Com uma das piores taxas de tratamento do estado, a cidade enfrenta dificuldades para reverter o cenário e lida com impactos ambientais.

Por Larissa Cunha e Sophia Faccina, 23 de Junho de 2025

Estação de Tratamento de Esgoto Candeia / Foto: DAE BAURU

Você, bauruense, já parou para pensar sobre qual é o destino de todo o esgoto gerado na cidade? Apesar de ser o maior município da região e abrigar uma população de quase meio milhão de habitantes, Bauru ainda enfrenta sérias dificuldades quando o assunto é tratamento de  esgoto. Outras cidades do interior paulista, como Jundiaí e Piracicaba – apenas um pouco maiores que Bauru – são capazes de tratar de maneira ideal quase todo o esgoto que produzem. Então, por que Bauru segue tendo problemas?  

A resposta começa pela própria dinâmica da estrutura existente no município. A cidade gera cerca de 28.876,63 metros cúbicos de esgoto por ano, o equivalente a pouco mais de quatro campos de futebol. Embora o sistema de coleta da região seja capaz de captar 100% desse volume, não é isso que acontece. Dados do Trata Brasil de 2022 indicam que, nesse ano, apenas 74% foram recolhidos, e desse total, apenas 5% passaram por tratamento adequado nas duas Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) do município: Candeia e Tibiriçá.  

A estação de tratamento Candeia, entregue em junho de 2011, é a maior ETE do município, possuindo capacidade de atender cerca de 50 mil habitantes. Apesar disso, só recebe cerca de 28% do total de esgoto que sua estrutura comporta. 

De acordo com Rafael Lledo, assessor de imprensa do Departamento de Água e Esgoto de Bauru (DAE), a estação foi projetada para uma vazão de 70 litros por segundo, mas atualmente opera apenas em 20. 

Já a estação Tibiriçá, também construída em 2011, em parceria com a Faculdade de Engenharia da Unesp (Universidade Estadual Paulista), foi pensada para atender um público específico: os moradores do Núcleo Gasparini, no distrito de Tibiriçá, onde fica localizada. Assim, não representa grande impacto no cenário geral do município. 

Em entrevista, Rafael explicou que a ideia principal do plano de saneamento de Bauru sempre foi que existisse uma terceira estação – a ETE Vargem Limpa – esta, sim, com capacidade para tratar 100% do esgoto gerado pela cidade. Por isso, os projetos Candeia e Tibiriçá previam uma atuação limitada a determinados distritos da cidade, sem a promessa de atender a demanda integral da população bauruense.

A construção da ETE Vargem Limpa teve início no ano de 2015, e segue marcada por uma série de dificuldades técnicas e processuais, que vêm sendo debatidas na justiça desde 2021, quando a obra foi paralisada após rompimento de contrato com a construtora responsável. Na ocasião, os motivos principais para essa rescisão foram falhas consideradas graves na execução do projeto, assim como problemas de fiscalização. Desde então, é considerada a obra pública municipal paralisada mais cara do estado, segundo levantamento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP). 

No ano passado, foi aprovado na Câmara o edital que prevê a concessão das obras da Vargem Limpa. Lledo aponta que uma vez concluído esse processo, “toda a tubulação, todo o maquinário necessário para sua manutenção, novas ligações de esgoto também, e até a cobrança do esgoto vão deixar de ser do DAE e passarão para uma concessionária”. O assessor ainda pontua que, nesse novo formato, a previsão é de que a conclusão da estação aconteça nos próximos 3 anos, mas ainda sem data certa. 

De acordo com o esperado, após a entrega da obra o problema com o tratamento deverá ser resolvido. Até lá, todo o esgoto não tratado da cidade ainda continuará sendo despejado na natureza. Rafael explica que toda a rede de tubulações responsáveis pela coleta do esgoto, as chamadas “interceptoras”, captam e direcionam esse material para o local da futura estação Vargem Limpa. Porém, uma vez que ela não está concluída, “esse esgoto é coletado, afastado do perímetro urbano e jogado em uma região do Rio Bauru, próximo da ETE”.

IMPACTOS AMBIENTAIS E SAÚDE PÚBLICA

Em entrevista, João Cardoso Pimentel, engenheiro do DAE de Ibitinga, cidade próxima a Bauru, enfatiza a importância do cuidado com o esgoto. “O tratamento do esgoto parece brincadeira, mas ele influencia diretamente na saúde da população”. 

Ele explica ainda que esse procedimento ocorre em etapas, que vão desde a coleta do material bruto nas tubulações até sua devolução para os corpos d’água. De acordo com o profissional, a primeira fase do tratamento é o gradeamento, no qual ocorre a separação dos resíduos sólidos. Em seguida, o esgoto vai para reservatórios de decantação, onde termina a separação entre a parte líquida e os sólidos menores. Por fim, ocorre a biodigestão, etapa na qual o material é efetivamente tratado e se torna apto para voltar à natureza.

Acima, esquema de tratamento de esgoto aplicado à ETE Candeia.

Por conta da dificuldade em realizar esses processos em larga escala, Bauru segue enfrentando problemas ambientais e de saúde pública. Segundo o assessor do DAE Bauru, há estudos que comprovam que esse descarte inadequado de esgoto in natura nos córregos da região afeta as camadas subterrâneas mais superficiais, como o Aquífero Bauru. Consequentemente, pode afetar a fauna, a flora, e a população não só do município, mas também das áreas próximas.

A estimativa é de que 700 a 800 propriedades privadas, localizadas ao longo do aquífero, façam uso dessas águas contaminadas, o que aumenta o risco de proliferação de doenças relacionadas à precariedade do saneamento básico, como hepatite A, esquistossomose, filariose e leptospirose. Segundo números divulgados pelo DATASUS, em 2022, Bauru registrou 89 casos de doenças de veiculação hídrica, assim como uma morte.

Diante desse cenário, Rafael afirma que o DAE conta com estratégias para tentar minimizar os impactos ambientais e de saúde causados pelo descarte irregular do esgoto. “O DAE tem um programa de monitoramento de todos os córregos aqui na cidade, em torno de 18 ou 19 córregos, para saber se realmente tem alguma tubulação vazando nesta região”. Assim, evitando que esse material invada a área urbana e a contaminação se espalhe. 

Além do monitoramento dos córregos, ele fala sobre o desenvolvimento do projeto SAC, que conta com a colaboração dos órgãos municipais, da USP (Universidade de São Paulo) e de universidades internacionais. O intuito é utilizar Bauru como cidade-piloto para um estudo de saneamento básico. “Estão tentando desenvolver projetos pioneiros, mecanismos de tratamento dessa água superficial, de leitos contaminados superficiais, e esse impacto nos aquíferos subterrâneos”.

Enquanto a construção da ETE Vargem Limpa segue paralisada, a população de Bauru continua exposta aos riscos ambientais e de saúde causados pelo despejo irregular de esgoto. A situação reforça a importância de investimentos no setor, como destaca o engenheiro do DAE Ibitinga: “cada real que você investe no saneamento, você está melhorando a qualidade de vida da população”.

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