Com baixos índices na TV aberta, o remake da TV Globo vem engajando o público nas redes sociais. Com as mídias digitais, a pontuação tradicional já não é o único termômetro do sucesso ou fracasso de uma produção.

Odete Roitman e Maria de Fátima, interpretadas por Débora Bloch e Bella Campos Fonte : Divulgação/ Globo
Por Mariana Bezerra
A regravação de Vale Tudo, uma das novelas mais emblemáticas da TV Globo, originalmente transmitida em 1988, vem apresentando oscilações na audiência, que, muitas vezes, decepcionam as expectativas. Por outro lado, a trama gera muito engajamento nas redes sociais. A Rede Globo, inclusive, criou um perfil em uma rede social para Fátima Acioli, uma das personagens principais da trama. Além disso, a novela movimentou os números da plataforma de streaming da Globo, a Globoplay, se tornando o maior sucesso digital da emissora desde 2022.
Essas diferentes formas de avaliar a repercussão da novela apontam para novos hábitos de consumo. A agitação nas redes sociais – com a criação de vídeos e memes – além de debates acalorados sobre as polêmicas da novela e a trama em si mostram que as novelas ainda possuem um papel importante na sociedade brasileira. Essa força, agora, se manifesta nas redes sociais.
Nesse sentido, um exemplo marcante foi o capítulo exibido no dia 13 de maio, no qual a personagem Lucimar, mãe solo de um menino, a qual é interpretada por Ingrid Gaigher, aprende a usar o aplicativo da Defensoria Pública para solicitar a regularização da pensão alimentícia de seu filho. No mesmo dia, a defensoria pública do Rio de Janeiro registrou mais de 270 mil acessos ao aplicativo relacionados ao mesmo tema.
Sobre esse evento, Francisco Machado Filho, diretor da TV Unesp e presidente da Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU), comentou em entrevista que “a novela no Brasil é um produto muito forte exatamente por ter essa capacidade de unir as pessoas em determinados assuntos, e pontos de vista”.
Diante disso, é impossível negar a relevância que as novelas têm até hoje, mas é fato que a TV aberta enfrenta desafios, que estão associados, principalmente, ao desenvolvimento das plataformas de streaming, que garantem liberdade ao usuário, que pode desfrutar de uma massiva oferta de conteúdos a todo tempo e em todo lugar.
Segundo Francisco, não é que o público, principalmente os mais jovens, não consuma ou não goste do conteúdo televisivo, mas ele acaba optando por consumí-lo de outras formas que não em frente à TV, pontualmente às 21h20, por exemplo.
Afinal, a programação das emissoras se constituiu lá atrás e foi pensada para se adequar a uma rotina que já não é mais tão padronizada. “Quando a televisão chega no Brasil, ela reflete uma sociedade industrial que tinha o seu comportamento muito claro. A pessoa saía para trabalhar de manhã, voltava à tarde, a mulher ficava trabalhando em casa e os filhos na escola. Com esse perfil você pode montar toda a programação das emissoras até hoje. Mas essa programação representa uma sociedade que não existe mais”, explica o professor.
Para tentar se adequar à nova era e lidar com as inevitáveis quedas de audiência, as redes de televisão tiveram que adotar algumas estratégias. No caso de Vale Tudo, por exemplo, o roteiro precisou ser adaptado – em grau, gênero e número – para atender as revoluções sociais de um outro Brasil, ainda que o desemprego, o preconceito e questões como conflitos familiares e amorosos continuem tão atuais quanto em 1988.
No que se refere à forma, as emissoras estão investindo em suas próprias plataformas, além de outros conteúdos digitais como podcasts. A mais conhecida delas é o Globoplay que em 10 anos de existência ainda não conseguiu gerar lucros para a emissora e está longe de alcançar a audiência de outros streamings criados por grandes empresas de tecnologia estrangeiras. O SBT e a Bandeirantes, por exemplo, também possuem plataformas que oferecem acesso a um catálogo, bem como a transmissão ao vivo da programação.
Francisco Machado Filho aponta ainda para a possibilidade de redução da programação noveleira da TV Globo, que hoje é composta por três novas produções e uma reprise à tarde. Esse movimento de adaptação das emissoras também reflete na forma como as produções encaram a audiência, que não se resume mais à pontuação avaliada pelos institutos de pesquisa.
Muitas pessoas nem mesmo acompanham a novela no modo tradicional, mas o mundo digital propiciou novas maneiras de estar informado e formar opiniões a respeito da programação da tv aberta. O entrevistado comenta que antes isso era feito por meio das tirinhas de revistas ou jornal, que resumiam os últimos capítulos das novelas e anunciavam o que iria acontecer nos próximos dias.
“Isso hoje foi transferido para o meio digital. Então, realmente, você não precisa assistir o capítulo inteiro para ver o resumo de uma cena mais importante e ter ideia do capítulo geral. O termo acompanhar é exatamente isso, acompanhar o desenrolar da história, do novelo. Eu acho que isso é natural, é uma ferramenta atual e que vai continuar a ser usada”.

Francisco Machado Filho, presidente da ABTU e diretor da TV UNESP Fonte: Acervo pessoal
Mas afinal, como a TV calcula sua audiência?
IBOPE, sigla que significava Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, era o nome de um tradicional instituto de pesquisa, que fazia uma estimativa da audiência da programação a partir da instalação de aparelhos conhecidos como people meters ou “medidores de audiência” em algumas residências. Em 2014, esse setor do instituto foi comprado pela empresa estrangeira Kantar Ibope Media.
“Eles colocam aquelas caixinhas na casa de pessoas em bairros estratégicos. A pessoa assina um contrato de confidencialidade, então ela não pode falar para ninguém que tem aquele aparelho em casa. E aí fazem uma estimativa pelo número daqueles aparelhos a partir de uma fórmula matemática”, explica Francisco Machado Filho.
Quando se fala em pontuação nesse contexto, um ponto equivale a 1% do total de residências com acesso a aparelhos de televisão em uma região e momento específicos. O diferencial do serviço de streaming é que, mesmo na modalidade ao vivo, ele consegue fornecer com exatidão os valores de audiência.
Diante de tantas inovações, o cenário atual da televisão brasileira se distancia daquele em que foi considerada sua “era de ouro”. No entanto, a tv ainda vence o universo digital no seguinte critério: a democratização.
Para muitas pessoas que possuem um aparelho móvel e acesso a internet, esses itens podem parecer básicos e, de fato, são considerados essenciais para comunicação, locomoção e acesso à informação na atualidade. No entanto, possuir um smartphone e um plano de internet de qualidade não é tão natural quanto pode parecer. Afinal, o Brasil ainda apresenta um quadro de desigualdade digital, em que muitas pessoas não têm acesso pela internet por falta de condições financeiras ou por não saberem utilizar bem esse recurso.
Francisco Machado Filho aponta que a “curva de adesão” da internet se acentuou muito mais rapidamente que a da televisão, mas, ainda assim, a TV aberta desempenha um papel importante na sociedade brasileira, garantindo acesso a conteúdo jornalístico – principalmente, informativo e utilitário – além de entretenimento para muitos que sofrem com a desigualdade digital, mas que têm um aparelho televisivo em casa”. Ao ser questionado sobre o futuro da TV aberta no Brasil, o professor respondeu: “Essa é a pergunta de ‘um milhão de dólares’”.
O fato é que ela ainda vai percorrer um longo caminho, até porque por mais revolucionário que seja o negócio dos streamings, ele ainda não é capaz de abarcar os níveis de audiência simultânea como faz uma rede televisiva.
“O maior evento ao vivo de streaming no mundo até hoje foi o último Super Bowl” – um evento esportivo estadunidense. Foram 15 milhões de pessoas assistindo no streaming. Na TV aberta nos Estados Unidos, foram 120 milhões. Então, se esses 120 milhões fossem para o streaming, ele cairia”, explica.
Sobre as novelas, também fica claro que o gênero, que é inerente à cultura brasileira vem se reinventando não só na televisão aberta, pois vêm ganhando espaço no streaming a partir de produções feitas especificamente para as plataformas, como Beleza Fatal, sucesso do Max, e Guerreiros do Sol, que estreou neste mês de junho no Globoplay.
