Origens e conceitos desta subcultura mostram que não há espaço para racismo e pessoas de qualquer cor ou etnia podem ser góticos

Cibs, criadora de conteúdo digital e muito influente na subcultura gótica há 10 anos Foto: redes sociais

Por Emilyn Nagate

No final dos anos 70, como um desdobramento do pós-punk, nasce no Reino Unido a subcultura gótica. Mesmo tendo seu estopim em países europeus, a cena gótica foi moldada através dos anos ao se conectar e assimilar elementos de diversas culturas e etnias. Entretanto, o que era para ser um movimento inclusivo e diverso vem enfrentando uma exclusão e invisibilidade racial e étnica. Muitos indivíduos buscam a subcultura por ser um movimento que desafia as normas sociais estabelecidas, oferece um espaço para a diversidade e a criatividade, permitindo que diferentes grupos encontrem sua voz e sejam reconhecidos dentro da sociedade.

Como é o caso de Evelyn Maria, uma estudante do ensino médio, negra e gótica, que “vê a subcultura gótica como uma revolução contra o sistema e os padrões que a sociedade impõe”. Evelyn ainda diz que a subcultura tem também o papel de acolher a minoria e pessoas oprimidas pelo sistema atualmente.

Por ter surgido no Reino Unido e se espalhado primeiramente pela Europa, a subcultura gótica é estereotipada e muito associada à branquitude até os dias atuais. Erroneamente foi disseminado o conhecimento e a visão de que apenas pessoas brancas poderiam fazer parte e usar a estética da cena gótica.

“A subcultura gótica é uma subcultura de origem europeia, por isso tem essa questão de ter mais pessoas brancas. Então, assim que pessoas negras começaram a usar a subcultura gótica também, como forma de protesto e expressão, foram criticadas por causa da estereotipagem”, conta Ingrid Silva, mais conhecida como Tequila, criadora de conteúdo digital sobre a subcultura gótica e parda.

“No meu ponto de vista, a cena gótica é um movimento político e estético que se torna uma forma de expressão muito forte”

Tequila

Stef, como é conhecida nas plataformas digitais, também é criadora de conteúdo digital sobre a subcultura gótica. Ela admite, enquanto pessoa branca, que existe a falta de representatividade racial dentro da cena gótica, principalmente devido aos estereótipos sobre a cena. “Quando se trata da imagem que a gente tem e da popularidade que a gente vê dentro da subcultura, infelizmente, há mais pessoas brancas tendo o protagonismo”.

Ainda que a subcultura seja pautada na inclusão e no acolhimento, atualmente indivíduos negros, indígenas, indianos, asiáticos e muitos outros de etnias não-brancas são alvo de racismo e críticas quando utilizam do estilo gótico. Esse ataque ocorre principalmente nas redes sociais, em plataformas como Instagram e TikTok.

“Muitas pessoas falam que gótico é um estilo de branco e que só branco pode usar. Já comentaram em algo que eu postei que sabiam que eu só estava tentando ser branca”, diz Evelyn. Ela explica que esse é um dos comentários que já recebeu e que é algo comum de se ver em lugares na internet.

Tequila trouxe também outro caso onde presenciou comentários racistas ao indivíduo da subcultura. “Eu estava com uma amiga que é gótica e negra. A gente estava andando na rua com a pele branca e começaram a falar que ela era uma negra tentando ser branca. Quando a maquiagem gótica não tem nada a ver com white face”.

Cibele Cristina, conhecida como Cibs, dona do canal “Fases da Bruxa”, negra e criadora de conteúdo digital sobre a cena gótica há 10 anos, reforça que em seus ideais e filosofia, a subcultura é aberta a todos. “Em nenhum momento a subcultura prega o fato de que o gótico tem que ser branco. O gótico pode ser da etnia que ele quiser”.

Elementos da subcultura: porque pintar o rosto de branco?

Tequila e Evelyn usando a pintura facial branca Fotos: redes sociais

Ao contrário das críticas que as entrevistadas sofreram e presenciaram, a arte de pintar o rosto de branco é usada para representar a palidez da morte ou a aparência gélida e morta de vampiros ou seres não vivos.

“Nos primeiros anos, a subcultura gótica adotou muitos filmes de vampiro que trouxeram a imagem de palidez e morbidez. Não para representar a pele branca em si, mas sim o lado dramático, a pele com um aspecto mais morto e pálido”, explica Cibele.

“A subcultura dá muito espaço para a expressão artística, principalmente na maquiagem. É como se o nosso rosto fosse uma tela e a gente pudesse explorar novas formas de pintura e de arte”

Cibs

Essa subcultura tem suas raízes no expressionismo alemão e apropria-se de narrativas que exploram o medo, cenários distorcidos e sombrios, jogos de sombras e uma teatralidade do horror e da melancolia.

Esses elementos são usados para criar produções musicais, cinematográficas e literárias, nas quais são tratados temas como a solidão, a morte e a decadência, tornando ainda mais perceptível a concepção da subcultura gótica como uma experiência sensível e filosófica e não apenas como estética ou moda.

Ainda que não se resuma apenas a estética, a forma de se vestir é uma importante forma de se expressar dentro da subcultura. Os mesmos elementos mórbidos são utilizados também nas roupas, símbolos e maquiagens que os góticos aderem.

Além do rosto pintado de branco, outro exemplo do uso desses elementos é optar pelo uso da cor preta, tanto na maquiagem quanto em roupas, que pode ser usada para destacar as sombras, a tristeza e o sofrimento, ou até mesmo “para passar uma mensagem para sociedade. Nós usamos o preto principalmente para demonstrar o luto constante da sociedade machista, homofóbica, xenofóbica, racista em que vivemos hoje”, conta Cibs ao Jornal Contexto.

Tequila e Evelyn utilizando elementos populares da subcultura góticas Fotos: redes socias

Esses são elementos estéticos e não é obrigatório usá-los para ser gótico. Existem ainda vertentes dentro da subcultura que utilizam de outras cores, estilos e outros conceitos estéticos. Dessa forma, cada indivíduo é livre para transitar entre as vertentes e usar quais elementos preferir.

“Eu diria que cada gótico vai acabar criando seu próprio estilo. Nós compartilhamos a similaridade do interesse por coisas sombrias, mas ainda assim existe a vertente Perky Goth, que é um estilo mais alegre e teatral”, Explica Stef.

“A subcultura gótica tem como base a música que é inspirada pela literatura gótica, pelo cinema e por algumas estéticas específicas”.

Stef

Simbologia gótica e a herança cultural

“Por mais que a música gótica tenha surgido na Europa, as inspirações são de vários lugares do mundo. O símbolo mais popular dentro da subcultura gótica, que é o ankh, é um símbolo que tem origem africana”, Stef comenta sobre as origens de um dos principais símbolos utilizados dentro da subcultura. Ela continua: “parte do visual gótico é inspirado na cultura latina, então é uma grande junção de várias inspirações culturais diferentes”.

Cinto de Ankh, símbolo de origem egípcia Foto: redes sociais

A subcultura gótica também foi influenciada grandemente pela cultura asiática, pelo oriente médio, pelo méxico, entre várias outras regiões do mundo. Além disso, desde seus primeiros anos, elementos de outras etnias e culturas eram atribuídos pela cena gótica como a batida etno e tribal nas músicas, o visual pseudo-egípcio de Siouxsie e a “participação de integrantes negros em bandas como The Cure, mesmo nos anos 80”, exemplifica Stef.

Representatividade racial: a mídia e a indústria da moda

A mídia é responsável por popularizar informações sobre qualquer assunto atualmente e não é diferente para a subcultura gótica. Com a hiper digitalização e, principalmente com as redes sociais, a cena gótica ficou suscetível a banalização e desinformação trazida pelo meio digital.

“Se você for pesquisar gótico no Google, vai ver brancos e brancas, de cabelo liso. Porque a subcultura gótica, no mainstream, é algo padronizado. Então, eles não se preocupam em mostrar a diversidade, mostrar que também existem pessoas de outras etnias dentro da subcultura gótica”, explica Cibs.

“A mídia está preocupada em vender, preocupada em propagar. Então, dificilmente vão colocar pessoas negras em destaque porque é uma subcultura de pessoas brancas”, Tequila expõe.

Stef diz que os padrões vendidos e exigidos pela mídia, atingem também os indivíduos da subcultura gótica. “Tem pessoas que abrem mão da textura natural do cabelo, que se submetem a tratamentos para tentar embranquecer mais a pele. É algo muito triste de acompanhar”.

A falta de representatividade racial influencia também na entrada de novas pessoas na subcultura. “Antes de entrar na subcultura, eu via só meninas brancas e não tinha nenhuma referência negra. Eu achava que a estética, que o visual, era para pessoas brancas e que aquilo não era pra mim”, conta Evelyn, que é integrante negra da subcultura.

Mesmo com grande desvantagens, personalidades negras, indígenas e de outras etnias permanecem lutando contra o apagamento e começaram a ganhar maior visibilidade na indústria da moda.

“Sinto que a indústria da moda alternativa, principalmente aqui no Brasil, melhorou muito. Você encontra muita diversidade hoje em dia, tem algumas influenciadoras de diferentes etnias que são bem populares. É algo que precisa melhorar, com certeza, mas existe muito mais diversidade do que no passado”, diz Stef.

Gabriele Mayra e Nébula, personalidades negras influentes na cena gótica Foto: redes sociais

Cibele compartilha da mesma opinião sobre o atual papel da indústria da moda. “A indústria da moda alternativa retrata muito bem a questão racial. Hoje em dia, nós nos deparamos com lojas alternativas que tem modelos negras, tem modelos brancas, tem modelos de todo tipo de corpo, tipo de cor, tipo de cabelo”.

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