Profissional explica sobre atual momento da saúde mental no âmbito esportivo e as maneiras de aprimorar o desempenho dos atletas
Por Lara Pellegrini
Nas Olimpíadas de Tóquio, em 2020, a ginasta americana Simone Biles, desistiu da final individual para cuidar do seu bem-estar emocional. O acontecimento chamou atenção no cenário esportivo e acendeu a pauta sobre a saúde emocional. O psicólogo esportivo formado na UNESP (Universidade Estadual Paulista), Felipe Modenese, aborda diferentes esferas no campo da saúde mental de atletas de alto nível.
Para que o atleta possa desempenhar seu mais alto nível, é necessário que ele esteja em um estado de fluxo, ou seja, o campo emocional deve estar em equilíbrio. São através de métodos desenvolvidos pela Psicologia que o esportista alcança essa condição.
Através de técnicas como o EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares), que consiste em provocar uma reconfiguração em como as coisas estão instaladas na mente humana através de movimentos fisiológicos, é possível fazer com que o atleta atinja o estado de ‘flow’ por meio dessa liberação para o desempenho.
“No evento de lesões, por exemplo, o mecanismo de proteção do corpo fica em alerta, podendo causar dificuldades no retorno do atleta mesmo depois de tratar a parte física. A ideia com esse tipo de técnica (EMDR), é desarmar isso”, explica Felipe Modenese.
A importância do acompanhamento mental para atletas vai além da boa performance em jogo. Muitas vezes, o baixo desempenho está ligado a outros canais da vida do esportista, que com a ajuda de um psicólogo, são acessados e tratados para ter a maximização da atuação esportiva.
“Às vezes me procuram para falar sobre o setor da vida como um atleta, mas isso é apenas uma parte, é mais um papel, como diversos outros. Ele tem o papel de atleta, o papel de companheiro, o papel de filho. Se a queixa ou a preocupação for só sobre o desempenho esportivo e se eu ficar só nesse campo de interesse, as vezes eu não consigo oferecer uma boa ajuda. Eu preciso ampliar e ver o todo”, explica o profissional.
O destaque esportivo tem se tornado cada vez mais precoce. Desde muito jovens, atletas estão se tornando vitrines, ocasionando em vendas milionárias no caso de jogadores de futebol. O acompanhamento no campo emocional se torna fundamental para o desenvolvimento e potencialização desses jovens esportistas.
“É essencial ter um acompanhamento na área mental. É preciso fazer o que chamamos de manejo de pressão, ou seja, dosar e colocar uma cortina para que aquele atleta possa desempenhar em seu máximo, independente de quem estiver olhando. Ao mesmo tempo que os jovens caem na graça do povo muito rápido, um erro pode ser o suficiente para acabar com a carreira dele”, observa o terapeuta.
Clubes que costumam lidar com jovens promessas têm à sua disposição uma equipe preparada para ajudar o atleta a lidar com a pressão que sofrerá.
“As vendas milionárias, ao mesmo tempo que geram pressão, também fazem com que a autoestima e autoconfiança do atleta aumente muito. Os grandes clubes têm uma estrutura organizada para fazer esse acompanhamento e tomam o cuidado para trazer o atleta para o desempenho excelente”, ressalta Felipe.
Entretanto, apesar de provar-se como um campo importantíssimo de cuidado na vida do atleta, o acompanhamento psicológico ainda enfrenta empecilhos e tabus. É preciso chamar atenção para a dificuldade ainda persistente, principalmente entre os homens, em olhar para si, reconhecerem o sofrimento, abaixarem a guarda, saírem da posição de imbatível e pedirem ajuda.
“Olhar para esse tema com sinceridade e honestidade ainda é um tabu entre os homens. Esse tópico já está bem melhor do que antigamente, mas não quer dizer que hoje em dia esteja bom. Figuras públicas são importantes para mitigar o preconceito com o tratamento mental”, observa o psicólogo.
Atletas como Simone Biles, Rebeca Andrade e Rayssa Leal, além de jogadores de futebol como, Richarlison, Yuri Alberto e Roman Bürki, têm se destacado como símbolos na valorização do acompanhamento psicológico para atletas.
Falta educação sobre saúde mental tanto para os atletas, quanto para a equipe que os cerca. É necessário educar profissionais, treinadores e equipes para o acompanhamento psicológico e aprimorar a percepção do esportista sobre o momento em que ele deve pedir ajuda.
“Quantos atletas já não foram a um estado mental que realmente comprometeu a carreira? Quantos atletas não poderiam ter tido seus desempenhos potencializados caso fizesse o acompanhamento? O esportista que tem um super talento e não está performando, ele não está bem porque ele não quer estar ou porque tem algo afetando seu fluxo de desempenho? Falta noção, empatia e consciência sobre a saúde mental”, pontua o profissional.
Sobre a pressão que jogadores profissionais sofrem diariamente em sua profissão, o goleiro suíço Roman Bürki declarou, em entrevista ao “The players Tribune” que todos esperam que um atleta esteja confiante, sem brechas para dúvidas ou erros. “Mas as pessoas esquecem que também somos humanos e eu tenho certeza de que se eu não tivesse conversado com alguém, se eu não tivesse compartilhado minha ansiedade e problemas, eu teria sido esmagado e destruído pela pressão”.

A saúde mental é um campo tão significativo quanto os outros na vida de um atleta e é preciso que receba o mesmo nível de atenção. “É tão importante, sensível e carente de ajuda quanto os outros sistemas do corpo, muitos problemas começam por lá. É fundamental criar a cultura, principalmente entre jovens atletas, que assim como um bom alongamento, um bom treino funcional e uma boa dieta, é importante o cuidado com o bem-estar psicológico. É essencial que a sociedade e nossa cultura, coloque a saúde mental no mesmo patamar que outros cuidados”, conclui Felipe Modenese.
