Publicado dia 20 de maio de 2025, decreto regulamenta a Nova Política de Educação a Distância e estabelece mudanças significativas na oferta de cursos superiores na modalidade assim como regulamenta o formato semipresencial
Por João Paulo Campos
Surgida num contexto de expansão do acesso ao ensino superior no Brasil, a modalidade de ensino a distância (o EaD), nesses mais de 20 anos de existência, fixou-se em um lugar que, ao mesmo tempo serve à democratização do acesso à educação superior, levanta questionamentos quanto sua qualidade, em vista do crescimento desenfreado do número de vagas neste formato.
A categoria vem apresentando crescimento exponencial nos últimos anos. Segundo dados do Censo da Educação Superior (2024) entre 2018 e 2023 houve um aumento de 232% das vagas ofertadas, totalizando 19 milhões de novas vagas oferecidas pelo sistema privado, e apenas 134 mil ofertadas pelo sistema público (incluindo-se aí, federais, estaduais e municipais).

Esse crescimento impulsionou a diversificação do perfil dos estudantes: dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2022 mostram que 55% dos alunos matriculados em cursos a distância têm mais de 30 anos, comparado a 22% no ensino presencial. Esse dado reforça a percepção de que essa modalidade é, muitas vezes, a opção mais viável para conciliar estudos e trabalho.
A flexibilidade de horários é fator fundamental para essa diversificação no perfil dos alunos. Ana Cláudia Pinhatti (54), formada em Administração, destacou que a facilidade de estudar no próprio horário e o custo reduzido foram decisivos para sua escolha pela modalidade a distância.
“O que me levou a escolher o ensino EAD foi a facilidade de poder estudar nos meus horários. Considerando que trabalho e sou casada seria bem difícil e cansativo ter que sair a noite para fazer este curso”. Para ela, o modelo é eficaz se o aluno tiver disciplina e escolher uma boa instituição. Visão esta corroborada por Antônio César Pinhatti (62), ex-aluno do curso de Administração de Empresas, que ressalta a acessibilidade de horários e valores em uma grade curricular a distância.
Mas afinal, sobre o que trata o texto do novo decreto?
De forma geral, o Decreto n° 12.456/2025 regulamenta a oferta de cursos a distância, determinando percentuais mínimos de atividades presenciais e síncronas (“ao vivo”), restringindo a possibilidade de cursos 100% remotos. A partir de então, os cursos a distância exigirão um percentual mínimo de 10% das suas atividades serem oferecidas de forma presencial, e 10% de maneira síncrona e mediada, além das provas presenciais. Além disso, o decreto proíbe o ensino a distância dos cursos de Direito, Medicina, Enfermagem, Odontologia e Psicologia.
A decisão encontra apoio entre especialistas. Gabriel Ruscito, advogado e mestre em Direito pela Unesp, afirma que “a decisão de manter os cursos presenciais de Direito continua plenamente justificável”. Para ele, o ambiente físico é essencial para o desenvolvimento do raciocínio crítico, da argumentação jurídica e da autonomia intelectual. E complementa apontando que, no Brasil, mesmo com a exclusividade da oferta presencial, houve uma expansão no número de cursos de Direito, mas que não refletiu no avanço da qualidade do ensino jurídico. “Prova disso é o irrisório índice de aprovação nos Exames da Ordem, como é o caso do 40º, aplicado em 2024, cujo índice de aprovação foi de 23,88%”.

Além da proibição, o decreto regulamenta outra forma: o semipresencial. Na prática, o formato já existia. O ponto é que os cursos que se encaixam nessa categoria poderiam ser ofertados em diferentes formatos, incluindo à distância. Agora com o decreto é desenhado um regulamento padrão de quais cursos e de como poderão ser ofertados. Para os cursos contemplados com essa nova forma, o modelo ficou com um mínimo de 30% da carga horária em atividades presenciais físicas (como estágio, extensão e práticas laboratoriais) e, pelo menos, 20% em atividades presenciais ou síncronas mediadas.
O curso de Jornalismo, por exemplo, entra no rol de viabilidade do modelo semipresencial e divide as opiniões dos estudantes. Stéfany Pereira, estudante do curso na Unisagrado (Bauru) ressalta a importância da interação prática dos alunos: “Muitos estudantes até optam por essa modalidade pela flexibilidade. Mas, nas matérias práticas, como rádio, TV e laboratório, a interação e a experiência de ter esse contato com o jornalismo no período da faculdade são bem mais interessantes do que no modelo semipresencial”.

Enfermagem, por sua vez, faz o percurso contrário, e deixa de figurar no rol de graduações semipresenciais. Essa mudança é vista com bons olhos por Taiz Frauzino, enfermeira formada em curso semipresencial. Para ela, a principal diferença que a obrigatoriedade do modelo presencial trará é a dimensão humanizada da prática profissional, que muitas vezes sem a possibilidade de troca imediata. E complementa que a regulamentação “traz mais segurança tanto para os estudantes quanto para os pacientes, afinal essas profissões (enfermagem e medicina) não são somente sobre os profissionais, mas também sobre os pacientes”.
A discussão não é simples, a educação à distância é um mecanismo democratizante do ensino superior, mas que, assim como qualquer outra instância, necessita de um padrão de qualidade e protocolos de avaliação institucional.
Nesse sentido, Gabriel Ruscito afirma que “o Decreto do MEC, tal como exposto, não ignora a digitalização da vida nos dias atuais, pois permite que uma parcela da carga horária se dê de maneira virtual. Disciplinas optativas, por exemplo, ou atividades extracurriculares podem se valer dessa abertura”.
Esse ponto encontra ressonância na fala de Camilo Santana, atual Ministro da Educação, no dia da assinatura: “O foco é o estudante e a valorização dos professores: a garantia de infraestrutura nos polos, a qualificação do corpo docente, a valorização da interação e a mediação para uma formação rica e integral, independentemente da distância física”. O decreto, então, parece buscar um equilíbrio, estabelecendo critérios rigorosos de verificação e acompanhamento da qualidade, sem descartar os benefícios que o modelo a distância oferece.
