Como esta prática pode afetar os hábitos de consumo da população e quais são as consequências para quem trabalha na área.

Por Sofia Menezes

O termo fast fashion corresponde à rápida produção, consumo e descarte de peças de roupas que são tendências por um breve período. A “moda rápida” promete unir o útil ao agradável: roupas que estão em alta por um preço acessível. Ainda que cada vez mais normalizada, a prática do fast fashion tem seus defeitos: a baixa qualidade das peças leva ao seu descarte rápido e à procura de outras roupas que consigam substituí-las, criando um ciclo vicioso de compra e descarte.

Com esse tipo de comportamento normalizado – devido, principalmente, ao avanço dos meios de comunicação e das redes sociais – a moda deixa de ser uma forma de expressão e se torna um produto. As lojas online possuem um vasto catálogo para escolha do público, enchendo as telas com anúncios de roupas e incentivando o consumo desenfreado.

Dessa forma, o impacto do fast fashion também se espalha para aqueles que trabalham com peças feitas a mão e brechós. O que anteriormente foi considerado um dom – a construção de peças de roupas – é deixado de lado pelos itens vendidos em lojas que praticam a moda rápida. A identidade, que antes poderia ser encontrada na forma de se vestir, foi se apagando, dando espaço ao desejo de se parecer como o resto do mundo.

A respeito desse assunto, a artesã Claudia Nogueira, dona da loja Nogclau Creative, explica em entrevista que esse comportamento deriva da grande quantidade de informações fornecidas nas redes sociais somada à facilidade que a fast fashion impõe ao público.


Cláudia Nogueira com algumas peças da Nogclau Creative. Fonte: arquivo pessoal

“Quando eu era criança – que foi quando eu aprendi tudo – o pessoal dava mais valor ao artesanato, porque ele é exclusivo. Você pode fazer duas peças, mas elas não saem iguais. As fast fashions expõem alguns produtos dizendo que é de tricô ou crochê, mas são aqueles de linha de produção, saem todos iguais”, pontua Claudia, em relação à diferença com o tratamento das peças ao longo de sua experiência.

Ela também explica que, com o avanço da moda rápida, vem também a desvalorização do trabalho à mão. Um dos maiores impactos no seu trabalho diz respeito aos preços: os clientes esperam receber um orçamento de uma peça fast fashion, não de um produto feito a mão e sob medida.

“Algumas [fast fashions] colocam um valor muito baixo. Então, se você passa um orçamento a pessoa pensa, nossa que caro! É difícil ver uma pessoa que realmente dá valor. As pessoas veem uma peça de crochê na internet, mandam a referência, e, quando você manda o orçamento – contando linha, tempo de trabalho, tudo –, aí não querem pagar. Se é mais barato, não importa se a qualidade não é a mesma ou se não é exclusivo”.

Um detalhe que destoa entre peças de fast fashion e peças feitas à mão ou encontradas em brechós, segundo a artesã, é a temporalidade dos produtos. Enquanto a moda rápida visa a criação de roupas que fazem parte da tendência atual e são descartáveis, o artesanato e a moda circular visam a durabilidade e a atemporalidade dos produtos. É uma questão de identidade, na qual o fast fashion se preocupa com a padronização da moda.

“É uma peça que, se você não for desmanchar, ela vai durar. Eu já tive peças [de crochê] que foram da minha mãe, da minha avó, enfim. Agora, como a moda está lançando cada hora algo diferente, as pessoas precisam ter tudo. Ninguém mais quer algo que dure muito – e quando dura muito, se perguntam: o que eu vou fazer com essa peça?”

Outro impacto da prática é a comparação feita pelos consumidores ao comprarem uma roupa baseando-se na aparência do outro. Enquanto muitas roupas derivadas da moda rápida popularizam-se graças a influenciadores digitais e personalidades da mídia, o produto entregue pode não agradar todos os consumidores. Assim, o ciclo vicioso de compra e descarte continua, ainda que inconscientemente.

O diferencial na moda circular dos brechós

Analisando os impactos do fast fashion na moda e no consumo das pessoas, é importante destacar também o aumento na popularidade de brechós e no incentivo à moda circular. Ainda que tenha um menor impacto atualmente ao comparado com o consumo da moda rápida, o diferencial dos brechós tem se mostrado cada vez mais nas redes sociais.

Acerca desse assunto, a proprietária do brechó Peça Rara Bauru, Ana Cecília Fraga, destaca a importância do brechó ao combinar a doação de peças que fazem parte do fast fashion. Ela conta que, muitas vezes, eles recebem essas roupas e, dessa forma, podem ajudar a prolongar o uso e evitar o descarte precoce das peças.

“Nós já recebemos peças de fast fashion aqui na loja de fornecedores. Então, temos essa contribuição de colocá-las para um uso prolongado. Como temos o valor mais acessível, as pessoas podem escolher peças de brechó”, pontua como uma das soluções acerca do consumo excessivo da moda rápida.

Outro ponto importante destacado pela proprietária é que, na maior parte, os clientes da sua loja vão até lá com uma ideia concreta, um estilo pré-definido. Com a atemporalidade das roupas encontradas em brechós, os clientes conseguem enxergar seu estilo e sua identidade de maneira mais clara, algo que destoa no consumo da moda rápida.


Peças expostas na loja Peça Rara Bauru. Fonte: Redes sociais

“Eu vejo que muita gente vem até nós por já ter entendido o que ela gosta, qual seu estilo, e aqui ela consegue montar uma coisa muito particular. As pessoas que vem pensam: aqui tem coisas que eu não encontro em outros lugares. É claro, dá mais trabalho, porque você precisa procurar, são peças únicas. Hoje, a gente consegue se vestir com aquilo que faz sentido para você, e não aquilo que alguém trouxe. A informação da moda é super importante, tem todo um estudo por trás, mas nem todo mundo se encontra nisso”, comenta Ana Cecília em relação aos seus clientes e suas escolhas na forma de se vestir.

Ela destaca também que, atualmente, ainda existe um estigma por trás dos brechós que vem muito antes da internet. Muitas pessoas ainda enxergam essas lojas com uma visão distorcida, e acabam se surpreendendo ao adentrarem pela primeira vez. A modernização desses espaços contribuiu para uma maior distribuição do seu consumo, através da divulgação nas redes sociais, por exemplo.

“Os brechós de hoje são muito diferentes dos [brechós] de antigamente. A gente tem uma loja muito ampla e organizada, um trabalho visual de merchandising muito forte para que as pessoas vejam e entendam essas peças. Como toda tecnologia que se moderniza, os brechós se atualizaram também. As vezes entram com um certo preconceito, e aos poucos a gente vê a transformação das pessoas”.

Ao incentivar o consumo em brechós, a possibilidade de reutilização de uma peça aumenta, junto do incentivo ao desapego daquilo que não possui importância para alguém. Ao dar um novo destino para aquela peça que estava parada, sem utilização, o consumo da moda se torna algo cíclico, e não descartável.

“A gente tem que desenvolver tanto a cultura do cliente vir ao brechó, quanto a cultura daqueles que entenderam que é legal desapegar. Acho que é tão importante falar para quem compra sobre quem aprendeu a desapegar”.

Tal prática ajuda na criação de uma comunidade acerca dos clientes de brechó. Ainda que inconscientemente, o desapego de uma pessoa pode se tornar o sonho de consumo de outra. Ana Cecília destaca que grande parte de sua loja existe graças aos fornecedores e às doações recebidas de lojistas. Segundo ela, cada peça conta uma história ao chegar no brechó, e sai com outra totalmente diferente, sinalizando a importância dessa prática.

“Não é só uma peça, ela vem com histórias muito bonitas. Aí, você vê também outra pessoa procurando para criar uma nova história. Eu brinco que, às vezes, é a peça que escolhe a pessoa, não o contrário. São várias situações que vemos no dia a dia que fazem cada vez mais sentido ter aquela peça ali, que estava lá e agora alguém precisa dela”, explica a proprietária.

Contatos:

Peça Rara Bauru

  • @pecarara.bauru

Nogclau Creative:

  • @nogclau_creative

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