Por Denalyn Oliveira e Yohana Soriano, 25 de junho de 2025

A Umbanda não é Candomblé, não é Espiritismo e não é Kardecismo, mas carrega elementos de todos eles. É uma religião fundada no Brasil, constituída a partir de influências das religiões africanas, do espiritismo kardecista, do catolicismo popular e das cosmologias indígenas. Ela nasceu do encontro entre diferentes povos que, há mais de 500 anos, a terra brasileira abrigou. 

No início, foi a junção do que os escravizados tinham em comum. Vindos de terras diferentes e  culturalmente ricas, o que os mantinha como semelhantes, além das condições desumanas de seu encontro, era a crença. Muitos não falavam a mesma língua e não possuíam os mesmos costumes mas adoravam diferentes entidades e nesse momento, uniam seus Orixás para criar algo novo. 

Mesmo sem templos nem liberdade de culto, os povos africanos persistiram com a prática da religião por meio de rituais discretos, muitas vezes realizados nos fundos das senzalas, nas matas ou misturados às práticas do catolicismo popular. Era uma maneira de manter suas tradições vivas. 

A mãe de Santo Néia, dirigente do terreiro Maria Baiana, nos explica que os negros que chegaram da África foram catequizados e por isso o catolicismo foi importante na formação dessas novas religiões. Nesse momento, as cosmologias indígenas também foram incorporadas às giras. 

“Geralmente são entidades que estiveram no Brasil durante a escravidão. A maioria deles eram escravos. Hoje eles vêm para ajudar . Eles trouxeram da África todo o conhecimento que eles têm” diz Jô, braço direito de Néia no terreiro Maria Baiana. 

Imagem representando Pretos Velhos no templo Thunan em Bauru-SP(Foto: Yohana Soriano)

Só em 1908, no município São Gonçalo, que a Umbanda recebe cara e nome. Quando o médium Zélio Fernandino de Moraes incorporou o Caboclo das Sete Encruzilhadas e anunciou os fundamentos da umbanda, unificando os saberes adquiridos por diferentes povos e culturas. Foi ele quem fundou o primeiro terreiro  do Brasil, a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, que se encontra aberto até hoje em Cachoeiras de Macacu no estado do Rio de Janeiro.

A hierarquia espiritual segue a crença de um Deus supremo, Olorum ou Zambi. Abaixo dele, os orixás, que representam forças da natureza e depois as entidades, que são os caboclos, pretos-velhos e crianças que orientam os pacientes.

A vida nos terreiros

Ao chegar no templo Thunan  nos deparamos com uma casa, não aquelas de sala, cozinha, quartos, mas aquela onde você encontra uma família, todos reunidos conversando, e tranquilos, onde pessoas diferentes se encontram no comum e se tornam família. Os novos são recebidos como se já fossem da casa, para a recepção o abraço é o mais importante. A mãe de Santo, Chris, responsável pela espiritualidade do terreiro, faz questão de abraçar cada um que chega e ainda diz que temos que abraçar de pé porque é quando os corações se tocam. “E aqui, quando eu entro, eu abraço todo mundo. Através daquele abraço, eu posso sentir a energia.”

O templo Thunan é um espaço cheio de luz, as plantas crescem sobre sua fachada moldando a entrada, a recepção é calorosa. As paredes brancas são cobertas por quadros e adornos que remetem à ancestralidade das entidades, cocares, flechas e guias fazem parte da decoração, que não só tem a função de embelezar, mas sim de representar a resistência da fé.

Altar do Templo Thunan em Bauru-SP (Foto:Yohana Soriano)

O altar é coberto de histórias, cada elemento que o compõe remete a um momento diferente, as imagens são diversas, desde de Jesus Cristo a representação de um Preto Velho. O templo não se reduz só à sua construção, ele se estende a uma reserva florestal que fica ao fim da rua, a mata, onde o teto é a copa das árvores e o chão é terra, o altar no centro é um tronco, em que envolta se reúnem os filhos da casa para suas celebrações festivas. 

Espaço da reserva onde o Terreiro Thunan atua (Foto: Yohana Soriano)

Visitamos também o terreiro Maria Baiana, que é mais íntimo, ao chamar Néia pelo portão ela nos recebe em sua casa, já que seu templo fica em seu quintal, seus convidados já estão reunidos tomando café e confraternizando como uma família em um final de tarde. A mãe de santo nos conta que escolhe quem vai chamar para sua casa, gosta de conhecer a pessoa e suas intenções. Logo se inicia a gira, todos já se organizam para a celebração, o espaço é pequeno mas cheio de detalhes, seu altar também tem imagem diversas como a Nossa Senhora Aparecida e Iemanjá, as paredes são revestidas por objetos usados nas atividades.

Hoje a religião de matriz africana é bem mais aceita, mas nem sempre foi assim. Chris nos conta sobre conflitos que já enfrentou para poder praticar sua fé “Ela [a vizinha] pegava quando era dia de gira, antigamente era só de quarta, e colocava uma caixa de som bem grande aqui do lado e colocava umas músicas bem altas para atrapalhar. Aí teve uma vez que ela chamou a fiscalização”.

Expressão da fé Umbandista

Foi o sincretismo religioso com o catolicismo que permitiu que a religião fosse celebrada no passado. Os Orixás não eram aceitos pelos europeus e por isso os escravizados relacionavam a santos. Utilizavam desse recurso nas datas de festas católicas, para que pudessem cultuar seus orixás. Essa necessidade de modificações para o exercício da Umbanda foi o que a tornou tão nacional, uma religião que é mistura, adaptação e resistência. “A nossa orixá, dos movimentos da terra, do raio, do vento, é Iansã. Para o católico, é Santa Bárbara. Quando chove demais, o católico fala ‘Santa Bárbara da raio Santa Bárbara’. A Umbanda fala Iansã. É tudo igual, é Iansã, só muda o nome” diz Jô.

Uma das consequências do sincretismo religioso foi o embranquecimento da religião, especialmente na alteração das etnias das imagens cultuadas. Embora a origem da Umbanda seja negra, os terreiros buscaram usar uma estética e aprofundamento espiritualista branco, na tentativa de legitimar suas práticas. Esse movimento tornou a Umbanda mais acessível à classe média e branca brasileira e com a valorização de padrões eurocêntricos, os negros e pardos se afastaram de suas origens para se adaptar as vivencias que eram socialmente aceitas, a do cristianismo. Isso começou durante a colonização e se perpetua até hoje.

A prática dessa religião não é determinada por essas características que lhe foram atribuídas por proteção,  como a necessidade de embranquecimento ou da associação católica. Para eles, o sincretismo muitas vezes não chega a ser uma questão, ele existe e ponto, nada muda a partir daí. O que caracteriza os terreiros são os ensinamentos passados a partir da experiência.

No terreiro, a mãe de santo Neia nos conta que desde pequena já frequenta a umbanda, e que os ensinamentos vieram de casa, onde seu pai já trabalhava em um templo. Assim como a mãe Chris que também tem sua religião como herança familiar, mas entre seus filhos a maioria se converteu recentemente, e agora ela cuida e os ensina como um dia sua família fez com ela.

A Umbanda para quem vive é amor, respeito, humildade e caridade e esses são ensinamentos que eles buscam aplicar no seu dia a dia, a mãe de santo enxerga cada um que frequenta seu terreiro, se interessa pela vida e busca ajudar como pode. A caridade já faz parte da rotina, arrecadam roupa e comida para doação, além de conciliar seus trabalhos a causas que consideram justas ao próximo. “Eu me sinto assim, uma psicóloga, uma professora, uma médica, uma advogada, porque eu brigo também”. Cris nos conta sobre o que é ser Mãe de Santo.

Muitos ainda acreditam que a umbanda prática o mal, fazendo trabalhos para atingir negativamente as pessoas, porém nas duas casas as mães de santo explicam que o bem e o mal existem, e que é uma escolha praticá-los. Em suas casas só praticam o bem, inclusive avisam antes de começar a cerimônia que não farão nada que possa prejudicar o próximo, já que acreditam que tudo o que você faz um dia te retornará, e que a energia que as rodeia deve prevalecer boa.

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