Especialistas acreditam que o Estado deve tomar medidas para desacelerar o aumento das apostas online no Brasil.
Por João Christensen
Em setembro do ano passado, o Banco Central do Brasil divulgou uma análise sobre o mercado de jogos de azar e apostas online no país, e uma das informações de destaque no documento foi que 5 milhões de beneficiários do bolsa família gastaram um total de R$3 bilhões em apostas apenas durante o mês de agosto. Estes dados expõem o cenário de grande crescimento desta atividade e como os impactos são latentes entre as camadas mais vulneráveis da sociedade.
O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, disse em uma entrevista à Folha de São Paulo que o Brasil corre riscos de sofrer com uma “bolha” de inadimplência devido à explosão das casas de apostas. Ele defendeu a proibição do uso do Pix para essa atividade, principalmente entre as pessoas que recebem o auxílio do Bolsa Família.
Em entrevista ao Jornal Contexto, o economista Gustavo Serra falou sobre as possíveis medidas que podem ser adotadas pelo Governo Federal para sanar esse avanço. “Poderia ver qual é a regulamentação dos cassinos, por exemplo, e tentar aplicar algo semelhante. Outra questão seria entender a viabilidade de você atrelar limites às apostas segundo a renda das pessoas. Os bancos, por exemplo, quando se faz um empréstimo, há uma análise de riscos. Nas empresas de apostas, não tem isso, é um jogo. Então, é uma regulamentação que pode ser analisada”.

Gustavo Serra, economista.
O economista também comentou sobre a proibição do Pix, argumentando que é necessário um debate amplo sobre o tema, mas que proibir esse método de pagamento pode gerar problemas operacionais, além da dificuldade de controlar os gastos das pessoas por esse meio, o que acaba sendo contraprodutivo.
As apostas online foram legalizadas no Brasil no final de 2018, mas algumas plataformas já atuavam ilegalmente. Após sua liberação, as casas de apostas atuaram sem nenhum tipo de fiscalização, responsabilização, tributação ou exigências até 2023, quando foi enviado ao Congresso um projeto de lei para regulamentar esse mercado. Durante 2021 e 2023, houve um aumento de 430% no número de empresas registradas no país, segundo dados do DataHub da CNN.
Carlo Napolitano, docente do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), falou ao Jornal Contexto sobre fatores que contribuíram para o aumento das casas de apostas no Brasil. “Acredito que o principal fator é a facilidade. Todo mundo hoje tem um telefone celular, e as pessoas usam essa tecnologia para apostar”.

Carlo Napolitano, docente do Departamento de Ciências Humanas da Unesp.
Ele explica também que outra influência talvez seja “o grande volume de propaganda que as pessoas estão submetidas. Um vasto exemplo é que hoje quase não há um time de futebol da série A brasileira que não tenha patrocínio de uma Bet. Até o campeonato tem patrocínio de uma casa de apostas. Há também alguns canais que mostram as odds [quantidade de retorno financeiro da aposta] em tempo real. Então acho que isso incentiva”, afirma o professor.
Na série A do Brasileirão, principal campeonato nacional, 16 dos 20 clubes são patrocinados por casas de apostas. O valor do investimento dessas plataformas no futebol brasileiro girou em torno de R$550 milhões em 2024, e tende a crescer no ano de 2025, podendo ultrapassar a casa dos bilhões.
Sobre a proibição das apostas para os beneficiários do Bolsa Família, Carlo comenta sobre as implicações na fiscalização. “A razão da existência da Bolsa Família é ser um benefício assistencial, são para pessoas que não têm renda adequada e precisam ter o mínimo, eu acho que é muito complicado alguém ter o controle do que a pessoa vai fazer com isso”.
“A pessoa pode receber esse benefício e a partir dali ela vai fazer as suas escolhas. Talvez proibir o uso do Bolsa Família para um jogo de azar é complexo em termos de fiscalização. Nesse sentido, acredito que essa discussão é muito mais moral do que qualquer outra coisa. Se o governo pretende ter algum tipo de controle em relação a isso, eu acho que vai dar sopa em água, porque não vai conseguir fazer esse controle”, conclui o docente.
