Como o Streetwear aproxima o mundo fashion com o do futebol

Por Helena Singillo

Na terça-feira (10), a PUMA lançou sua coleção de camisas de futebol para o Super Mundial de Clubes da FIFA, que ocorrerá nos meses de junho e julho. A coleção, denominada “Freshly Painted” (Recém pintada), era esperada e aguardada ansiosamente pelos torcedores, mas o detalhe singular de que um estilista consolidado da moda streetwear seria responsável pela elaboração dos desenhos foi uma surpresa para todos. Colm Dillane, conhecido como Kidsuper, assinou a coleção das camisas dos times em contrato com a marca, entre eles, do alviverde paulistano, o Palmeiras.

O estilista é nova iorquino, especialista na moda streetwear e possui uma relação direta com o futebol e o uso de itens esportivos nas suas criações. Kidsuper também é bem próximo do Brasil, ele já morou aqui e visita o país de vez em quando.

A parceria entre um designer renomado e uma grande fornecedora de uniformes não é inédita, mas é parte de uma tendência que cresce no contexto esportivo. As estéticas que tiram as camisas de futebol das arquibancadas e as colocam na moda causal cresceram nos últimos anos e se fazem presentes, inclusive, nas grandes passarelas.

Em entrevista para o site oficial do Palmeiras, Dillane destacou a relação entre arte e futebol e como buscou expressá-la nessa nova coleção. “Esta coleção é sobre mais do que o jogo. É sobre se expressar, correr riscos e se destacar. Dentro ou fora de campo, o futebol é uma forma de arte, e esta coleção prova isso”, afirmou.

Blokecore e Sportlife

Para falar das estéticas que fazem uso de itens do futebol em suas composições é necessário falar do streetwear, vertente da qual eles nasceram. O termo refere-se ao estilo de roupa urbana casual que foi popular na década de 1990 nos Estados Unidos, fortemente influenciada pelo hip-hop, surf, skate e outras subculturas.

Esse estilo, porém, se fez presente em outros lugares do mundo. Cada país possui o seu próprio streetwear, a sua própria moda de rua. No Brasil, por exemplo, ela é protagonizada essencialmente pela periferia das cidades e influenciada pela cultura de rua que esses jovens vivem. Mais que um estilo, o streetwear é uma forma de identificação e pertencimento.

Sobre isso, a criadora de conteúdo digital sobre moda Carol Valle destaca as distinções dessa tendência em diferentes países. “Quando falamos de estéticas falamos muitas vezes de cultura, já que elas se relacionam, e a cultura daqui não é a mesma de lá”, diz.

A criadora Carol Valle – Foto: Redes Sociais / @cndvalle

A estética Sportlife se destaca pelo uso de conjuntos de time, com calças e jaquetas combinando, junto com tênis mais esportivos e acessórios ligados ao esporte. Marcas como Nike e Adidas são associadas a esse estilo.

Já a Blokecore é, por tradução, o “estilo do cara comum” e este é o torcedor inglês da década de 90. O estilo consiste na combinação de camisas de time com calças de alfaiataria, cargo, jeans, saias, shorts e bermudas, além de tênis com pegada esportiva, os do estilo “chuteira” são exemplo disso, como o “Adidas Samba” e o “Puma Palermo”. A estética  tem ainda mais destaque quando é composta por camisas vintage, de temporadas antigas e icônicas dos diferentes clubes de futebol.

Exemplos de Sportlife e Blokecore – Fotos: Redes sociais / @kyanmaloka e @garimpo.brecho__

A importação do que é nacional

Essas estéticas que levam as camisas para a moda casual ficaram populares mundialmente com as redes sociais e com o uso, por parte de elites econômicas, delas fora dos estádios. Foi no ano de 2022, com a Copa do Mundo no Catar, que elas foram massivamente propagadas e o mercado da moda passou a se inspirar nelas.

Entretanto, elas sempre estiveram presentes na periferia brasileira, faziam parte da manifestação cultural desses povos e eram muito desvalorizadas por isso. “Bem antes de nomearmos uma estética ela já existia, temos o próprio Blokecore como exemplo, ele era utilizado há muito tempo dentro de comunidades e julgado como inferior”, observa Carol.

Ela também menciona a ascensão dos movimentos sociais e culturais, como hip-hop e o funk, como precursores disso. Para além desses, as camisas de times de várzea também desempenharam papel fundamental nessa popularização. “Com sua origem periférica [do futebol de várzea] misturando o amor pelo esporte e uma forma de oposição ao futebol profissional, a utilização de camisas de futebol de várzea é uma forma de pertencimento e amor pelo esporte, que está presente na periferia e nas comunidades”, afirma

A busca pelo antigo

Como visto acima, esses estilos se apegam muito a itens antigos e considerados retrô. Por isso, há um estímulo para o uso de camisas de temporadas passadas e também simbólicas de grandes conquistas. Para além do valor material, elas assumem uma carga emocional com as conquistas e jogos históricos em que elas foram usadas. Esses fatores aumentam a raridade e, consequentemente, o preço delas.

Essa busca pelas camisas mais velhas incentivou, sobretudo, o relançamento de camisas icônicas e de releituras delas nos dias atuais. As camisas do Santos da temporada 25/26 são exemplos dessa prática. Enquanto a camisa dois leva uma estética retrô inspirada nos anos 90 e 2000, a três é uma releitura fiel a camisa azul usada em 2012, eternizada pelo ídolo do alvinegro praiano, Neymar.

A camisa três do clube é inspirada na de 2012 – Foto: Ricardo Saibun / Santos FC e Redes sociais

A seleção brasileira também não fica fora de moda. A Nike, distribuidora oficial de uniformes da equipe, anunciou a coleção “reissue” (reedição) que traz de volta camisas icônicas usadas pelos canarinhos. Ano passado, a marca lançou uma releitura da camisa usada na Copa de 1998 e esse ano, ela anunciou que trará de volta a icônica camisa Total 90, usada pela seleção em 2004-2005 e eternizada por Ronaldinho Gaúcho. A novidade foi usada pelo rapper Thiago Veigh em sua apresentação no festival BOOMRAP, reforçando a relação entre a moda streetwear com o esporte.

A camisa Total 90 original e sua releitura usada pelo rapper Veigh – Fotos: Acervo / CBF e Redes sociais

Os designers no comando

Como visto no caso de Kidsuper com a PUMA, a colaboração de designers com marcas de uniforme aproxima cada vez mais os mundos da moda e do esporte. Esse olhar mais ‘fashionista’ para as camisas é bem recebido pelo público. “Quando pensamos em lançar algum item no mercado temos que estudar o comportamento do consumidor, e querendo ou não, estéticas que emergem das redes sociais estão ganhando cada vez mais força, ou seja, o lançamento segue uma tendência no mercado”, explica Carol.

Um exemplo de recepção positiva foi a das camisas da temporada de 25/26 da seleção finlandesa. A coleção é obra do designer filandês Klaus Haapaniemi, que uniu símbolos do folclore nórdico e das tradições do próprio país em um design que segue elementos tradicionais. Um desenho cheio de significado que, ao mesmo tempo, valoriza a história e cultura do país.

As duas camisas finlandesas e o designer Haapaniemi – Fotos: Redes sociais

Essas parcerias introduzem algo novo no mundo das camisas, que anteriormente tinha designs mais genéricos e comuns entre os clubes que possuíam o mesmo fornecedor. “Quando buscamos pessoas especializadas, além do conhecimento e domínio que a pessoa possui, (elas também) tendem a ter um olhar diferenciado sobre o assunto”, relata Carol.

Arte e futebol se unem não só nos gramados, com os dribles e jogadas impressionantes. Eles também se juntam na moda – na expressão e identificação de diferentes grupos – e com o streetwear, essa parceria se torna cada vez mais tangível e presente no dia a dia.

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