O.k., sim, é um Archaeopteryx. Existem 14 espécimes de Archaeopteryx conhecidos publicamente até o momento. Este é o mais completo, faltando apenas a ponta de um dedo. Todo o resto está lá. Suspeito que, se o cara que vendeu soubesse que tudo estava lá, nunca teríamos o espécime… teria ido para algum bilionário em algum outro lugar. Não teríamos conseguido. Então, tivemos muita, muita sorte mesmo.

Contexto:Que descobertas foram reveladas por este espécime tão especial? Poderia nos contar um pouco mais sobre ele?

Alexander Clark: Vou começar com o esqueleto. Foram necessárias cerca de 1.300 ou 1.400 horas de preparação para revelar o fóssil da rocha. E o esqueleto está preservado tridimensionalmente, ou seja, o Archaeopteryx tem aproximadamente o tamanho de um pombo ou de um corvo. E, sabe, os ossos são tão finos que a luz pode passar através deles. E, mais uma vez, eles são tridimensionais, então, em vez de estarem amassados – como a maioria das coisas com as quais trabalhei na China, são todos finos como papel, muito, muito amassados –, esse Archaeopteryx é tridimensional. Portanto o esqueleto, todos os ossos, mantêm a forma que tinham em vida, o que é incrível.

A parte mais importante é, sem dúvida, o crânio. O crânio está preservado tridimensionalmente e a maioria dos ossos, quase todos, ainda estão articulados. Portanto, eles estão em contato com os outros ossos que deveriam estar em contato.

Agora sabemos como é o céu da boca, sabemos como a cabeça se parece em comparação com o crânio do Archaeopteryx há cinco anos. Mudamos praticamente por completo a aparência do crânio, porque agora temos um crânio tridimensional completo. Sabemos que os três dedos das mãos estavam todos livres para que cada um possa se mover independentemente. Então, achamos que isso pode ter sido uma adaptação para escalar.

Mas voltando ao crânio: ele tem muitos forames. Eles são como pequenos orifícios logo acima dos dentes. E todos eles estão preservados do crânio. E, na verdade, está mostrando os vasos sanguíneos e as terminações nervosas, ou os orifícios nervosos, as aberturas nervosas que teriam dado à boca o tecido mole e o tato. Assim, ela consegue sentir as coisas. É assim, esse é nível de detalhe que conseguimos obter.

Mas os tecidos moles são a parte mais incrível. Então, este foi o primeiro Archaeopteryx preparado com luz UV. E, graças a isso, conseguimos ver que havia tecidos moles preservados, o que é incrível. Isso provavelmente significa que todos os outros espécimes de Archaeopteryx tinham tecido mole, mas foram destruídos.

Até onde sabemos, o Archaeopteryx foi a primeira ave, o primeiro dinossauro voador, que tinha essa porção de penas. E, novamente, pode ter havido outros Archaeopteryx que tinham isso, com outras espécies, mas eles não eram bem preparados.

Contexto: Esses espécimes incríveis poderiam ter sido estudados há muito tempo se não estivessem em uma coleção particular de fósseis. Quais são os desafios da ciência atual para encontrar esses fósseis particulares? Qual é a sua opinião sobre coleções particulares como aquela em que o fóssil do Archaeopteryx foi, digamos, resgatado?

Alexander Clark: No geral, é muito difícil porque algumas pessoas automaticamente dizem: “Odeio gente rica”. Mas gente rica é a razão pela qual temos esses espécimes. Mas é lamentável quando pessoas muito, muito ricas compram fósseis, porque os museus não têm tanto dinheiro, portanto os museus não conseguem competir com pessoas que têm muito dinheiro.

Então, quando os espécimes são trazidos à luz, como um grande T-Rex ou um grande Estegossauro, os leiloeiros, ou seja, as pessoas que os vendem, mostram fotos, eles contam às pessoas sobre isso. E os paleontólogos veem isso, e nós dizemos: “nunca vimos isso antes”, ou “este é o mais completo de todos os tempos, poderíamos, por favor, tê-lo para estudo?”, mas quando alguém compra esse espécime, ele sai para sempre dos olhos da ciência, a menos que o doem a um museu. Se um espécime estiver apenas na sala de estar ou na cozinha de alguém, as pessoas não podem visitá-lo, estudá-lo. E algumas pessoas no passado, alguns paleontólogos, foram às casas das pessoas e descreveram espécimes dentro das casas deles. Mas normalmente não gostamos disso, porque o objetivo de ter fósseis em um museu é que qualquer pessoa possa vê-los. Por exemplo, se eu te disser que esta asa tem uma certa aparência e você quiser ser um bom cientista, você irá lá e se certificará de que eu estou certo. Mas quando é propriedade de alguém, não dá para ter essa constante de “tudo bem, preciso ter certeza de que essa pessoa está certa ou errada”. É muito mais difícil de fazer.

É uma pena. Eu gostaria que, em vez de pessoas ricas comprarem fósseis para colocarem em suas estantes, eles os comprassem e os doassem a museus. Porque nove em cada dez vezes, nós batizamos o dinossauro com o nome deles. E quem não quer um dinossauro com seu nome?

Contexto: A importância dos Archaeopteryx para a evolução da biologia é inquestionável. É provavelmente a macroevolução mais relevantes já registrada. Qual é a história por trás deste dinossauro emplumado?

Alexander Clark: Ah, essa é uma longa história. Bem, as aves hoje são facilmente o grupo de vertebrados mais bem-sucedido do planeta. Sabe, os humanos são inteligentes, mas somos muito burros; não nos damos muito bem no frio ou no calor.

As aves, por outro lado, se reproduzem em todos os continentes deste planeta, o que é insano. E há mais de, sabe, cerca de 11.000 espécies delas. E existem apenas quatro, cinco ou cinco mil e quinhentas espécies de mamíferos, e metade delas são apenas roedores. Então, faz sentido que os paleontólogos estejam curiosos, assim como nós estamos curiosos sobre como as aves chegaram onde estão.

O que é interessante, como já falamos, é que o Archaeopteryx realmente tem essa quantidade absurda de características que já são muito parecidas com as das aves. Então, o que entendemos neste momento, com o registro fóssil entre o Archaeopteryx e alguns fósseis que encontramos na China, é que há cerca de 150 ou 170 milhões de anos, havia um grupo de terópodes – ainda não temos certeza de qual grupo, achamos que podem ser os troondontídeos, mas não temos 100% de certeza —, mas eles começaram a ficar menores, e à medida que você fica menor, pode começar a brincar com a forma que se movimenta.

Se você quiser planar, é mais fácil planar quando se pesa 450 g em vez de 9 kg, ou 1 kg em vez de 20 kg. É Muito mais fácil voar. E, nessa época, os dinossauros, os que estavam acasalando, tinham penas. Quer dizer, acho que, ao longo da evolução, a maioria dos terópodes já eram emplumados. Acho que alguns deles perdem as penas quando crescem o suficiente, como o T-Rex, porque não precisam tanto de termorregulação, mas isso não quer dizer que o T-Rex não poderia ter penas para exibição; simplesmente não encontramos.

Mas, então, pássaros, ou melhor, neste ponto, ainda estamos falando de dinossauros, passam a ficar menores. Esses terópodes vão ficando menores, criam penas e as penas existem por dois motivos principais: a primeira delas é provavelmente termorregulação; então, os dinossauros crescem rapidamente, o que significa que provavelmente têm sangue quente. Temos outras evidências que eles têm sangue quente. Você e eu temos sangue quente. Se ficarmos com frio, as coisas param de funcionar rapidinho.

Então, quando você tem sangue quente e está frio lá fora, você coloca uma jaqueta. As penas basicamente cumpriram esse papel por um tempo, ajudando pequenos dinossauros a perder calor muito rapidamente, ajudando-os também a reter calor. Outra coisa muito, muito importante é que as penas eram uma estrutura com a qual se pode brincar para seleção sexual.

Como sabemos, em pássaros e muitos animais em geral, quando as coisas começam a desenvolver novas características, seja um chifre de aparência ou uma cor estranha, as fêmeas notam. E. se as fêmeas notam, isso significa que você vai ter filhotes, que é o motivo pela qual você está vivo. E então há essa combinação de: isso te mantém aquecido à noite e te ajuda a se movimentar mais rápido de manhã. E, se as fêmeas gostarem, você consegue procriar com mais frequência.

Então, eventualmente, as penas chegam a um ponto em que não só mantêm os indivíduos aquecidos, como também são sexualmente atraentes. Na verdade, ajudam outras coisas, sabe, se estiverem em uma árvore, a pular para outra sem precisar tocar o chão. É um pouco mais eficiente do que descer, correr e depois subir de volta.

Aí chegamos a algo como um Archaeopteryx, que é difícil de definir como pássaro, mas estamos usando a definição de “se você consegue se impulsionar, não está apenas planando, e é realmente capaz de produzir a própria sustentação, vamos chamar você de pássaro”. Acho que o Archaeopteryx é o primeiro a conseguir fazer isso.

Quando isso acontece, sabe, quando o voo acontece, as coisas começam a ficar malucas. As asas ganham formatos diferentes, Há formatos de asas diferentes em pássaros de 120 milhões de anos. Mas o que surpreende muita gente é que, na época do T-Rex, já havia pássaros voando por aí, já havia pássaros que se pareciam com os pássaros modernos. Você provavelmente iria para o Cretáceo, olharia ao redor e pensaria: “Ah, olha lá aquele pássaro!”. Eles pareciam muito, muito com pássaros modernos, exceto, claro, que muitos deles tinham mãozinhas e dentes. Mas eles eram pássaros completos, completos na época. Por outro lado, o Archaeopteryx é, assim, tipo, esse ponto-chave de dinossauro, restrito ao solo. De repente, você começa a ver essa transição para “vamos decolar” e as coisas simplesmente acontecem a partir daí.

Contexto: Sim. Acho que não é o nome certo, mas o Archaeopteryx é realmente o “elo perdido” entre pássaros e dinossauros.

Alexander Clark: Sim, ele é chamado de “elo perdido” ou “fóssil de transição”. Você tem razão. É meio que um termo difícil de usar porque, se tudo está em constante evolução, então tecnicamente tudo é um elo perdido.

Contexto: Tudo é um elo perdido, exatamente.

Alexander Clark: Sim. É um ótimo exemplo para dizer ao público, sabe. Você tem um dinossauro aqui com uma cauda longa, dentes e mãos, e então você tem um pássaro sem dentes, sem mãos, sem cauda. Mas então, no meio deles, tem o Archaeopteryx e ele é tipo “espera, ele tem partes de ambos?”, e é tipo isso, “sim, esse é o ponto”. Então é uma boa ilustração, um bom “elo perdido” nesse caso. É, você entendeu. Como se tudo fosse outra coisa.

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