Após anos de campanha antitabagista, por quais motivos jovens e adolescentes retomam o uso de nicotina em seus cotidianos?

Por Ingridy Cupido

Em janeiro, a jovem líder de torcida Brianne Cullen, de 17 anos, foi diagnosticada com bronquiolite obliterante, doença pulmonar decorrente do uso de cigarros eletrônicos, em Nevada nos Estados Unidos. A adolescente ligou para a mãe durante um de seus treinos após sentir dificuldade respiratória e foi levada ao hospital às pressas, onde recebeu o diagnóstico.

Segundo a mãe de Brianne, a líder de torcida iniciou o uso de cigarros eletrônicos com 14 anos para aliviar a ansiedade que adquiriu durante a pandemia do COVID-19. A jovem agora segue em tratamento para controlar a doença crônica adquirida durante seus 3 anos de uso de vapes.

O diagnóstico raro de Brianne reflete uma nova onda de jovens adeptos à nicotina. Segundo pesquisa da Universidade Federal de Pelotas, um em cada cinco adolescentes fuma cigarros eletrônicos no Brasil. Após anos de propaganda antitabagista, o que motiva os jovens a iniciar o uso de cigarros eletrônicos?

Segundo a pós-graduanda em Neuropsicologia pela USP, Patrícia Drumond, os novos jovens fumantes se devem pelo apelo dos cigarros eletrônicos. Antes, ações como a criação do programa PROERD e proibição de propagandas televisivas de cigarros mostravam os malefícios da nicotina, agora os cigarros eletrônicos vendem uma nova realidade.

Para Patrícia, a campanha antitabagista funcionou inicialmente por explicitar os malefícios da nicotina à saúde. “Primeiro, a gente sabe que houve sim um avanço nas campanhas antitabagistas desses últimos anos para cá. O cerne da campanha era sempre defender a ideia de que o tabagismo, o cigarro convencional, por conter muita nicotina, fazia mal à saúde.” informa a pós-graduanda.

Porém, Patrícia completa que a comercialização dos cigarros eletrônicos criou uma nova abordagem: “Quando você entra com uma campanha do cigarro eletrônico, dizendo que o vape é inofensivo, porque tem baixo índice de nicotina, você esvazia o argumento da campanha. Hoje a gente sabe que este argumento não é verdade”.

Segundo a pós-graduanda, a fase de desenvolvimento que adolescentes se encontram também é crucial para entender suas motivações ao uso. “O jovem está constituindo a sua identidade, enquanto pessoa, se encontrando no mundo, entendendo o que ele gosta, quem ele é. E nessa fase, ele tem uma necessidade de pertencimento muito grande, pertencer a um grupo. Ele quer ser aceito.”, diz Patrícia.

Deste modo, o fumo torna-se um meio para encaixar-se em um grupo. “Então, quando ele vê os amigos, tendências, influenciadores vendendo a ideia de que o cigarro eletrônico é legal, e de que fumar é sinal de maturidade, sinal de ser descolado, ele acaba querendo fazer parte dessa tribo também”, Patrícia completa.

Em outro ponto de vista, a psicóloga informa os conceitos fisiológicos que explicam o fumo de cigarros eletrônicos entre os adolescentes. Segundo a psicóloga “a gente tem uma parte no cérebro chamado córtex pré-frontal, que é responsável pelo nosso planejamento, pela nossa tomada de decisão, pelo nosso julgamento. Durante a adolescência ele não está formado, desenvolvido, ele está imaturo.”

Para completar, Patrícia explica que, devido a isto, jovens estão mais suscetíveis a comportamentos impulsivos. “Por isso que o jovem, de modo geral, é mais suscetível a entrar em comportamentos perigosos, a dirigir em alta velocidade, a se envolver com consumo excessivo de álcool e de drogas, ele ainda não está maduro”.

É necessário entender também o papel do sistema límbico na sucessibilidade do jovem ao vício, segundo a psicóloga. Patrícia informa que, enquanto adolescentes, o sistema límbico, que é responsável pela sensação de recompensa captada no fumo, está completamente desenvolvido, e explica que é difícil para o jovem desenvolver pensamento crítico em meio ao desequilíbrio da dificuldade em controlar impulsos e a necessidade pela sensação de recompensa imediata.

Patrícia informa também que muitos jovens continuam o uso ao experienciarem a falsa sensação de melhora em problemas mentais como ansiedade e depressão, assim como Brianna. “Criando essa habituação de fumar e, dependendo da função que ela ocupa que pode ser, por exemplo, para diminuir a ansiedade, você se torna dependente. Você está num efeito rebote”, informa a pós-graduanda.

Quando questionada sobre os possíveis efeitos do uso de cigarros eletrônicos durante o desenvolvimento adolescente, Patrícia explica que “a nicotina mexe com os níveis dos nossos neurotransmissores. A gente tem a serotonina e a dopamina, que são neurotransmissores fundamentais para a regulação do nosso humor e das nossas emoções. Se a gente mexe com isso e se existe uma desestabilidade nisso, você pode sim aumentar a sua probabilidade de você ter ansiedade, depressão e transtorno de humor”.

Por fim, a pós-graduanda em neuropsicologia explica os possíveis meios para o combate ao vício em adolescentes. “Primeiro a gente tenta entender o modo de funcionamento desse jovem. Por que ele desenvolveu o vício? E aí, de novo, é a ansiedade, é uma questão de autoestima, é uma questão de pertencimento”, diz.

Patrícia informa que é preciso apresentar ao adicto outros comportamentos que auxiliem nos motivos pelos quais iniciou o uso. “Então, para ajudar esse paciente é necessário flexibilizar ele, abrir o leque de possibilidades para enfrentar essa questão que faz com que ele tenha o comportamento de fumar”.

A psicóloga completa ressaltando a necessidade de acolhimento, “muitas vezes esse jovem está passando por questões, então é muito importante ele ter um lugar seguro que seja acolhido, que ele tenha uma escuta totalmente livre de julgamento e que ele se sinta compreendido. Tudo isso vai contribuir para que ele tenha uma efetividade maior nessa tentativa de largar o vício do cigarro”.

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