Professor de Educação Física da Unesp explica como ocorre a recuperação de atletas lesionados e seu retorno ao alto rendimento


Fisiologia do exercício no esporte: da prevenção de lesões ao retorno seguro ao alto rendimento. Foto: Redes sociais

Por Ana Julia de Souza

Muito antes da recuperação começar, o fisiologista do esporte já está em ação. Ainda que pouco visível, seu papel é essencial na prevenção de lesões e no monitoramento dos sinais de alerta que o corpo oferece. Quando a lesão acontece, o trabalho do fisiologista não termina, ele continua fundamental na fase de recuperação, ajudando a responder à pergunta crucial: o atleta está realmente pronto para voltar ao alto rendimento?

A fisiologia do exercício trabalha com alterações funcionais, biológicas e bioquímicas que acontecem no corpo. O profissional da área, o fisiologista, tem uma função essencial, prevenir. Para isso existem marcadores que ajudam a sinalizar que a lesão irá acontecer: entre eles estão marcadores celulares e sanguíneos como a creatina quinase (CK), que indicam desgaste muscular, níveis hormonais, como o cortisol e a testosterona, que apontam estresse e recuperação, variáveis subjetivas, como o humor, sono e o estresse, e marcadores funcionais como força e dor, e excesso de carga, treino ou exercício. Ao identificar o problema, o profissional ajusta a carga do treino e adapta a rotina de recuperação do atleta, monitorando para que o corpo corresponda.

Em entrevista ao Jornal Contexto, o fisiologista do Noroeste e professor da UNESP (Universidade Estadual Paulista) de Bauru, Alessandro Moura Zagatto, explica como os marcadores são importantes para detectar sinais precoces de dano muscular, permitindo ajustes no treino antes que o problema se agrave.

“Tem uma enzima que a gente usa muito para prevenir a lesão, que é a creatina quinase, que a gente chama de CK, que é uma enzima que está dentro da célula, quando a célula se rompe, essa enzima sai da célula e vai para a corrente sanguínea. Então, se a gente detecta ela alta na corrente sanguínea, quer dizer que algum tecido lesionou. Então, é um marcador de infarto, e aí a gente acaba usando como marcador de lesão muscular”, diz ele.

Mas quando a lesão acontece, o cenário muda, e a liderança passa a ser do médico. O diagnóstico clínico e a definição do tratamento imediato são responsabilidade do médico, mas o fisiologista segue de perto, monitorando como o corpo do atleta responde ao repouso e às intervenções. Ele também ajuda a avaliar a recuperação muscular e ajusta a carga de trabalho conforme a orientação médica.

“Depois que a lesão acontece, isso vai para o setor médico, depende do tipo de lesão, se é uma lesão óssea, ou uma lesão de tecidos moles, o que a gente poderia atuar é continuar fazendo o monitoramento dessas variáveis sanguíneas, como um marcador se ele está ou não apto a voltar a fazer essa atividade”, destaca Alessandro.

Alessandro Moura Zagatto, professor da UNESP de Bauru e fisiologista do Noroeste. Foto: Redes sociais

Após a fase crítica e com a liberação médica, o fisiologista volta a ser peça-chave no retorno do atleta, monitorando a recuperação, realizando ajustes no treino e garantindo que o retorno ao alto rendimento ocorra de forma segura e gradual. O professor disse que testes e avaliações de forças, assim como a variabilidade da frequência cardíaca e testes funcionais para avaliar a mobilidade articular, o equilíbrio e a coordenação motora do atleta, são parâmetros essenciais para determinar se ele está com o mesmo desempenho que tinha antes, se de fato está apto para retornar às suas atividades normais.

Além destas, variáveis sanguíneas também são importantes. A enzima CK quando é usada como marcador de infarto e após o tratamento não apresenta nível alterado no sangue significa que o atleta não está mais com problema e pode retornar ao treino normal.

Para realizar esse acompanhamento com precisão, o fisiologista conta com diversas ferramentas tecnológicas. A variabilidade da frequência cardíaca, que determina quanto tempo o coração demora para ter dois batimentos, mostra o quanto a atividade simpática e parassimpática está trabalhando no corpo.

“Quando a gente está lesionado, um problema simpático está lá em cima, a gente está estressado, está irritado, e o corpo detecta isso e vê. Enquanto que o parassimpático é a preguiça que a gente tem pós-dormida, pós-refeição, o sistema vagal”, explica o fisiologista.

Além disso, Zagatto disse que hoje já foram desenvolvidas tecnologias de roupas, com sensores que conseguem detectar alguma alteração sem ter a necessidade de coletar o sangue. “Ela consegue por infravermelho fazer essa estimativa dos parâmetros e acaba sendo uma estratégia interessante no processo de recuperação”, ressalta ele.

Mas nenhum trabalho é eficaz se feito isoladamente. A comunicação entre fisiologista, médico e fisioterapeuta é fundamental. O profissional destaca que a comissão de desempenho e a comissão médica se comunicam diariamente, para que não ocorra problemas de excesso de treino e sobrecarga pela preparação.

Quando o atleta se lesiona, o contato com o fisioterapeuta é direto, para discutir qual estratégia pode acelerar a recuperação. “Porque não adianta simplesmente prescrever, você tem que monitorar que a pessoa percebe de um jeito o estresse”, aponta o professor.

Um erro comum é antecipar o retorno aos treinos. E é aí que mora o perigo. A lesão muscular costuma ter um processo de recuperação mais rápido do que uma lesão óssea ou ligamentar. Por exemplo, quando há uma lesão no músculo, primeiro acontece a formação no tecido fibroso, após no tecido conjuntivo e por último o tecido muscular, que é o mais rígido e que gera força. Já no caso da lesão ser no músculo e o atleta voltar antes do músculo exercer a mesma força de antes, isso pode sobrecarregar outros grupos musculares, e até sofrer outra lesão por excesso de trabalho. Por isso se torna necessário respeitar os tempos certos.

Na entrevista, Zagatto também conta um exemplo que vivenciou: “já vi casos cirúrgicos de enxerto de ligamento, com cirurgia de ligamento e a pessoa retornar antes do tempo e esse enxerto do ligamento sair, ele voltar a ter a mesma lesão, tem que operar de novo por um retorno antecipado da atividade”.

No fim das contas, entender o papel do fisiologista é entender como a ciência ajuda o esporte a ser mais seguro e eficiente.

Apesar de atuar nos bastidores, o fisiologista tem um papel indispensável no esporte de alto rendimento. Antes das lesões o corpo sinaliza que algo está errado e é crucial saber reconhecê-los e respeitar seus limites. Como explica Alessandro Zagatto, nosso sistema imunológico é uma das principais defesas, e os sinais podem aparecer através de resfriados. “Muitas vezes ele tem resfriado no frio, mas quando tem isso no calor, quer dizer que o treino não está legal. Então você sabe identificar, conhecer, saber que essas lesões podem acontecer por intensidade alta ou por duração alta e entender os nossos limites é importante para tentar prevenir isso”, finaliza ele.

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